Apologia ao fumo?

Norberto trabalhava no centro administrativo de uma famosa indústria fabricante de cigarros e, vez ou outra, desincumbia a função de relações públicas. Naquela feita atendeu a ligação de um senhor que, com uma voz assustadoramente grave, foi logo dizendo:

— Alô, meu nome é Leopoldo. Quero falar com o responsável.

— Aqui no meu departamento sou o responsável. — Norberto mentiu pressentindo que era melhor não alongar a conversa. — Como posso ajudá-lo, senhor Leopoldo?

— Trata-se de algo pessoal. O fato é que faz bastante tempo que desejo falar com vocês... sobre os efeitos dos cigarros...

— Sim, sinta-se a vontade, senhor, pode falar. — E já foi levando a mão à testa, preparando-se para ouvir a ladainha de mais um antitabagista.

— Olha... o que preciso dizer é que vocês estão de parabéns! Vocês fabricam uma das coisas mais fantásticas do mundo. Eu fumo três maços de cigarro por dia e a cada cigarro sempre fico mais satisfeito.

— (?).

— E vou te dizer uma coisa, é uma grande bobagem essa história que contam por aí, que cigarro faz mal. São um bando de idiotas. Mal faz não fumar. Eu simplesmente amo fumar! Meus parabéns! Por favor, transmita as minha congratulações para todos os funcionários dessa respeitável empresa...

— Obrigado! Transmitirei sim! — E nessa hora, se pudesse observar a si mesmo, Norberto certamente teria percebido uma indisfarçável expressão de surpresa e, instantes depois, feições de quem realiza algo muito importante, algo fundamental para a felicidade humana.

— É só isso! Um abraço!

— Um abraço, senhor!

Imediatamente após desligar o telefone, Norberto levantou-se e anunciou em voz alta para os cerca de 15 colegas que dividiam a sala:

— Um senhor acabou de ligar parabenizando a empresa e seus funcionários por fabricarem cigarros! Isso não é o máximo?

— (???).

— Parabéns gente! Parabéns!!!

Como resposta, nada além de alguns olhares quase inexpressivos. Sem se importar, Norberto sentou-se e esticou os pés sobre a mesa. Sempre se atormentava com a ideia de estar contribuindo com uma organização que matava milhões de pessoas de câncer e de outros males. Mas nunca, até então, havia ouvido ninguém elogiar o cigarro. E se o sujeito apenas tivesse sido sarcástico? Poderia ter desejado dizer algo como "parabéns, continuem matando! Gente incomoda mais que o cigarro...". O que estava acontecendo com as pessoas? Não podia fazer nada. E decidiu não mais atender o telefone. Apenas deixou-se ficar ali, esparramado na cadeira, pensando, com um cigarro na mão.