O clube dos doze

O clube dos doze

O sol acordou, assim como o jovem Diogo. Os pés tocaram o chão frio. Com o choque de temperatura, as pernas se moveram, tateando os azulejos em busca do chinelo. O tempo que acompanhou os poucos passos não foi suficiente, como já era de se esperar, para que os olhos se acostumassem a claridade matinal. Na mesa da sala, de forma maquinal, o mudo sentar já dizia à sua mãe o que deveria ser feito. Mais desperta, pois acorda cedo, Norma serviu dois pães e uma caneca de achocolatado, recheando os pulmões de seu filho com o vapor do líquido quente. Alguns goles e mordidas após, o olhar, ainda sonolento, viajou pela parede, indo em direção a televisão. A programação não agradava Diogo, que pensava sobre a existência de algo bom em outro canal. Questionou sobre as horas, para então responder a si mesmo, voltando o olhar para o relógio na parede. Eram seis e dezessete. A vista se prendeu aos ponteiros, distraidamente, como se algum desenho animado estivesse a lhe entreter.

Era filosófico, para Diogo, ter a certeza de que aquilo nunca mudaria. Duas voltas por dia. Doze marcações, cada uma tendo um significado. Para ele, com uma rotina muito fixa em sua cabeça, tudo começa e termina numa reta, seja a formada pelos ponteiros quando se levanta, ou então no momento que, em seu folclore pessoal, se resume a estar “muito tarde”. Ele se encontrava hipnotizado por algo que, pela primeira vez em suas reflexões adolescentes, era o símbolo de qualquer atividade. Era como um clube, de confiança indubitável, especializado em garantir para a ele que poderia se defender, pedindo a sua mãe mais um minuto de vídeo game, antes de dormir, assim como dar razão a sua progenitora quando o assunto é ir para a aula. Havia a certeza de que sete e meia é o horário de entrar na escola. Dez horas começa o tão esperado intervalo, o que significa uma hora boa para Diogo, quando lancha seu biscoito recheado preferido, dividindo opiniões com os amigos, em conversas que, para eles, necessitavam do maior grau de seriedade, relembrando os principais fatos da série japonesa que, logicamente, todos viram em suas casas. O relativamente curto, pelo menos para os meninos, período de trinta minutos de intervalo se encerra, fazendo com que todos obedecessem a sirene e voltassem às suas salas. Agora, Diogo pensa no momento em que a reta dos ponteiros é cortada ao meio. Ele sabe que ao meio-dia deve voltar para casa e almoçar, preparando-se mentalmente para a seqüência de exercícios didáticos, os quais antecedem o episódio japonês das três da tarde, hora do “L”.

As divagações mentais continuam e olhar o quatro lhe diz muito. Aquele número embutido na circunferência do relógio é, para o jovem menino, coisa muito boa. Quer dizer outro lanche, andar de bicicleta, jogar vídeo-game ou então qualquer atividade que envolva o amado computador. Sabe-se que o fim de tarde é o melhor momento do dia.

O sagrado jantar é servido por sua mãe, às oito horas, para que então houvesse o primeiro momento de contato, no dia, com seu pai. A alimentação noturna é sempre lenta e leva uma hora, contando com sentar, esperar, servir, comer sobremesa, observar a conversa dos pais, assim como assisti-los a se levantar e andar para a sala. O segundo “L”, agora invertido, dizia a Diogo que o quarto é seu império. Jogos eletrônicos, televisão e gibis, tudo feito às pressas, enquanto a folclórica meia-noite não chega. Norma já se cansou de avisar a Diogo o quanto faz mal dormir pouco, mas o menino prefere atingir o máximo que seus olhos agüentam, não indo dormir antes de realmente não suportar mais o sono, para que então desmaiasse. Ao acordar novamente, sempre se arrependia amargamente, lutando contra o cansaço para conseguir se levantar.

Enfim, Num piscar, Diogo despertou-se de sua listagem mental sobre as horas de seu dia. A voz de sua mãe avisou que, se não se arrumasse logo, iria se atrasar para a aula. Ele ficou pronto e quando entrou no carro soltou a pergunta:

- Mãe, já reparou que nossa vida é um relógio? Aqueles dois ponteiros são tanto pra nós e eu nunca havia pensado nisso. Pensa só: é como se fosse um clube, o “Clube dos doze”...

O menino falou durante todo o percurso.

Rafael S P Valle
Enviado por Rafael S P Valle em 30/07/2009
Código do texto: T1726919
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.