Micro-conto 22

- Num vai ver tua tia, Mateus?

- Vô, não. Tô saíno batido pro porto. Pintou um serviço.

Houve um estrondo. Eram os homens da lei. Entraram atirando na gente. Indiscriminadamente. Era sempre assim. Uma menina de seis anos e seu cachorrinho tombaram sem vida. Uma gestante foi atingida. De raspão, felizmente. Mas a mesma bala foi fatal ao encontrar, numa janela em frente, o rosto de uma senhora de 73 anos, que tinha um sobrinho chamado Mateus. O pessoal do comando e seus soldados meteram o pé pelos becos e vielas da favela. Ninguém foi preso.

No rádio, através do noticiário do meio-dia, o governo anunciava com satisfação o aumento da arrecadação, apesar da redução “sensível” dos impostos. Informava também que, com o avanço da informática, novas medidas iriam reduzir praticamente a zero as sonegações no Imposto de Renda – o que atingiria o pessoal da chamada classe média para baixo, ficando os ricos de fora.

Na única lan-house da favela, apesar do intenso tiroteio, os meninos e meninas continuavam impassíveis em seus joy-sticks, os olhos grudados no monitor.

- Num vai mesmo ver tua tia? Nem mesmo dispois do seuviço?

- Vô não. Hoje é sexta-feira. Dia de chapa quente no morro.

Maricá, 01/08/2009

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 01/08/2009
Reeditado em 01/08/2009
Código do texto: T1730959
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.