Joãozinho e o saco de livros

Joãozinho, como ele é mais conhecido no bairro onde mora, lugar simples de gente muito humilde, bairro grande com todos os problemas de um uma periferia de cidade grande. Convive com a violência e o trafico de drogas. Falta saneamento básico e o esgoto corre a céu aberto. É tanta coisa que falta que fica difícil de falar de todas.

Menino danado de levado, sapeca e com uma inteligência fora do normal para uma criança da sua idade. Ele o caçula de uma família de onze irmãos, filho de S. Joaquim e D. Ana, ambos catadores de papelão. Joaquim, bem mais velho que D. Ana foi abandonado pela sua primeira esposa deixando ele com cinco filhos. E agora já conta com mais seis com Ana, que é a mãe de Joãozinho.

Todos os dias saem de madrugada quando os caminhões que recolhem o lixo ainda não passaram e assim revirando os sacos de lixo no centro da cidade, conseguem ajuntar alguma coisa que tenha algum valor, que é vendido no ferro velho. Juntando tudo o que os dois recolhem, geralmente chega a uma faixa de dez, ou no maximo quinze reais por dia isso para sustentar os dois e os onze filhos.

A dureza sempre fez parte da vida de Joãozinho, não sabe o que é passear num shopping, parque de diversões só vai para olhar, porque o pai não tem dinheiro para todos brincarem. Seria um caminho certo para Joãozinho e seus irmãos o da criminalidade, fazem parte do dia-a-dia deles o convívio com tiros entre traficantes e policiais, ou mesmo entre traficantes disputando a liderança do trafico. Quantas vezes na madrugada não tiveram que se esconder debaixo da cama para fugirem dos tiros. Sem contar a fragilidade do pequeno barraco improvisado com pedaços de madeira e restos de lona, onde dormem todos amontoados e sem nenhum tipo de conforto numa área em que os moradores são todos ocupantes ilegais.

Joãozinho, porém tem algo de diferente, tem uma chama dentro de si que o faz sonhar, sonhar alto. Que o faz achar que toda essa dificuldade é passageira e sabe que o seu coração é para o bem, e não para a criminalidade. Quando muito pequeno, achava que seria catador de papelão como os pais, e normal os filhos se espelharem nos pais e tendem a quererem ter a mesma profissão. Seu pai porem sempre o aconselhava: filho você um dia vai ser alguém na vida, estude sempre e nunca falte à escola. Procure Aprender o que a professora ensina nas aulas assim não vai acabar como o seu pai que não sabe ler e nem escrever e não consegui aprender uma profisão. Você e seus irmãos são o nosso maior orgulho e você é que tem mais chances de ir longe. Por isso seja sempre muito honesto em sua vida e com certeza um dia a vida sorrirá para você. E com a mão áspera cheia de calo seu pai fez um afago em seu rosto e beijou-lhe a face, então Joãozinho o abraça pede a sua benção e no ouvido do seu pai fala baixinho: eu vou ser como o senhor pediu, e um dia quando for adulto eu vou dar uma linda casa para você e a mamãe, e vocês não precisarão mais catar papelão.

Alguns anos se passaram, Joãozinho cresceu entrou na adolescência, continua muito atento nos estudos, e com o passar dos anos seu pai já dava sinais de cansaço e Joãozinho passou a ajuda-lo no serviço de catador de papelão. Passou a estudar no período da tarde para poder levantar de madrugada. Certo dia numa rua do centro onde ficam as lojas mais bonitas, uma vitrine o chamou mais a atenção; a de uma livraria. Joãzinho ficou maravilhado em ver tantos livros expostos, o brilho que reluzia das capas em contraste com a iluminação da vitrine o deslumbrava. Pegou um caixote de madeira e ficou sentado por quase meia hora em frente a livraria, imaginando o que cada livro poderia ter inscrito em suas paginas. Admirava os desenhos da capas e fazia comparação entre eles para ver o qual teria mais paginas. Sentado empunhava a mão direita como se estivesse segurando um livro imaginário, e com a esquerda folheava as paginas repetindo em sua cabeça uma história que criará nesse instante como se fosse as paginas de um livro verdadeiro. Quando seu pai viu seu filho ali sentado em frente a livraria, e repetindo gestos como se estivesse lendo um livro, de inicio pensou em xinga-lo por ter parado o serviço, o caminhão logo chegará e daí não da mais para continuar com a coleta dos materiais. Pensou também em caçoar do menino achando que estaria ficando maluco. Quando chegou mais perto e viu que o menino estava totalmente entusiasmado com os livros, apenas colocou a mão em sua costa e disse: filho vamos trabalhar,os livros trazem coisas muito boas, porem custam caro e nós não temos dinheiro para comprar. Quem sabe um dia você poderá ter um monte desses. Joãozinho voltou ao trabalho e durante o caminho de volta só falava na livraria e nos livros: você viu pai, que legal os livros. Tinha uns fininhos, outro bem grosso que com certeza levaria quase um ano min ler ele todo.

. E assim o menino só falava em livros, era o seu sonho, era a sua vida e o seu caminho. Seu pai em ver o gosto do seu filho pelos livros, sentiu um misto de alegria e tristeza ao mesmo tempo pois é raro um adolescente se interessar por literatura, os jovens de hoje só pensam em celulares e baladas e roupas de grife. Pensou até em tentar economizar alguns trocados e comprar um livro do que for mais barato e dar a Joãozinho, mais essa idéia foi logo descartada devido a falta de comida em casa.

Certo dia S. Jaoquim votando do centro da cidade depois da coleta do lixo, nesse dia seu filho não o acompanhou por estar deitado com um forte resfriado. Passando ele com seu velho carrinho de sucata feito com um caixote de madeira e duas rodas de bicicleta somente o aro, porque os pneus já rasgaram a muito tempo. Sentou-se a beira da calçada para arrumar a tira do chinelo que havia arrebentado. Estava num bairro muito bonito, casas grandes calçadas bem cuidadas com arvores e flores nos jardins, bem diferente de onde eu moro pensou ele. Quando de repente escutou o chamado de uma senhora, vindo da garagem de uma das casas com vários carros e ao fundo o latido de um enorme cachorro. Achou que ela iria xingá-lo por ter sentado em sua calçada, mas a voz continuou a chama-lo: catador, por favor venha até aqui. Chegou até o portão da casa e uma senhora muito bem vestida, muito delicada disse-lhe: eu tenho aqui um saco de coisas velhas, e te darei um trocado se puder jogar isso fora para min, pois o serviço de coleta de lixo não leva esse tipo de coisa. Seu Joaquim, muito solicito atendeu prontamente a senhora e colocou o saco no carrinho, pois a coleta nesse dia foi muito fraco, e o cinco reais que a senhora lhe deu o ajudaria muito. Agradeceu e foi embora para casa onde iria separar todo o material da coleta e levar vender no ferro velho.

Quando chegou em casa seu filho correu ao seu encontro, e ao ver aquele saco em cima do carrinho perguntou: pai, o que tem nesse saco que o senhor trouxe? Não sei respondeu ele. Uma senhora me pagou cinco reais para jogar isso fora. Se quiser abra para ver o que tem dentro. Joãozinho não hesitou, abriu a boca do saco e revirou todo o seu conteúdo no chão. E para a sua surpresa o saco estava cheio de livros. Os olhos dele se encheram de lagrimas e ele deu vários saltos para expressar toda a sua alegria, afinal ali deveria haver cerca de pelo menos trinta livros, todos em perfeito estado de conservação e a partir de agora ele teria um monte de livros para ler. Parecia um sonho. Então abraçou o seu pai e ambos pularam de alegria.

Joãozinho agora tinha a sua coleção particular de livros, leu a todos com enorme entusiasmo, lia histórias para seus irmãos e seus pais, os livros que ele mais gostava repetia a leitura varias vezes.

Assim Joãozinho cresceu, sempre gostando da leitura. Descobriu a biblioteca municipal e toda a semana pegava um livro pra ler. Estudou muito, passou entre os primeiros classificados em um concurso para funcionário publico. Depois de muito esforço passou pelo vestibular e conseguiu uma bolsa de estudos e se formou na faculdade cursando letras onde se especializou em literatura passando assim a dar aulas como um dos mais conceituados no assunto. Cumpriu a promessa de ajudar seus pais dando uma boa casa para eles e voltou ao seu bairro de origem para fundar uma biblioteca onde atende a todas as crianças da região.

Carlos Costa