Quase por acaso

Quase por acaso

Belvedere Bruno

Aproximava-se o Natal e, com isso, o início das correrias diárias para o comércio e a paralisação das tarefas do cotidiano. Nara, absorta em seus pensamentos, procurava resposta para problema recém-surgido em sua vida. Sabia , no entanto, que naquele clima pré-natalino as coisas não fluiriam , e se angustiava ao pensar no feriado prolongado e na impossibilidade da luz que necessitava para amenizar a escuridão de sua alma.

Lea, que trabalhava em sua casa há mais de trinta anos , presenciara muitas de suas alegrias e tristezas: nascimento dos filhos, chegada de netos, doenças, e partidas de entes queridos, mas jamais a vira em tal estado. Preocupava-se bastante com a aparência de Nara que, na realidade, sempre fôra mais amiga que patroa. - Por que não sai, não dá uma volta pelo calçadão para espairecer as ideias?- dizia Lea. Nara não respondia, deitada na cama, olhando o nada.- O que adianta ficar se acabando? Cada hora pensa em fazer uma coisa... Vai pirar , Dona Nara!-

Lá pelas vinte e duas horas começaram a chegar filhos, noras e netos para a ceia de Natal. Lea arrumara as coisas com a dedicação de sempre. O ambiente em nada demonstrava o estado de ânimo da patroa, mas os filhos perceberam a apatia da mãe e se preocuparam . - Não queria estar com a gente, mãe? Não te agrada a família que tem ? Algum neto te maltratou?- Ela mantinha seu mutismo. Seu marido, Osmar, caladão , sequer piscava. . Foi um custo ele retirar por alguns momentos seus CDs de pagode para que os filhos, que se diferenciavam em termos religiosos, fizessem as orações, cada um na sua crença, todos com muita devoção. Nara só conseguiu emitir um Amém.

Quando o relógio marcou meia-noite, todos se abraçaram, buscando confraternizar-se. Nara, porém, levantou-se com um jornal na mão , aberto em uma página, e mostrou à família. Lá estava foto de Osmar estampada na coluna social, abraçado a um jovem e à mãe do rapaz durante comemoração do campeonato de fisiculturismo em badalada região serrana no sul do país. A legenda dizia: Família celebra vitória de Osmar de Sousa Júnior!

O jornal caíra em suas mãos quando folheava algumas revistas no consultório da sua ginecologista, que nascera naquela região e recebia regularmente o semanário local.

Teria sido o acaso?- pensava Nara, enquanto uma voz sussurrante vinda do fundo do seu ser, dizia: - Quase. Quase por acaso!

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Belvedere Bruno [Cônsul - Niterói - Z-Sul-RJ] Poetas del Mundo

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