EFEITINHO

Desde pequeno eu gostava de futebol e era apaixonado por uma bola. Nos natais da minha infância simples, filho de operário, família grande, eu só ganhava bolas ... e não precisava de mais nada!

Uma bola de futebol me completava, preenchia todos os meus sonhos, satisfazia todas as minhas vontades. A pelota de couro me bastava. Eu chegava a dormir com a bola nos braços. E sonhava.

Com ela eu organizava as peladas costumeiras de todas as tardes, reunindo um magote de amigos infantes no campinho de terra atrás da fábrica, onde jogávamos até o escurecer, quando as estrelas começavam a surgir e já não víamos bem a bola sendo tocada de um lado pra outro.

Aí terminava o jogo e cada menino tomava o rumo da sua casa, não sem antes passar pela biquinha d’água cristalina, próxima ao campinho, pra matar a sede.

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No dia seguinte, cedo, a escola. Depois dela, o almoço frugal reunindo toda a família, o pai na cabeceira da mesa e nove irmãos irrequietos assentados nos enormes bancos, em torno. Minha mãe servia a todos, ora ralhando com um, ora aplicando um cocre na cabeça do outro.

A refeição transcorria ligeira, até meu pai botar a camisa e voltar para o seu trabalho na fábrica de tecidos do bairro. Trabalhador como um mouro, esse era o meu pai!

Após os deveres escolares, íamos brincar no quintal e, mais tarde, corríamos para a nossa tradicional pelada. Vidinha boa!

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No meu grupo de amigos do futebol havia um apelidado de “Efeitinho”, tal o seu jeito de bater na bola:- só dava de “trivela”, aplicando um efeito extraordinário no balão de couro. Ele se especializara nisso. As faltas próximas à área adversária, os eventuais pênaltis marcados, era só ele quem cobrava, com a maestria de sempre:- goleiro prum lado, bola pra outro. O sujeito era o cão!

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O tempo passou, “Efeitinho” e eu crescemos e fomos jogar nos juvenis do “Renascença”, o clube do bairro, famoso por revelar bons valores ao futebol profissional mineiro, como os times do Atlético e do Cruzeiro. O “Rena” era um verdadeiro celeiro de craques.

Eu gostava de jogar no ataque, como centro-avante, era um goleador nato e o artilheiro da equipe. “Efeitinho” era o camisa dez, atuando no meio campo, armando as jogadas, criando com o seu talento raro as melhores oportunidades do time. E continuava batendo só de efeito na bola, de “três dedos” como se diz hoje em dia.

Eu me aperfeiçoei em bater faltas com violência no chute, tanto de perna direita como de esquerda, com boa pontaria sempre. Era o terror dos goleiros. O João Amaral, velho torcedor renascentista, me disse uma vez após um treino:-

“- Garoto, você tá parecendo o seu pai. Ele chutava muito também. Uma vez, num jogo contra o “Inconfidência”, ele pegou uma bola na extrema direita e emendou um sem-pulo na direção do “goal” adversário. A bola veio que nem petardo, furou a rede e bateu num pé de goiabeira carregadinho lá atrás. O chão ficou coalhado de frutos e nem uma goiaba no pé. E o pior é que, daí em diante, a goiabeira passou a dar jaca! ...”

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“Efeitinho” e eu formávamos uma boa dupla, ele com a sua técnica apurada, seu veneno e eu com a objetividade e a potência dos meus chutes, convertendo-os quase sempre em “goals” para o nosso quadro.

Certa feita, num jogo muito disputado contra o “Ideal” de Sete Lagoas, pela Liga Amadora, zero a zero no placar, quase no final, o juiz marcou um pênalti a nosso favor.

Os jogadores do “Ideal” cercaram o árbitro da partida, reclamando com veemência, mas não adiantou e a bola foi colocada na marca fatal.

“Efeitinho”, nosso cobrador oficial, se apresentou e ajeitou caprichosamente a pelota; o goleirão de braços abertos, a torcida nervosa, o juiz apita, nosso herói corre e bate!

O “keeper” encaixou sem rebote! Surpresa geral! A torcida do “Rena”, atônita, não entendeu mas já começou a xingar seu principal jogador:-

“- Efeitinho”, filho-da-mãe, tu tá vendido, safado ...”

Ele virou-se pra mim ao seu lado e disse baixinho:-

“- Deixa ele quicar a bola ...!”

O goleirão deu três passos à frente, todo sorrisos, pronto para devolver a pelota ao campo de jogo. Todavia, ao bate-la no chão, a redonda tomou um efeito de rosca violento, voltou por baixo de suas pernas e foi aninhar-se no fundo de suas redes, para alegria e festa dos renascentistas, desespero e raiva da torcida do “Ideal”.

Era o título do campeonato e a consagração definitiva do craque “Efeitinho”! ...

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RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 17/09/2009
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