Um enigma

Rogério era um bom chefe de família, no sentido de trabalhar sempre os dias inteiros, além de enfrentar a condução difícil do subúrbio. Era um bom chefe de família, no sentido de procurar educar os filhos nos colégios da época, alimentá-los, vestí-los e calçá-los, na medida do possível. Havia um detalhe - procurava, na medida do impossível, lhes infernizar a vida, com a bebida e a violência doméstica; havia um grande temor, que se foi dissipando, à medida que, as pessoas foram ficando adultas, e deixaram de ser elementos de manobras e catarse, de um psiquismo avariado pelo álcool. Os filhos não tinham procuração para as queixas maternas, mas testemunhavam as guerras conjugais e as pintavam com as cores dramáticas, que de fato mereciam. Uma coisa difícil de entender, como o casal conseguia em certos momentos ter bom relacionamento...Desde a mais remota época da vida a dois, as crises eram freqüentes e terminavam em demonstrações de violência. Na década de 30, Dr. Arthur, que tinha uma baratinha amarela sem capota, delegado de Anchieta, já se envolvia com aqueles problemas domésticos, que foram parar na sua delegacia. Apesar de tudo, os anos se passaram e as coisas foram melhorando, pois, nesses casos o piorar é melhorar. Quando todas as coisas são certas, com o passar do tempo, as forças diminuem e aumentam as lamúrias, pela impossibilidade de usufruir as coisas boas da vida; no caso contrário, as coisas melhoram, pois, a perda da energia colabora para que tudo se acalme e se atinja um patamar aceitável de convivência; mesmo com algumas recrudescências...Muitas vezes, tentamos julgar as pessoas sem ter um conhecimento perfeito; como teria sido sua infância, sua adolescência; quais seriam suas possibilidades e ambições? Suas frustrações e seu desempenho genético? Será possível, que Robespierre fosse uma pessoa normal? A resposta fatalmente seria negativa, levando-se em consideração, os bons colégios em que estudou e sua formação religiosa. Por que se teria voltado contra a religião? Por que razão mandou cortar a cabeça do rei Luis XVI, se na adolescência tinha discurso pronto para saudá-lo no meio da chuva? O sacana do rei não saltou da carruagem por causa da chuva e o discurso não foi lido. A vida é cheia de grandes enigmas, que fazem com que as pessoas possam morrer em paz no recesso do lar, cercadas de respeito, tendo prestado contas, apenas à própria consciência de erros declarados e com firma reconhecida.