Phoenix dactylifera

Perto de minha casa havia um grande terreno baldio, com dimensões de dois campos de futebol, onde jogávamos futebol e ainda servia para congraçamento dos moradores do bairro. Gostávamos de ficar sentados sob as tamareiras, que curiosamente por serem plantadas muito próximas, cresceram e formaram com suas raízes, uma espécie de sala de estar de 3m por 3m, de onde emergiam as 6 palmeiras; as tâmaras eram deliciosas e as conversas ainda melhores; fato curioso, que todas as árvores, por assim dizer, públicas, têm maus frutos; mas as tamareiras tinham frutos dos melhores; tão bons como aqueles que comprei na feira da Bastilha, importadas da Arábia; as tamareiras tinham cerca de 10 metros de altura, o que dificultava a colheita das tâmaras; quando maduras caiam no espaço central das raízes; eram tão imponentes e até sui generis, que deveríamos chamá-las pelo nome científico de Phoenix dactylifera; uma palmeira de onde tudo se aproveita! Ali conversávamos, como se fosse a sala de nossa casa; contávamos as verdades e as mentiras micro-amorosas, e discutíamos os motivos que levaram o goleiro Ilídio ao suicídio. De tempos em tempos, o espaço era alugado por algum circo como o Olimecha, Luso-Brasileiro, Brasil e outros, e passava a ser um espaço de transcendental importância; o circo depois de armado transformava-se em centro de referência do bairro, que assumia importância de grande urbe, pois, tinha um circo; as famílias se preocupavam, pois, segundo se dizia, cada vez que se desmanchava uma lona e um circo partia, levava junto alguns jovens do bairro, em busca de vida artística circense, ou algum jovem que partia por amor. Geralmente o circo não ficava menos de 6 meses, para compensar as despesas de instalação e manutenção; havia os shows habituais e as peças encenadas para aquele público especial; também eram comuns os programas de calouros, onde os cantantes do bairro se arriscavam para ganhar prêmios de cinco mil reis ou mais; eram contratados cantores de fama para alegria dos fãs, sendo comum a presença de Araci de Almeida, Ciro Monteiro, Jorge Veiga, Odete Amaral e outros, que assim defendiam algum dinheiro a mais; hoje eles cantam no Canecão e outras casas milionárias; a música se profissionalizou, transformando pequenos cantores em grandes fortunas. Quando o circo ia embora, deixava-nos saudosos, mas recuperávamos nosso espaço, e fazíamos festivais de futebol, com inúmeros jogos e muita cerveja para os adultos; o espaço se transformava no palco da alegria suburbana.

Anos depois, fizeram um conjunto residencial da Ligth, com um salão de festas, onde de vez em quando, dançávamos quase a noite inteira.

Numa das vesperais do circo Luso-Brasileiro, o cantante Pedro Raimundo, gaúcho de bombachas, capaz de improvisar versos e músicas sob qualquer tema, deixou com cara de bobo o Leon, que pediu que ele lhe dedicasse uns versos; Pedro Raimundo não se fez de rogado, e diante daquele homem, que mais se parecia a um armário, querendo versos, cantou:

"O moço de azul marinho, que me pede algumas trovas,

Me falou de jeito manso, parecendo uma donzela,

Pergunto, se é mesmo homem, que me apresente provas,

se não é, lhe dou carinho e lhe chamo de gazela!"

Leon levantou-se enfurecido e o gaúcho teve de interromper o show para não ser massacrado; diga-se de passagem, que Leon dificilmente se irritava, mas ridicularizado de público foi demais! À sombra da tamareira, comentávamos - não foi estranho ele pedir versos ao gaúcho?