Batuque na cozinha

Dona Joaninha era uma dessas raras pessoas pobres profundamente desprendidas, não tendo a mínima ambição nos recursos alheios...De qualquer natureza...(!) era, por assim dizer, uma grande dama, considerando-se o outro lado da damologia, ciência que estuda o comportamento das damas...Por que falei em outro lado? Pelo simples fato, de que a citada senhora era muito pobre e lavava roupa pra fora, para ajudar nas despesas...Coisa curiosa naquela época...Mesmo as pessoas que viviam basicamente dos salários, conseguiam casa própria com extremos sacrifícios pessoais. O marido trabalhava numa fábrica de tecidos, a Nova América e levava marmita feita pela esposa de madrugada; ela se vangloriava dos clientes importantes que tinha na lavagem de roupa; comentava as qualidades das roupas de D. Fulana e D. Sicrana, dos bordados, do bom gosto etc. amava aquelas roupas. Numa coisa ela podia ditar cátedra...Enquanto casais ricos viviam em constantes brigas, ela e seu Osvaldino navegavam em mar de rosas...Marido tão educado, que o máximo que se permitia, era cumprimentar a vizinhança entre dentes...Não parava para conversas com vizinhos, nem domingos ou feriados...Tinham cinco filhas que julgavam muito lindas, parecendo filhas de gente rica, como a mãe costumava dizer; fazia questão dos grandes almoços em casa aos domingos, quando vinham os namorados das filhas compondo a grande mesa do ajantarado. Mesona onde nunca faltava a macarronada em grandes travessas. A mãe de Seu Osvaldino vegetava pela casa; o filho era de extrema dedicação, honrando-a com muito afeto. Apreciava a harmonia daquele casal. A paz se quebrou durante um dos famosos almoços, quando Dona Joaninha impediu a sogra de servir-se com o garfo com que comia, de uma maneira bem grosseira, segurando-lhe energicamente o punho...Osvaldino foi à loucura, virando a mesa na acepção rigorosa do verbo. Munindo-se de uma faca, quis fazer justiça com as próprias mãos...Foi o maior tumulto, obrigando à intervenção de noivos e namorados...Imaginem o noivo de Virginia, que se chamava Pacífico, importante gerente de armarinho no subúrbio...No final tudo se acertou, inclusive com os sábios conselhos de Dona Inocência, catedrática na matéria...De qualquer modo, o fato foi um verdadeiro abalo sísmico; D. Adelina a matriarca, ainda levou tempo para morrer.