NO LUGAR ERRADO

- A senhora está uma hora atrasada hoje!

- E o senhor está ansioso demais hoje!

- Como sabe que estou ansioso se acaba de chegar?

- Faz exatamente 59 minutos que o senhor está louco pra dizer que estou atrasada!

Discutindo, os dois funcionários se encaminharam para uma outra sala da repartição, batendo estrondosamente a porta atrás de si. Assim que não ouve mais as vozes alteradas, uma garota que esperava no balcão concluiu:

- Ainda bem que ainda não pago IR, IPVA, IPTU, ICMS e outros mais. Se pagasse, entraria na briga pra exigir os meus direitos.

Antes mesmo de ela concluir o seu pensamento, um senhor de cabelos grisalhos, na casa dos 57, chegou no balcão.

- Já foi atendida?

- Quem dera!

- Posso ajudar?

- Não muito!

O grisalho pareceu aborrecido com o sorriso da garota de cabelos negros, jogados displicentemente nos ombros, vestida com um jeans comum e uma camiseta vermelha de malha, que delineava generosamente o corpo.

Ajeitando o crachá no peito, ele perguntou, com voz forçosamente gentil:

- Deseja alguma informação?

- Desejo mudar de país.

- Infelizmente não é aqui. É na....

- Eu sei. Tô brincando.

- Também não é aqui.

- Como?

- Se quer brincar, o play-ground fica ali naquele parque, do outro lado da rua.

- Desculpe! Eu só queria descontrair um pouco, depois daquela discussão.

- Se todo mundo vier aqui para se descontrair um pouco depois dessas discussões, isto aqui vira circo. – disse ele sorrindo.

A garota gostou do tom de voz do funcionário, por isso resolveu assumir uma postura mais séria.

- Meu nome é Marina.

- Geraldo.

- Sr. Geraldo...

- Pode me tratar por você.

- Ok!

- Que deseja, Marina?

- Eu fiz um concurso aqui. Se não me chamarem logo, este ano vou ter que acender 2 velinhas no bolo de aniversário.

- Ah, o concurso! O Ministério está lotado de Terceirizados. Faz tempo que o governo não nomeia. Ainda bem que os Terceirizados trabalham mesmo! Venha, vou levar você ao departamento que trata de concursos.

Marina seguiu-o pelo interminável corredor. Ao passar na frente de uma sala que estava com a porta aberta, ela ouviu um Terceirizado dizendo:

- Chefe, houve um problema no abastecimento. Não temos água pra fazer café.

Ouviu também o chefe esmurrar a mesa e berrar:

- Então faça chá!

Marina abafou o riso e continuou seguindo o funcionário Geraldo.

Chegaram ao SRH. Passando por uma ante-sala onde deveria estar uma secretária, Geraldo adentrou para a sala contígua e disse.

- A Assessora aqui pode informá-la melhor sobre o concurso.

Pediu licença. Ninguém respondeu. Ele cruzou a porta da sala e seus olhos arregalaram-se de surpresa. Ficou completamente desconsertado. Tentou disfarçar. Marina vinha logo atrás e também viu tudo.

Gaguejando, Geraldo disse.

- Senta aqui um pouquinho. Já volto.

Ele deu-lhe as costas quase correndo, querendo fugir da sala.

Marina literalmente se despejou sobre uma cadeira giratória, porque seu corpo foi tomado por uma convulsão que a fez tremer sem parar. Ela cobriu o rosto, espalhando os cabelos negros sobre os braços, sem conseguir controlar a tremedeira que dominava seu corpo. Um som indefinido escapou de seus lábios. Assustado, o funcionário voltou-se e gritou:

- Marina?!

Em seguida, segurou seus ombros com firmeza. Ela tremia toda. Quando ele girou a cadeira para ver seu rosto, Marina, envergonhada, tapou-o com as duas mãos.

- Marina, está passando mal?

Foi então que ele percebeu que a garota, olhando para a mesa, não conseguia controlar o riso. Em cima da mesa estava um objeto. E numa folha de papel, o seguinte bilhete:

- Toda vez que venho aqui a senhora não está. Sua secretária sempre diz que foi ao banheiro. Então resolvi comprar este penico pra senhora.

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