Dona Felicidade

Deco saia em louca disparada pela rua Beberibe, montado numa vara de bambu, chicoteando-a, como se fosse fogoso corcel. Ia em busca de pão; antes, fazendo inspeção em quintais alheios, procurando mangas pelo chão, especialmente, na casa de Seu Eustógio. Contornava uma grande chácara de terreno acidentado, com muitas frutas, incluindo jaca manteiga; ficava amedrontado com os riscos de levar tiros de sal grosso atirados pelo retireiro. Os tiros de sal grosso, segundo diziam, davam feridas difíceis de cicatrizar. Aos domingos, ia com Nonoca procurando as casas com pomar para comprar frutas; ela tinha uma comadre, que morava numa casa com muitas frutas, na Estrada de Nazareth, e que morreu de eclampsia no 9º filho; Nonoca descrevia, nos mínimos detalhes, a agonia da morta. Deco nem gostava de passar no portão da casa dela, com receio de que o espírito da morta o convidasse para entrar, comer ou beber qualquer coisa.

Na horas calmas, o menino gostava de espreitar o trabalho do marido de D. Felicidade, que tinha marcenaria em casa. Trabalhava a madeira com muita categoria e métrica perfeita e, por analogia, escrevia versos com o formão e a plaina. A população local era muito pobre. Deco era visto na comunidade, como criança que deixava o conforto familiar urbano, por uma casa de beira de linha, mal cheirosa e escura, pois, nem água encanada tinha; gostava de ficar lá, e se sentia bastante feliz, com a avó desligada, afetuosa, sem toques, beijos ou abraços informais. A intimidade era apenas o beijo na mão com o pedido de abença, ao qual respondia Deus tabençoe...As crianças podiam comportar-se como bem entendessem, pois, tudo para ela era normal, até o fato de Deco não fazer qualquer compra, por menor que fosse, sem estar montado em seu corcel de bambu. Os melhores cavalos, segundo dizia, eram as varas longas de bambu - corriam demais levantando poeira nos cascos!