Branca, ágil e bela

À noite chega sorrateiramente e se esgueira por entre as gentes. Seu andar suave como veludo não nos deixa perceber sua aproximação. Um leve toque indica a presença elegante. Braços estendidos ou colo oferecido. O aconchego e o carinho são certos. O toque é macio e delicado. Deita-se seguramente. O sono é rápido e tranqüilo. Contemplamos... Haverá sonho? Há ternura. Há carinho. Algo interrompe o silêncio que se fez. O despertar do olhar alerta é rápido. A posição de defesa também. Suor frio. Apreensão. Separação. Ouve-se um barulho miúdo por perto. O susto e a resposta imediata vêm depois de um mergulho ágil e de uma corrida. Segue-se uma perseguição. O poder de dominar a vítima é impressionante. Sarcasmo. Tortura. Tentativa de fuga. Novo impedimento. Dominação. Ataque final. O perdedor descansa para sempre.

O alvoroço acordou toda a casa. O que houve? A situação está sob controle. Por mais abjeta que seja, a cena fez-se necessária. Balanço final: um jarro quebrado, as flores espalhadas pelo chão molhado, algumas gotas de sangue infecto, uma boca suja e um andar matreiro e satisfeito de quem cumpriu uma grande tarefa ou de quem se manteve obediente à sua natureza. Limpeza da sala. Lamentação pelo jarro quebrado e recompensa à heroína: um belo jantar de salmão fresco e delicioso.

Observo a degustação satisfeito. O prato está vazio. Minha perna recebe um roçar. Ouço um ronronar. Ela pula no meu colo. Vamos os dois à biblioteca. Gostamos muito de lá. Ela deita gostosa sobre a mesa. Eu olho para ela. Faço um carinho nas suas costas e ela se derrete toda. Nos olhamos intensamente por longo tempo. Mais carinhos. Ela dorme e eu satisfeito a olho tão feliz. Vou para o computador a fim de escrever esta crônica do escritor e de sua gata branca que livrou sua casa de um camundongo imundo.