Ana Carla e a rainha da Inglaterra

Todos no carro: bebê número um, bebê número dois, menino um, menino dois, menino três! Sim, todos no carro.

Vamos para a maior e mais famosa corrida de cavalos da Europa! Ana Carla estava muito agitada, afinal não estava indo com qualquer um: estava indo com seus patrões, aristocratas e gente de grande influência... tipo lista dos mais ricos no The Sunday Times. Ana Carla mal podia acreditar na própria sorte. Tá... tudo bem que ela era a babá deles, mas e daí? Ela estava indo para a corrida de cavalos e segundo boatos, ficaria hospedada na mesma casa que a rainha da Inglaterra! Quando pensava nisso, Ana Carla não conseguia esconder o sorriso dos olhos.

Nas paradas durante a viagem, em suas idas ao banheiro, Ana Carla se olhava no espelho e sorria até chegar expontaneamente uma gargalhada de pura felicidade. Imagina contar isso na cidadezinha de Iguaçú das Pontas Verdes, no interior de Minas... O pessoal iria morrer de inveja. Os pais, morrer de orgulho e Ana Carla, de felicidade.

A viagem foi um caos. Cinco crianças muito mal acostumadas, a mãe das crianças dirigindo e Ana Carla no carona tentando distrair os pestinhas das brigas e berros que a pegavam de surpresa bem dentro do seu ouvido. Valia a pena! Afinal, quem no mundo tem a oportunidade de se hospedar na mesma casa da rainha da Inglaterra!! Todo o sacrifício era muito válido e pouco. Ana Carla perguntava-se como deveria se comportar quando a patroa a apresentasse à Sua Majestade. Deveria dobrar os joelhos e abaixar a cabeça como via na televisão? Provavelmente, pois havia um número de protocolos que deveriam ser seguidos rigidamente, mesmo em situações tão informais, como dentro de casa. Durante a viagem, o telefone de Ana Carla tocou. Era sua mãe querendo saber mais detalhes do encontro da filha com Elizabeth. Ana Carla explicou que estavam, naquele momento, viajando em direção à casa de arquitetura elizabetana que havia sido, naquele final de semana, fechada para a visitação pública, porque a rainha da Inglaterra estaria alí hospedada e por motivos de segurança, não poderia ter turistas na área. A mãe de Ana Carla queria detalhes, pois o jornal de Iguaçú das Pontas Verdes já havia ligado várias vezes querendo saber detalhes do encontro, e para Ana Carla enviar fotos assim que possível. Ana Carla explicou à mãe que conseguir fotos seria mais difícil, mas iria com jeitinho pedir e achava que não haveria problema.

Despediram-se e a patroa de Ana Carla começou a explicar que aquele era um fim de semana importantíssimo. A imprensa estaria lá, não só por conta da corrida mais famosa da Europa, mas por conta da Rainha. Estariam lá também vários aristocratas, socialites, artistas e nomes do esporte. Pediu à Ana Carla que fosse discreta e não comentasse muita coisa, pois a discreção era, para a patroa, a maior virtude, além de extremamente necessária neste tipo de ambiente. Ana Carla assegurou à patroa que não comentaria nada, pois entendia bem que naquele ambiente, tudo deveria ser feito de forma contida. Ana Carla não comentou com a patroa que a história já estava sendo escrita para a Gazeta de Iguaçú das Pontas Verdes. A patroa jamais saberia e mesmo se soubesse, nunca teria acesso ao material em questão, pois Iguaçú das Pontas Verdes era mesmo lá dentro do fim do mundo, onde o vento faz a curva.

Aproximaram da magnífica e gloriosa entrada de portões franceses dourados do acesso principal. Um longo percurso até uma curva fechada, e pela janela uma vista de tirar o fôlego de uma das casas mais importantes da arquitetura eslizabetana no mundo. Em sua plena graça e esplendor, exuberância e luxo, distinção e elegância, lá impunha-se tal monumento e marco daquela preciosa parte da história britânica. Ana Carla se esforçou para manter a pose, mas sua mente gritava: caraca!! Que coisa maravilhosa! Putz que lindo demais!!

Estacionado o carro, todos saem, são saudados pelos parentes e Ana Carla é imediatamente apresentada a Julião. O senhor bonachão de cabelos brancos, era o motorista de confiança da família há 35 anos e levaria todos para uma casinha onde seriam acomodados com conforto e segurança. Ana Carla não entendeu bem, mas estava por demais deslumbrada com a beleza e proporção da casa e jardins, para dar-se conta do que acontecia.

Voltou ao mundo real quando a patroa aproximou-se dela e questionou se estava de acordo em dividir o quarto com duas das crianças na casinha reserva, num ponto lindíssimo da propriedade. Não, tudo bem, segundo Ana Carla ainda sem entender. Todos de volta no carro, desta vez com Julião dirigindo e Ana Carla com as cinco crianças e... sozinha. Dirigiram por aproximadamente quarenta minutos. Julião descrevendo o tamanho da propriedade e como, de tão vasta, poderiam dirigir por mais uma hora contínua e ainda estariam na propriedade dos patrões. Morro acima, colina acima, montanha acima, Ana Carla estava certa de que estava chegando no céu. Estava no entanto, entrando no inferno e ainda não sabia.

Por três noites, Ana Carla ficou exilada: numa casinha no alto da montanha, que de tão alta, não tinha recepção para celular. Foi torturada: tomando conta de cinco crianças, sem saber o que fazer e quando teria tempo de tomar banho. Ana Carla não estava sozinha. Na mesma casinha estavam dormindo os patrões, que chegavam por volta de uma da manhã após de fartarem-se em belos jantares e drinks... com a rainha!

Ana Carla estava desmoralizada, abalada, decepcionada, triste, chateada, irada, chocada. Estava exilada com as crianças por três dias para que os patrões tivessem a oportunidade de verem e serem vistos nos jantares e eventos tão chics, que Ana Carla tanto queria ver. Festas, música, cavalos, chapéus, a rainha! Ana Carla entendeu seu lugar quando foi acordada no segundo dia pela criança número dois, cantarolando doce e suavemente bá bá bá ovelhina preta... Se a Inglaterra tinha uma rainha, Ana Carla não sabia, pois nunca a viu. Mas que Iguaçú das Pontas Verdes tinha uma rainha, isso tinha. Ela se chamava Ana Carla Cavalcante de Moraes Andrade.

Nara Vidal
Enviado por Nara Vidal em 15/11/2009
Código do texto: T1924983
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