UMA VISITA INESPERADA AO MEMORIAL CHICO MENDES

UMA VISITA INESPERADA AO MEMORIAL CHICO MENDES

No meu tempo de escola cursando o terceiro primário, sempre me empolguei com história e geografia. Para mim o Brasil era o melhor país do mundo. Sua dimensão continental, os climas, as riquezas minerais, os mitos, etnias e tudo mais que a minha ingenuidade infantil fantasiava criando imagens. Às vezes diante do seu mapa, tornava-me um nômade, percorrendo estado por estado imaginariamente, criando as mais fantásticas imagens de sua fauna e flora. Desde criança amo de paixão, a natureza. Sou apaixonado pela selva amazônica, sonhava acordado com sua beleza, imaginado que jamais pisaria aquele solo de riqueza incomparável cheio de mistérios indecifráveis. Viajar só imaginariamente, tudo muito difícil, às condições de vida muito precárias, meio de transporte pior ainda. Uma viagem mais longa só acontecia, com alguns aventureiros, ou então por alguma ironia do acaso.

Contavam nossos antepassados que os primeiros de nossos conterrâneos, aventureiros, que se embrenhavam pelos sertões de Goiás e Mato Grosso, levavam até seis meses nas viagens transportando suas mudanças em carros de bois. Um trajeto que hoje se faz em menos de dez horas, em veiculo automotor. De avião então, nem se fala. Em questões de minutos sobrevoa vários quilômetros.

Em 1950 um de meus tios mudou-se para Goiás, foram oito dias na viagem de caminhão. Aquilo foi um Deus nos acuda, com a choradeira de minha mãe e minha avó, sempre afirmavam que jamais iriam vê-lo.

A partir dos anos sessenta as coisas foram evoluindo, os hábitos mudando, as ferramentas rudimentares utilizadas, foram sendo substituídas de forma gradativa facilitando a mão de obra. A tecnologia atingindo todos os setores, e seguimentos da sociedade, melhorou a condição de vida de forma significativa, ao ponto que o inatingível tornou-se accessível.

De repente, meus sonhos de menino de cabelo despenteado e pés descalços, sentado em uma carteira tosca, de uma pobre escolinha de vilarejo, fascinado diante do mapa do Brasil, tornaram-se real. Indo muito além de minha expectativa.

Do meu sonho infantil até a maturidade foi com um estalar de dedo.

Pareceu-me que a poucos momentos, eu, criança na sala de aula, de caneta tinteiro borrando meus cadernos da tinta azul. Num piscar de olhos estava eu, casado sendo pai, mais alguns instantes, me tornei avô. Em dado momento sem nenhum planejamento vejo-me a dez mil pés de altura, dentro de um Boeing conduzindo minha neta à casa de sua mãe, justamente ao local que mais admirava na minha infância, Rio Branco capital do Acre... - O que um pai é capaz de fazer pelos falhos, e netos? Até aventurar pelos ares!

Sonhar é bom, mas realizar uma fantasia é melhor ainda! Nunca esteve em meus planos quiçá em meu sonho vislumbrar aquele acolchoado de nuvens, como gigantescas plumas brancas sobrepostas umas sobre as outras, acima daquele enorme tapete verde, bem trabalhado pela mão de Deus. Lá do alto fiquei tão encantado, que se fosse possível até caminharia sobre aquelas maravilhas. Montanhas de nuvens sob o efeito do sol, desenhando uma diversidade de silhuetas, sobre a brancura das demais ilustrando a imensidão do infinito. Embaixo outra beleza não menos importante a selva amazônica cortada pelos gigantes e tortuosos rios, escondendo os segredos de sua fauna e flora, coqueirais, castanheiras, uma diversidade de arvores, espécies seculares e melares. Tudo aquilo sendo embarcado por meus olhos, sem despregar um mínimo detalhe si quer.

De repente éramos apenas um pontinho de luz na imensidão do universo, e como o sol se fora, misturamos às estrelas que cintilavam longínquas no horizonte entre o infinito azul e a floresta. Assim descreveu minha filha que nos agradava no aeroporto de Rio Banco.

Ao pisar aquele solo, senti aquela emoção do ontem quando minha imaginação infactível vasculhava as maravilhas, que Deus deu de presente, a nós brasileiros.

No dia seguinte meu primeiro passo foi o horto florestal, uma reserva completa, de todas as espécies existentes. Observei cada detalhe sem nada me escapasse ao olhar, as aves, os insetos, o aroma das flores, pareceu-me reprisar meu sonho. Na oportunidade visitei o parque construído em homenagem ao sindicalista, Chico Mendes uma reserva com todas as espécies da floresta, e muitas aves e animais silvestre incluído vário já em extinção, mantida no zoológico do parque. Nas trilhas da floresta as figuras dos mitos esculpidas verdadeira obra de arte, curupira, boitatá, saci, e outras, criados pelo imaginário caboclo, incorporado ao nosso folclore. No coração da mata a maloca indígena, com suas armas, ornatos, e utensílios domésticos, outra obra de arte dos silvícolas. Andando um pouco me deparei com a casa do seringueiro, com seus instrumentos de trabalho na extração do látex, e a forma para a produção da Borracha. Tudo aquilo exatamente com descrevia meu livro escolar, até os cortes frisados na seringueira, são idênticos. Foi como se eu estivesse estado ali naquele local antes, talvez no sonho infantil de outrora. O mais comovente foi à visita ao memorial Chico Mentes, seus instrumentos de trabalho, ao exercer a profissão de seringueiro, seus pertences e objetos pessoais, inclusive sua camisa com a qual fora barbaramente assassinado, perfurada de balas manchada do sangue, derramado pela mais nobre causa da humanidade, a defesa do meio ambiente. Tudo aquilo sinaliza a incoerência humana, colocando, dinheiro e poder acima de tudo, até da própria vida. E foi assim que inesperadamente meu sonho de infância tornou-se realidade.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 19/11/2009
Reeditado em 19/11/2009
Código do texto: T1932156
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