27 de Julho

27 DE JULHO*

*Fragmento do livro “Dias de exílio voluntário”, de 2009.

Newton Schner Jr.

Chovia. Despertei por várias vezes durante a manhã. Choravam os cães, pois estavam com fome. Sem pagamento, eu tive de ouvi-los até à tarde, quando pude comprar um saco de ração. "Você quer que eu deixe na sua casa?", perguntou-me o dono da pecuária. "Ah, hoje não é preciso – estou de carona!".

Um amigo me escreveu, dizendo que sentia saudades o meu pessimismo. Demonstra-se energicamente entusiasmado em relação à publicação de seus escritos – não para menos, fala praticamente apenas sobre isso quando me encontra. Dissera que não mais deseja ouvir-me desejá-lo boa sorte. "O mundo precisa da desgraça para funcionar". Respondi-o dizendo que aquele, feliz ou infelizmente, era o meu modo particular de torcer pela prosperidade das pessoas que são próximas e que possuem talento aos meus olhos – como é o seu caso. Em casa, discuti com outro amigo sobre o ocorrido. "Eu não entendo. Se a pessoa não gosta que eu a deseje sorte no prosseguimento do seu trabalho, então por que o continua? Se o mundo necessita estar em constante desgraça e ela não pretende mudar a situação, para quê escreve? Quando eu tive momentos de pessimismo, eles foram frutos de um descontentamento com a realidade atual; algo que de alguma forma fez-me mais forte e mesmo maduro para encarar os meus dias – o pessimismo deve ser uma ponte e não uma finalidade, um lugar onde se estaciona à contemplação das ruínas do mundo".

Passei a tarde escrevendo sobre o meu último fim de semana. Por segurança, levei comigo apenas um caderno e nele registrei determinados acontecimentos. Escrevi praticamente o tempo todo na volta para casa. Enquanto estava na casa do Zientek, fiz questão de registrar apenas os tópicos que conversávamos, dando a entender que posteriormente eu teria memória o suficiente para relembrá-los.

Tive uma conversa com o Murilo. Disse-me ele que pôde aproveitar bem suas férias e que, por agora, está se arriscando a compor músicas de violão por partitura. "Isso é ótimo. Eu infelizmente peco neste sentido. Mas você, sabendo aproveitar, terá ótimos frutos disso tudo. Melodias às vezes vêm ao nosso encontro e quando não estamos com um instrumento em mãos, nós as perdemos. Por isso, será muito interessante se você aprender a registrá-las por escrito". Relembrei minha figura de anos atrás, quando levava comigo um bloco de notas para o meio de uma floresta; e estando lá, ousei criar músicas por escrito. Hoje, sei que peco por não ter aprendido a ler ou escrever partituras, mas sei o quanto a música vibra em mim. Se não me é possível compor quando estou fora de casa, sei que, ao menos, resta-me a visão e a escrita que se tornam poesia. Quando eu me arriscava a compor minhas primeiras músicas de piano, meu pai costumava dizer: "Você precisa aprender 'música de bolinha' – partitura, no caso". Não me é possível escrever música, mas eu sempre a imagino – do meu próprio modo. Foi estando com os dedos sobre os meus pertences, em uma viagem para Guarapuava, que compus parte da minha "Traum und Schuld". "Você é um caso raro... Compõe, mas não sabe escrever partitura. Seria como se soubesse escrever poemas, sendo analfabeto", dizia-me a Sra. Aparecida, amiga da Lucimara, com as quais, sob seu convite, almocei em uma tarde de Domingo. Eu, em contrapartida, diria que sou poeta, mas que não disponho de técnica ou classificações sobre o que crio. Com a música e com a literatura, ocorre o mesmo processo: sou um criador independente. Quando fui apresentado ao Prof. Pilatti e mostrei-lhe minha humilde "Farewell letter II", lembro-me de vê-lo um tanto quanto admirado, sentado ao lado do piano e dizendo: "É impressionante. Você nunca estudou música e, mesmo assim, possui uma ótima noção de melodias. Possui o talento do seu pai.".

Com dinheiro, comprar dois livros: "Thoreau, o rebelde de Concord" é um deles, da autoria de August Derleth. Eu o descobri na biblioteca da minha universidade. Até então, só o conhecia das citações do Prof. Keating no filme "Sociedade dos poetas mortos", as quais me faziam muito sentido. Com surpresa, encontrei o livro, já em condições ruins, ao lado de títulos que exaltavam a Lênin, Marx e outros – o que é, a meu ver, um grande erro. A última vez que foi emprestado, como pude constatar, havia sido em 1995. Eu o li com carinho. Acompanhou-me em dias de solidão e mesmo naqueles em que estive fazendo companhia a meu pai, quando esteve internado. Com entusiasmo, fiz uma cópia dele e entreguei, junto de outras coisas, à Aline de Itajaí - SC, na ocasião em que a conheci em Joinville. Tempos depois, mais duas cópias seriam feitas. Uma fora enviada ao meu amigo Fabiano Cieplak; outra ao Wendel, que muito o apreciou. E depois de todo esse tempo, finalmente tenho a oportunidade de possuí-lo em mãos. O segundo livro em questão é um clássico indiscutível – Bhagavad-Gita. Eu, no mínimo, deveria tê-lo procurado há tempos. Sabia de sua importância, mas creio que suas palavras de sabedoria ainda não me faziam tanto sentido. Foi com a leitura de Savitri Devi que tive acesso a alguns de seus dizeres, os quais hoje são carregados em meu coração.

Recebi uma mensagem muito bonita de Stefan Liszio. Disse-me que tem ouvido minhas composições em dias de neve e frio, tendo delas desfrutado ótimas sensações. Também disse torcer para que eu consiga cada vez mais oportunidades com a minha música. Lembro-me que ele me escreveu pela primeira vez no final do ano passado. Contente, imprimi sua mensagem que expressava admiração em relação ao meu "Die letzten Momente von Werther". Carregava comigo sua mensagem, junto de outros papéis, em uma viagem à colônia Witmarsum, promovida pelo meu curso de alemão.

Enquanto caminhava para casa, tive em mente dar início a um novo conto. Deverá tratar da forma com que mudei minhas concepções em relação à minha filha. Da tragédia inicial à compreensão e mesmo felicidade de agora. Ainda tenho em mim um leve temor, quando penso que talvez não seja capaz de educá-la com tanta eficiência quanto fui educado por meus pais. Mas, sem dúvidas, isto me fez aprender muito. Quem sabe a Sophie seja a base mais sólida da maturidade que atingi. Ela foi um marco, talvez um delimitador de eras – antes de Sophie, depois de Sophie.

Newton Schner Jr
Enviado por Newton Schner Jr em 01/12/2009
Código do texto: T1954467