O celular

Já notou o quão irresponsável é o jovem? - Mãe e pai são cachorros. Entram e saem sem nada comunicar. Mas Anselmo Jr. nunca foi assim. Sempre me comunicou quando ia demorar em algum lugar. Vou ligar para alguns de seus colegas.

- Alô! É a mãe de Anselmo, tudo bem? Por acaso você o viu depois da escola?

- Não senhora! Estivemos juntos na aula de educação física. Depois não o vi mais. Nem tomou o banho. Saiu logo. Deve ter ido encontrar alguém.

- Tá certo, obrigada!

Foi ao quarto pegou o maço de cigarros, em seguida à cozinha para um gole de café. Não encontrou café. Resolveu então preparar um café. Podia ser bom; pelo menos ocuparia seu tempo. Nesse ínterim, Anselmo Jr. poderia chegar ou pelo menos ligar. O pior é que o telefone dele chama até cair na caixa postal.

O pai no quarto ronca aquele princípio de enfisema. “Podia acordá-lo, pensou.” Oferecer-lhe um café seria uma boa desculpa para ter a sua companhia. Amanhã ele não irá trabalhar mesmo. “Vou acordá-lo sim” – pensou decidida.

- Anselmo!

- Hummm... O que foi?

- Anselmo Jr. ainda não apareceu e sequer ligou como sempre o fez.

- Já ligou para os colegas dele?

- Sim. Já liguei e a maioria não o viu depois da aula de educação física. A maioria não; um deles apenas...

Anselmo como já havia acordado, levantou-se. Sentiu o cheiro de café fresco e dirigiu-se à cozinha. Tomou o café. Acendeu um cigarro e foi à janela. Deu uma olhada. Tossiu. E voltou-se para a esposa.

- O que você tentou até agora? Ligou para quantos amigos de Anselmo Jr.?

- Só liguei para um... Não tenho telefone dos outros.

- Acho que devemos ligar para alguns hospitais e até o IML.

- Não, Anselmo. Ligaremos para o DETRAN. Darão-nos informações sobre o carro.

Correu à sala e pegou o telefone sem fio e veio de encontro a Anselmo. Ligou e a resposta foi que até àquela hora não havia nenhum registro de acidente, furto, ou roubo de veículo com aquela placa. Ficou ainda mais aflita. Acendia um cigarro com a ponta do outro. O café já estava quase acabando. Logo, logo, teria que preparar outra garrafa.

O pai pegou o telefone e ligou para IML. Um rapaz sonolento atendeu. Pediu que aguardasse alguns minutos, como faz todo atendente. Vasculhou os arquivos e voltou-se para o consulente: “senhor, não há nenhum registro com este nome. Tenha uma boa noite.” “ Onde estaria aquele moleque e o que estaria fazendo; pensou o pai entre a raiva e a preocupação.” A mãe já estava na cozinha preparando mais uma garrafa de café. O maço de cigarros já estava no fim, mas no guarda roupa tinham outros. Aliviou-se.

Olhou o relógio da cozinha e este marcava 03:28 h. Pegar o carro e sair seria atirar no escuro; uma cidade grande daquela com inúmeros barzinhos, boates, motéis... Ficar em casa aguardando e fazendo alguns contatos, certamente traria melhores resultados. E em breve nasceria o dia, as buscas poderiam ser mais fáceis; ir a casas de amigos, falar com os pais.

- Anselmo! Tem mais café se quiser.

Anselmo estava ao computador navegando em sites de notícias em tempo real. Levantou-se e foi tomar mais café. Nenhuma notícia de Anselmo Jr. Olhou o relógio: 03:43 h.

A esposa sentada no canto do sofá, com olhos arregalados, avermelhada, o batom espalhado pelo rosto, as mãos trêmulas e frias. Nada dizia. Anselmo percebendo sua inquietação, sentou-se ao lado, abraçou-a, tentando tranquizilá-la.

- Querida! Pressinto que nosso filho está bem!

- Isso nunca aconteceu, Anselmo!

- Mas veja bem, querida! Anselmo Jr. atingiu a maioridade, conseguiu trabalho... Inclusive, não poderá mais estudar no turno da manhã. É possível que tudo isso tenha ensejado uma festa de despedida. Os jovens fazem festa para tudo.

O sol já começava a lançar seus primeiros raios na janela. A partir de agora poderiam sair para procurar Anselmo Jr. Foi ao quarto livrou-se da camisola, vestiu um moletom e esperou Anselmo se vestir. Saíram. Anselmo apertou o botão e aguardou o elevador subir. Foram direto à garagem. Na garagem, um susto! O carro de Anselmo Jr. estava estacionado na vaga, como de costume.

Anselmo e esposa, estupefatos, caminharam vagarosamente em direção ao veículo para visualizarem melhor a placa: - era o veículo de Anselmo Jr. No interior do veículo estava Anselmo Jr. com o banco reclinado, o celular jogado no banco do carona, o som ligado e, dormindo como anjo... A mãe não suportou e liberou todo o choro contido.

Com todo o barulho, Anselmo Jr. acorda assustado:

- Perdoe-me mãe! Não tive a intenção: - quis apenas ouvir umas músicas antes de subir e acabei caindo no sono...