REUNIÃO DE CONDOMÍNIO

Cópias do edital de convocação foram afixadas no rol do térreo e nas portas dos elevadores, social e de serviço, em todos os andares além da entrega personalizada, com protocolo de recebimento, a cada um dos condôminos. Reunião em primeira convocação para o sábado dia 6 às 20h00 com o quorum mínimo ou no domingo às 09h00 com qualquer quorum.

A pauta era simples e direta.

Uso da piscina e suas consequências e a permanência de animais não humanos no prédio.

Estava estatuído ser expressamente proibida a entrada e permanência de animais no prédio. Entretanto, desde a entrega das chaves que vários condonimos se posicionaram contra esse dispositivo, legal na forma, mas sempre e em todo lugar desrespeitado. Assim como não era permitido o trânsito de moradores em trajes de banho. Fora da área da piscina, todos deveriam trajar roupão e também não era permitido o uso por pessoas estranhas. Também havia a obrigatoriedade da carteira de saúde para os moradores, fornecida por órgão público, exigência que nunca havia sido cumprida.

O síndico, morador do apartamento 101, tabelião aposentado no seu discurso de posse disse que iria fazer cumprir o estatuto. Na ocasião, foi aplaudido apesar da cara de mofa de muitos.

Para essa primeira reunião chegou cedo. Abriu a sala para arejar, reclamou com o zelador do cheiro de mofo, fato que denunciava o abandono que aquele recinto esteve entregue desde a última reunião, sessenta dias antes daquela data.

Dez andares, dezenove apartamentos pois o da cobertura ocupava todo o espaço, com jardins, piscina privativa, sala envidraçada onde plantas podiam ser cultivadas sem sofrer com a ventania que abanava as palmas dos dois coqueiros levados lá para cima pelo capricho do proprietário.

Era uma família diferente de todas outras. Finos no trato, incapazes de incomodar, em todas as festas se faziam presentes sendo os últimos a chegar e os primeiros a sair, nunca reclamavam de nada, participavam discretamente das reuniões do condomínio, aprovavam tudo com um aceno de cabeça, nunca se recusavam a contribuir com as cotas mensais e as extras que por ventura aparecessem sem questionar o porquê. Não sugeriam nem desaprovavam nada e nunca aceitaram participar de uma chapa para disputar eleição. Nunca mantinham uma conversa sobre o que quer que fosse e quando o melhor da festa ou reunião estava chegando, se retiravam alegando compromissos inadiáveis. Ninguém sabia nada sobre eles. Dos filhos do casal, sabia-se que estudavam na Europa, a menina na Suíça e outro na Inglaterra. Desse não se sabia o sexo pois o nome Dagmar é comum aos dois gêneros. Nunca vinham ao Brasil. Nas férias eram os pais que iam ao encontro deles para viagens pela África, Ásia ou América do Norte. Nunca ninguém soube onde trabalhavam sabia-se que saiam de casa, diariamente às 6h00 e estavam de volta perto das 19h00, de segunda a sábado. No domingo ficavam em casa, sem receber visitas nem visitar ninguém. Não tinham empregada fixa. Contrataram a mulher do zelador como faxineira para duas vezes por semana fazer a limpeza da casa. Aos domingos comiam comida congelada que o freezer sempre esteve abarrotado.

A secretária moradora do apartamento 202 chegou com o livro de ata cuidadosamente encapado. O tesoureiro morador do apartamento 701 trouxe o livro caixa e os balancetes mensais. Como em toda reunião de condomínio os três dirigentes sentaram-se à mesa e o seu Enéas declarou aberta a reunião pontualmente às 20h00. Feita a contagem apenas seis estavam presentes. Foi feita a leitura da ata da reunião anterior e declarada suspensa até o dia seguinte às 9h00 quando se reuniriam outra vez, para com qualquer quorum fazer a prestação de contas, a apresentação da situação financeira do prédio e a relação de benfeitorias que teriam que ser implementadas. A partir daí ficaram naquela conversa trivial que sempre cerca uma reunião de condomínio, onde se pode antever embates de ideias, troca de desaforos, disputas de egos, retiradas estratégicas, insatisfação e formação de grupinhos além dos assuntos gerais da vida alheia e da administração dessas cidades verticais.

O resto da noite transcorreu como de costume. Pessoas com seus cães pela coleira ou não em todas as dependências do prédio sendo marcadas com urina pelos machos. Adultos e crianças em trajes de banho, alguns sumaríssimos como o da moça Judite, capaz de calar o mais exaltado dos falantes quando passava deixando no ar o cheiro de fêmea no cio permanente.

Na manhã seguinte, antes que alguém aparecesse Hipólito, o zelador, passou um pano com detergente em toda sala e nas cadeiras, deixando o cheiro bom de eucalipto no ar. Pontualmente na hora marcada teve inicio a reunião com a chamada nominal dos condonimos, dessa vez 15 estavam presentes. O Sr Enéas lamentou o descaso com que as pessoas tratam os seus interesses e os da coletividade onde estão inseridos e reafirmou sua disposição de cumprir e fazer cumprir o estatuto para dar um basta naquilo tudo. Ao todo 10 cachorros infernizavam a vida dos moradores deixando fezes e urina em todas as dependências, obrigando o zelador a limpar várias vezes por dia o mesmo ambiente. Por outro lado, o uso da piscina sem a observação das normas causavam constrangimento aos moradores e aos seus visitantes. Por sugestão de um dos condôminos, deixaram para outra reunião o caso da piscina, nesta deviam se concentrar apenas no caso dos animais. Falaram três condonimos favoráveis à permanência e apenas um contra. Entretanto a veemência das suas palavras, a forma apaixonada com que defendeu a necessidade de se cumprir o estatuto, principalmente para dar exemplo aos mais jovens, fez com que fosse aprovada por 12 x 3, a saída dos animais. Dentro de noventa dias, a partir daquela data, não haveria mais animais não humanos naquelas dependências.

Seu Enéas ditou um ofício ao Juiz, juntou cópia do estatuto e da ata da reunião solicitando que fosse feito o arquivamento da decisão em juízo e que os condonimos fossem notificados judicialmente de tal decisão. Devido às amizades com o pessoal do fórum feitas em tantos anos de militância, em menos de um mês todos os moradores foram notificados judicialmente de que teriam que retirar seus animais. Gaiolas de passarinhos, gatos, cachorros, aquários com peixes, tartarugas e iguanas, serpentes e hamsteres teriam que se arranjar noutro lugar porque, ali não havia mais lugar para eles. Choros e ranger de dentes como previra a bíblia, foi o que aconteceu naqueles dias. Com um maço de papéis nas mãos, o oficial de justiça, a mando do Juiz, notificou cada morador.

Judite, a mulher mais gostosa do prédio, aquela que tinha o dom de encantar a todos com suas formas exuberantes e fala macia, mandou o oficial entrar, para que ele mesmo constatasse que Yuri, o poodle branco, tosado, lavado, perfumado, com corrente de ouro no pescoço era inofensivo. De nada adiantaram as cruzadas de pernas, nem os roçados dos peitos fartos no ombro do oficial de justiça. Ele era incorruptível. A sorte de Yuri determinada numa reunião em que ela sequer tinha comparecido. Ninguém podia tratar Yuri como se ele fosse um cão sem dono. O quê aquele pessoal estava pensando. Que a coisa ia ficar assim? Claro que não. Eles não sabiam com quem estavam mexendo. Ela iria mover os pauzinhos e todos iriam ver Yuri voltando para casa triunfante. Ela sabia onde buscar ajuda. Ela também tinha a Lei do seu lado. Era uma cidadã cumpridora de suas obrigações. Isso não ia ficar assim...