O VELHO CONTÍNUO

Ele tinha 45 anos. Mas aparentava pelo menos 70. Sua baixa estatura, sua face sofrida, suas mãos calejadas, os sulcos embaixo de seus olhos, sua maneira de agir, denunciavam que sua idade real certamente estava errada, ele parecia um ancião.

Fazia 27 anos que ele executava o mesmo trabalho, entregava pacotes e correspondências internas dentro de uma grande companhia financeira, seu trabalho estava ficando obsoleto, pois a muitos anos já existia outras formas de ser realizado, como por exemplo, a intranet, mas ele era mantido pois, era eficiente e praticamente, imperceptível ao olho humano.

Começara aos 18 anos. Era o primeiro a chegar, dando a impressão que ele tivera dormido lá, pois também, era o último a sair. Seu almoço de todos os dias era um sanduíche de queijo, em dias festivos, era um sanduíche de queijo e presunto, que ele absorvia em aproximadamente uns quatro minutos, niguém jamais o viu entrar ou sair de qualquer banheiro da companhia.

Ninguém jamais fez nenhum comentário acerca de seu trabalho, nunca foi promovido mas também aparentemente, nunca teve seu cargo ameaçado, já viu vários gestores e equipes inteiras serem demitidas, mas ele, como um autêntico patrimônio físico, sempre esteve lá.

Um dia, ele não apareceu para trabalhar. Ninguém sentiu sua falta.

No segundo dia também.

No terceiro dia, a mesma coisa.

No décimo sétimo dia, a mais nova estagiária perguntou onde estava o velho contínuo, então os demais colaboradores perceberam sua falta e começaram a procurá-lo, misteriosamente, sua ficha tivera sumido dos registros do RH, ninguém nunca soube de nenhum parente vivo dele, ninguém sabia onde ele residia, ele não tinha um número de celular, muito menos um telefone fixo residencial.Ele simplesmente sumiu sem deixar vestígio...

Alguns meses se passaram, quando o gestor administrativo resolveu inventariar o depósito de móveis de escritório e viu um estranho criado mudo, de madeira de lei, bem trabalhado, sóbrio, e resolveu colocar na sala do presidente da companhia, pois, o presidente da companhia adorava móveis de estilo retrô, mal sabia ele que este móvel, antigo e pesado, nada mais era que o velho contínuo, ele não possuia mais alma, não possui sangue, feição, vontade, ele se tornou um móvel de escritório da empresa, e por incrível que pareça, ele reluzia! Ele estava feliz! Ele ficou satisfeito de ir para a sala do presidente da companhia, pensou consigo e suas gavetinhas : Finalmente estou sendo reconhecido !

Foram embora mais 11 anos, 4 diferentes presidentes já ocuparam aquela sala, com vista bonita e sempre bem limpa, e o criado mudo, ou melhor, o velho contínuo continua lá, reluzente, satisfeito, está no auge de sua vida profissional...

vida, o que eu quis dizer com vida ...... ?