Janeiro chegou...
Era 31 de dezembro, na parede alguns retratos envelhecidos, em cima da mesa alguns jornais já velhos e não lidos, no frigobar algumas espumantes, e claro, algumas cervejas de trigo, daquelas que deixam o gosto amargo na boca, acendeu um cigarro mentolado em busca de algo doce, soltou a fumaça respirando profundamente, olhara pela janela e enxergava pessoas de branco caminhando rumo ao mar, carregando nas mãos rosas, perfumes, velas, espumantes baratas, pessoas que pareciam carregar esperanças para um ano melhor, pessoas que pensavam que ao poluir o mar estariam despoluindo a alma, superstição barata de quem pensa que pular sete ondinhas modificaria uma vida. Esperança do lado de fora, angustia do lado de dentro, o rapaz de olhos claros que brindaria com sua cadelinha vira-lata mais um ano que se passou o rapaz de cachos na cabeça que já poluiu muito o mar na tentativa de despoluir a alma, mas que desistiu ao longo do caminho, embora dentro dele algo berrasse -as coisas só estão assim pois você não carrega no coração a esperança daquelas pessoas lá fora-, foi então que o rapaz chorou e quase caiu na tentação de se entregar ao mar, jogar rosas, perfumes, moedas, e se jogar, porque não? Talvez se jogar solucionaria todos os problemas, todas as dores, amores e desamores, porém para não perder o costume imaginou um drama, pensando sobre o fato de não fazer falta a ninguém, na dor que seria se sua alma de algum lugar qualquer pudesse enxergar que ninguém o buscou que ninguém telefonou que ninguém sentiu sua falta pelas esquinas frias e insanas, foi então que o rapaz trocou a sua fumaça mentolada por uma com cheiro de erva, uma fumaça que embora não seja muito bem aceita, pode ser muitas vezes medicinal, uma fumaça que deixaria o apartamento colorido, o corpo mole, uma fumaça que traria o sono e a paz da virada de ano, a paz que muitas pessoas buscam no beijo da pessoa amada, ou no abraço do melhor amigo. Deitou no chão, abriu os braços, passou a mão sobre a cadelinha vira lata, que dormia como um anjo olhou para o teto, viu tudo girar levemente, apreciou o cheiro da erva, e deixou janeiro entrar pela janela e agarrar as paredes daquele apartamento, paredes que se pudessem falar, com certeza diriam –este ano vai ser melhor-, e quem sabe não será?