caso de familia

Será que o pai havia aconselhado ou havia mesmo brigado com a jovem de quinze anos? Ela esbravejara, com violência, empunhando a mão em concha contra o seio, avisando que tinha o direito de se divertir no carnaval, olha só todas as amigas acabaram de sair; todas com a mesma idade que ela ou até menos, só ela que tinha que ser tratada como uma criancinha, pelo amor de Deus, pai, pelo amor de Deus. O pai ofegava, sem camisa, o peito muito vermelho de trabalhar no sol, em cima de postes, consertando ali e acolá em prol da cidade, mais em prol da sua família, ela, esta menina que quer ser independente, brincar o carnaval, já quer ser um indivíduo livre com asas nos pés. A mãe mantinha-se distante, olhando para o marido com ar de compaixão pela filha, não os querendo ver brigar, mas pedindo que o marido tivesse um pouco de condescendência, a filha merecia se divertir, sabe, sabe que ele retrucaria dizendo, isto é diversão, esta zorra na rua, cheio de homens no cio, e amenina ainda riria debochando, avisando pela ironia que sabia que homem não tinha cio, eram as fêmeas. O pai segurou-a com força pelo braço, olhou-a de cima a baixo naquele traje curtíssimo, nem corpo direito tinha para toda aquela exibição. Curtição pai, curtição pai, o senhor teve sua época, sua fase agora é minha vez. A mãe ainda ali num canto, tensa, roendo as unhas, encostada na pia sem louça suja para lavar, acudindo, a qualquer copo sujo que aparecesse, com o detergente e a esponja, pedindo que tudo se resolvesse no bem, que o marido condescendesse para que a menina não precise sair escondida, fugida; mas o pai tentava de uma outra forma, ainda segurando com força o braço da pequena – como para mostrar a sua autoridade – que a filha prestasse atenção, prestasse atenção, queria ela uma bicicleta nova, ele comprava, amanhã mesmo, novinha, um patinete, patins, o que fosse. Quem sabe livros, conhecia meninas que gostavam tanto de ler. Odeio livro, esbravejou, já me basta o que tenho que aturar na escola, e quase deixou escapar um palavrão, mas sentia a mão do pai apertando-a, contendo-a. O pai deu o ultimato, não, não irá sair de casa, vai ficar aqui, tirar esta roupa ridícula. Filha minha não brinca carnaval, não e ponto final. A mocinha chorou, esperneou, bateu o pé, disse que fugiria, o pai avisou que iria ficar de vigília, mas a menina mal viu o pai entrar rapidamente no banheiro para um banho, e com ajuda da mãe, que queria vê-la se divertir, ora, ela se divertira tanto quando era moça, a filha merecia, corresse que ela trataria de se entender com ele, e menina não pensou duas vezes, saiu em desabalada carreira ao encontro das amigas que a esperavam na esquina, rindo da bobeira do pai, em se cansar tanto e não podendo com ela, e dizendo as amigas, eu sou dona do meu nariz, aquele velho não manda em mim. Dois meses depois, sem surra que levou do pai, que não achava cabível, ela apareceu grávida, sim, sintomas semelhantes como enjôos, perdeu a menstruação, pronto deu positivo. A mãe caiu em pranto, correndo para junto da pia muito limpa, o pai parou ofegante, olhando a filha, a menina, aquela menina que queria ser dona do seu nariz, assim com o semblante caído, com pejo de encará-lo é que era de verdade.E agora: Agora. Assim ele viu, a sua menina, ter que abandonar os estudos, desistir de bicicletas, patins ou coisinhas de adolescente, tudo porque o carnaval, ela precisava viver, ainda endossava a mãe. E onde estava o rapaz? Cadê o autor, ou co- autor deste “feito”. Sim, logo apareceu, tão menor como ela. Assim quase um menino raquítico, que já esperava situação assim talvez para ter uma historia. Casar-se-iam, disse ao pai da garotinha, aquele moleque que tirava um cigarro do maço com jeito malandro B imitado de certas telenovelas que enchem o horário nobre ou reality show. E o que o pai diria, aceitando até um cigarro que o genro o oferecera. Genro? E ele nem ria, nem se consternava, era um homem vazio, perdido por um carnaval. Derrotado. Amara tanto aquela sua menininha, queria tanto tê-la visto andando de patins, que colecionasse bichinhos de pelúcia. Pena não fosse homem de chorar... Mas sua mulher lá estava encostada a pia, chorando, vendo a filha tão novinha agüentar uma barrigona de sete meses de gravidez, e mal completara dezesseis anos; e o genro – faz-se rir – fora conseguir alguns trocados na porta dos supermercados, empurrando carrinhos para clientes, enquanto ele como pai, avô, aos maus completados quarenta anos, teria que dar muito duro para alimentar aquelas duas famílias, e logo chegando exausto do trabalho vendo a mulher em prantos junto a pia sem louça suja, respondeu que ela deixasse de lagrimas e tratasse de não ficar o tempo todo vigiando a pia, se esta iria ficar com louça suja, e fosse ver o que sua filha também resmungava no quarto, pois era de saber que se era criança para esta grávida, também era criança para brincar carnaval e andar com gangues.

Rodney Aragão