Não quis ir...

Ele chegava todo dia zangado... com o mundo... com ele próprio ... e se zangava com a gente...

Quando a bebedeira passava lá vinha ele pedindo desculpas e sempre com a mesma conversa ... eu vou parar... juro... prometo que hoje foi o último dia...Me segurava como só ele sabia fazer e me levava a loucura me amando como nos tempos de colégio, naquele fusquinha velho - mas super bem cuidado, que todos no bairro queriam comprar - onde ele me fez mulher, ainda muito menina... Estávamos no final do primeiro grau.

Tempos felizes em que dividíamos tudo, sonhos, viagens, vontades, a louça do jantar e até aborrecimentos... Caminhávamos um ao lado do outro de mãos dadas, pela mesma estrada e para o mesmo objetivo. É... tínhamos planos.

Nossa vida sempre foi muito boa, não havia preocupação financeira, nosso apartamento era próprio ,eramos jovens, belos, o sexo era diário e com muita qualidade , tínhamos uma filha linda que amávamos com loucura.

Não sei quando e nem porque ele começou a beber... mas começou...

Lembro de quando estávamos redecorando a sala e ele sugeriu um bar, dei o contra, não tínhamos o costume de beber...para as visitas, foi o seu argumento e eu cedi pois ele estava em plena ascenção na empresa, talvez fosse bom...pensei.

A primeira bebedeira foi patrocinada pelo bar. Achamos muito engraçado, rimos muito e durante e depois dela, nos amamos loucamente por toda a sala... Ele achava que seu desempenho aumentava não era verdade...mas nada o demovia dessa idéia.

Ao inocente chop ele foi acrescentando outras bebidas, uma delas ele tomava junto com o chop...

Acabei com o bar, mas a dependência já estava instalada.

Até o dia em que ele demorou a voltar e preocupada ia descendo para esperá-lo mas alguns vizinhos me impediram e começaram a falar...Eu não conseguia entender ouvia palavras soltas ... atravessar... ônibus... rua... Eu me senti cortada ao meio...corri para o quarto e peguei minha filha e abraçada a ela fiquei até que me tiraram daquela casa, onde nunca mais voltei. Não fui a nenhuma cerimônia, não quis ir...Precisava me lembrar dele alegre...safadinho...lindo, nos seus 39 anos 11 meses e 20 dias... É faltavam 10 dias para ele entrar nos "enta"...

(Maria Emilia)

(baseado nos 33 anos de trabalho em comunidades de baixa renda)