Última chamada para o vôo 505

Nunca se viu um janeiro tão chuvoso como aquele. O cinza do céu era constante, e ninguém nem se lembrava de que o céu podia ser azul. Nas ruas não se via mais as faces dos transeuntes, apenas seus guarda-chuvas coloridos enfeitando as chuvas dos dias de verão. Para o aeroporto a chuva não trazia coisas boas, mas sim um caos ainda maior do que o usual. Saguão lotado, vôos cancelados, horários atrasados, pessoas impacientes. Para Pedro aquilo não era nada demais, já que sempre teve uma vida em que voar fazia parte da rotina, logo, havia enfrentado muitas filas, muitos atrasos e muita neblina.

Naquela quinta-feira ele parecia ser a única pessoa tranqüila naquele aeroporto. Não roia as unhas, não olhava várias vezes repetidamente para o relógio, não reclamava e nem andava de um lado para o outro. Apenas aguardava sentado pelo vôo 505. Em uma das mãos um jornal amarrotado, na outra o bouquet de grandes e maravilhosas rosas vermelhas.

Mesmo com o aeroporto completamente parado, Pedro ouvia constantemente o som de aviões aterrissando e decolando, e o pensamento que lhe vinha era o de que era questão de dez ou quinze minutos para ela aparecer sorrindo no portão de desembarque.

A chegada estava marcada para às 17:05, mas já haviam passado duas horas do previsto. Lá fora as luzes da cidade já estavam todas acesas, e a chuva agora caía uma pouco mais fraca e sarcástica; Os aviões voltaram a subir e descer na pista, e Pedro olhava para o monitor com muita calma, apesar de ainda não ver nenhuma informação do vôo que aguardava. – Seus filhos estavam em casa, não quiseram acompanhar o pai até o aeroporto; na verdade, os filhos não estavam nem aí para o pai. – O saguão aos poucos ia esvaziando-se, e pela porta de saída vários casais saíam abraçados, várias mães beijando carinhosamente os filhos, vários irmãos matando a saudade com longos e apertados abraços. Logo seria a vez de Pedro.

Na verdade, não.

Mais algumas horas passaram, Pedro acabou cochilando na sala de espera. De um lado o bouquet com suas rosas quase sem perfume, do outro o jornal mostrando uma parte do texto da manchete: Tragédia com o vôo 505 – Avião explode no ar e não deixa sobreviventes.

Cinco anos após a data do cabeçalho do jornal, Pedro continua esperando pelo pouso que nunca vai acontecer.

William Telles
Enviado por William Telles em 29/01/2010
Código do texto: T2058867
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