(In) Desejado

QUADRO 1

Passei a noite toda praticamente acordada. Os sonhos mais angustiantes foram os que tomaram conta da minha mente.

Nunca me senti tão só. Dentro de mim, eu trazia o medo e um grande segredo. Não podia contar a ninguém. Talvez nem fosse nada. Um capricho do meu corpo. Sim, eu rezava para que fosse apenas isso.

Pais, irmãos, avós. Meu namorado. Eu tinha uma família inteira, mas àquela altura dos acontecimentos era como se nada eu possuísse. A solidão me acompanhou a madrugada inteira, meu coração batia tão acelerado que parecia estremecer as fundações da casa.

O dia amanheceu e me encontrou acordada. Levantei no horário normal, fingi que tomei o café da manhã e peguei minha mochila para ir à escola.

Não fui para a escola. Meu destino era um pouco mais além. Eu sabia que naquele lugar eles prometiam o resultado do exame em menos de meia hora. Quando a atendente veio colher meu sangue, eu me senti pálida e tonta. Minha vida estaria se decidindo em poucos minutos.

O tempo passou mais depressa do que eu imaginava. Eu folheava uma revista, sem nem ter idéia do que eu lia. De repente, escutei meu nome. Disfarcei, levantei e caminhei até o balcão. Minhas pernas tremiam e eu não conseguia caminhar mais rápido. A moça me entregou o envelope e eu saí dali, com o coração explodindo no peito. Foi na rua, a poucos metros do laboratório, que respirei fundo e decidi ler o que estava escrito naquele exame.

Meus olhos tiveram dificuldades para entender o que minha mente e meu corpo já sabiam. Eu estava grávida. Grávida aos 14 anos de um abobado de 16. Minha família pregava a moral e os bons costumes. Alardeava aos quatro cantos do mundo os filhos perfeitos, que nunca davam trabalho.

E eu, grávida. Olhei para os lados, atarantada. Imaginei mil possibilidades, desde me matar até fugir no primeiro ônibus que me cruzasse o caminho.

E agora? E agora?

QUADRO 2

Passei a noite me revirando na cama, insone. Contei carneirinhos, peixinhos no aquário, quantas vezes meu marido roncava por minuto. Foi pior.

Dentro de mim eu trazia um segredo. Mais um. De tanto não ser coisa alguma, comecei a guardar as esperanças dentro de mim e chorava quietinha sempre que elas não davam em nada. Pais, irmãos, meu marido… Não contei nada a eles. Cansei de decepcioná-los. Recolhia minha frustração no meu peito e ali as abrigava em um silêncio doloroso.

O dia amanheceu. Meu marido levantou e me encontrou em pé e com o café pronto. Mal ele suspeitava que meu coração batia feito um tresloucado e que por trás das brincadeiras que eu fazia, havia uma mulher à beira de um ataque de nervos.

Acho que meu marido nem percebeu que eu fingi que comi um pedaço de pão e realmente não viu quando despejei a xícara de leite dentro da pia. Quando ele se aprontou, menti que naquele dia eu tinha trocado o horário com um colega e entraria mais tarde. Mal o carro dobrou a rua, eu peguei a bolsa e saí, em seguida.

Não fui trabalhar. Meu destino era um pouco mais além. Eu sabia que naquele lugar eles prometiam o resultado do exame em menos de meia hora. Quando a atendente veio colher meu sangue, eu me senti pálida e tonta. Minha vida estaria se decidindo em poucos minutos.

O tempo passou mais depressa do que eu imaginava. Eu folheava uma revista, sem nem ter idéia do que eu lia. De repente, escutei meu nome. Disfarcei, levantei e caminhei até o balcão. Minhas pernas tremiam e eu não conseguia caminhar mais rápido. A recepcionista me entregou o envelope e eu tive que me sentar, estonteada. Aquela cena… quantas vezes eu já tinha vivido? Mais de dez. Decepções lágrimas, tristezas. Teria eu forças para suportar o resultado ruim mais uma vez?

Respirei fundo e rasguei o envelope, desesperada para saber de uma vez o resultado. Minha vida toda estava ali. Positivo ou negativo?

Me controlei para não gritar. Olhei para os lados, atarantada. Ninguém me olhava, ainda bem. Mas parecia que todo o mundo sabia...

Grávida. Eu estava grávida. Grávida aos 37 anos, grávida. Meu sonho de menina, adolescente, mulher... Eu estava esperando o filho do homem que eu amava. Nunca me senti tão plena em toda minha vida.

Saí do laboratório, querendo gritar para que todo mundo conhecesse o meu milagre. Porém, me contive. Fiquei quietinha, curtindo minha felicidade em silêncio. Pelo menos nos próximos dez minutos.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 31/01/2010
Reeditado em 01/02/2010
Código do texto: T2061637