A BOMBA

A BOMBA

Taxista é o cara. Tem que estar pronto para o que der e vier. Mesmo que não sinta vontade, tem que encarar. Recusar passageiro nem pensar. Muitas e muitas vezes, rodar sem destino pelas ruas da cidade, sem pensar, olhando, procurando, buscando, analisando, entre pernas, vestidos, ternos, paletós, havainas coloridas, brincos compridos, meias arrastão, embrulhos, pacotes, decotes, quem será a próxima vítima, ou melhor, o próximo passageiro.

Calor, calor, calor, verão, ruas esburacadas, o preço do combustível vai subir, conforme anunciado no noticiário da rádio. E o motorista continua rodando. Lá pelas seis da manhã finalmente apanha uma mulher estressada com o filhinho. Ela quer ir para as Laranjeiras, ele está na Tijuca. É uma corrida interessante. Não fosse a cara feia da passageira. Gorda, barriguda, metida num vestido escuro que mais parece um saco que lhe foi enfiado pela cabeça. E o cabelo? Aquilo parecia mais uma juba. Sem cor definida, cansado de tantas químicas, mechas caindo, num corte sem textura. Um verdadeiro horror. Os lábios encarnados num batom ferrugem, misturado às sardas da senhora davam um aspecto terrível. Parecia uma megera, ou alguém com vontade de agarrar a jugular do primeiro que se atrevesse a dirigir-lhe a palavra. O menino parecia um gigante. Os pés cansados numas sandálias de couro, a camiseta tipo “mamãe to forte” a bermuda que não fechava, indicava que os prazeres da gula eram muito apreciados em sua vida. Sem esquecer do peso das bundas que se afundaram no banco traseiro.

O motorista seguiu, quando passou pela Praça da Bandeira começou a sentir um cheiro estranho, olhava pelo retrovisor, no princípio, discretamente, depois com certa insistência.

Pode entender que o gigantinho ia ao hospital fazer alguns exames, pelo que apreendeu do monólogo da mãe com o herdeiro. O garoto se limitava a mexer os lábios e não emitir nenhum som. Talvez intimidado pela fúria da mãe.

Logo ele estacionou, recebeu uma cinquentinha, catou o troco entre as poucas notas que tinha recebido pelo trabalho de toda a noite, deu-o a mulher e partiu. Chegando a casa,

Abriu o portão, estacionou.

Estava literalmente morto, cansado. Mal conseguiu tomar um banho, abrir a porta do quarto e se jogar na cama. O ar condicionado estava ligado e Dolores, a esposa ainda dormia com uma mini camisola velha e descosturada. Os filhos já tinham se mandado para a escola. Não sabia que horas eram. Ele foi acordado com os berros da esposa.

- Acorda Beto! Acorda, vem depressa. O que é aquilo que está dentro daquele envelope? Estou com medo até de tocar.

Na seqüência do sono interrompido, Roberto respondeu a esposa: - Sei lá, deve ser uma bomba, só pode ser uma bomba. Virou para o lado e tornou a dormir, logo, logo, roncava, num ritmo forte e estrondoso.

Quando Roberto acordou pela segunda vez, teve a reação de estar sendo assaltado. Viu aquele montão de policiais invadir seu quarto. E não compreendia nada. A ficha demorou a cair. Só mesmo quando foi indagado pelo delegado várias vezes é que entendeu o que se passava. Dolores ainda tentava se desculpar toda aflita, eu não sabia...

O esquadrão anti-bomba tinha sido acionado, e Roberto teve que explicar direitinho detalhe por detalhe. A suposta bomba, era apenas um recipiente contendo as fezes do menino, que na pressa de saltar, esqueceu o envelope dentro do táxi.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 05/02/2010
Código do texto: T2071445
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