PRURIDO FATAL

     Em 1907, o Reino do Sião atravessava uma terrível fase de instabilidade política. O Rei Chulalongkor, temido por todos pela forma cruel com que tratava os descontentes com sua maneira de governar, mantinha um forte esquema de segurança. Tinha medo de sofrer algum atentado.
     A cidade de Sukhothai preparava-se para receber a visita do poderoso Rei. Planejara com bastante antecedência todos os detalhes relacionados com as homenagens e à segurança. O Soldado Chuan Chiang integrava a comitiva que faria a saudação ao eminente monarca. Era um jovem de 20 anos, porte atlético; conhecido por todos como o melhor lutador de artes marciais; militar devotado e respeitado por sua bravura, sendo capaz de sacrificar a própria vida em defesa do Rei. Sempre sonhara em fazer carreira militar e com a sua transferência para Bangcoc. A grande oportunidade da sua vida poderia estar ali. Tencionava fazer de tudo para ser indicado por algum oficial aos oficiais superiores da comitiva. Nada seria impossível, pois gozava de uma boa reputação perante a tropa e já fora elogiado várias vezes por sua extraordinária bravura.
     A noite que antecedeu a visita da maior autoridade do Reino foi para Chuan dedicada exclusivamente para os preparativos. Durante duas horas, poliu a fivela do cinto com muito zelo e cuidado. Os coturnos receberam um trato todo especial, ficando semelhantes a um espelho. A roupa impecavelmente limpa e passada encontrava-se sobre a cama, já que pretendia permanecer aquela noite em claro. Mesmo que tentasse dormir, a tensão emocional empedir-lhe-ia. Aproveitou boa parte da noite para treinar exaustivamente com uma bengala todos os movimentos do fuzil. Um gole de chá, em intervalos regulares, ajudava a mantê-lo ativo, cuidando das particularidades complementares.
     Chega o grande dia. Chuan Chiang, orgulhoso, finalmente satisfaria o seu maior desejo: participaria do pelotão escolhido para o Rei Chulalongkor passar em revista na sua chegada a cidade. Com três horas de antecedência, como militar exemplar, cumpriu um verdadeiro ritual para vestir o fardamento. Caminhou para o local da solenidade, sendo o primeiro a chegar.
     Aproximava-se a hora tão esperada. Os soldados formaram uma ala que daria passagem ao soberano. Chuan foi colocado próximo ao palanque; seria, então, um dos últimos a saudá-lo, porque ele começaria a revista pelos mais distantes e paulatinamente se aproximaria dele. Estava ansioso, as batidas do seu coração tornavam-se mais rápidas, mantinha-se firme em posição de sentido, o regulamento militar o obrigava a manter-se imóvel. O sol era abrasador.
     O Rei, finalmente, desponta na extremidade da fila descendo da carruagem. O povo aplaude a comitiva – quem ousaria o contrário? -, tendo o Rei à frente, que começa a revista à tropa.
     Chuan havia cuidado de quase todos os detalhes, porém deixou de lado um pormenor: estava infestado pelo Phthirus pubis, conhecido vulgarmente por chato. Mas aqui vamos chamá-lo de Phthirus, porque é menos chato. Eis que os citados parasitas resolveram perturbar a vida do devotado soldado, deixando-o aflito. Ao sentir o desagradável prurido, ele procurou manter-se calmo. O monarca aproximava-se mais e mais. Os Phthirus passeavam livremente sem a incômoda presença das mãos humanas que tanto os chateavam – literalmente falando. Enroscavam-se na base dos pêlos pubianos onde se fixavam inoculando substâncias irritantes, para desespero do seu hospedeiro. Este, atormentado e impossibilitado de esboçar qualquer reação, tentava controlar-se ao ver a comitiva cada vez mais perto. Os bichinhos agora faziam uma verdadeira festa, ziguezagueavam entre escoriações e manchas epidérmicas, e desciam em direção ao escroto. A pele enrugada desta região propiciava melhores condições de lazer, deixando-os livres para correrem entre as rugas e agarrarem-se aos escassos pêlos. Nenhum obstáculo existia ao alegre divertimento. O coitado do Chuan, que via o Rei a poucos metros dele, desesperado, revirava os olhos, lacrimejantes; apresentava profusa sudorese; a face, ruborizada, deixava transparecer a contratura de determinados grupos musculares, demonstrando o sofrimento daquele delicado momento. Em alguns instantes esboçava discretos movimentos de contorção como se estivesse rebolando. Era inacreditável o que estava acontecendo, um bravo soldado, notável herói, sendo vencido por um desorganizado exército de pequenos animais irracionais. Enquanto os Phthirus perturbavam com mais intensidade, o monarca se aproximava mais ainda. Chegara, enfim, o tão esperado momento: o Rei posicionava-se defronte a Chuan. Enlouquecido, este lançou bruscamente a mão puxando ligeiramente o saco escrotal, para tentar coibir a ação dos indesejáveis hóspedes, deixando descuidadamente o fuzil cair sobre o monarca. Um dos oficiais integrantes da comitiva, pensando tratar-se de um atentado, desferiu um forte golpe com a espada, traspassando-lhe o coração. A morte foi instantânea.
     O corpo de Chuan Chiang foi esquartejado e exposto em praça pública. Todos os habitantes do Reino do Sião imputavam-lhe a tentativa de atentado. Consideravam-no integrante de alguma facção que tinha como meta a morte do Rei. Inferiam que ele havia entrado no exército com tal objetivo. Entretanto, nós, que conhecemos detalhadamente toda a história, temos condições de fazer justiça ao intrépido soldado e dizer que ele morreu em defesa de uma causa orgânica. Fica também constatado que, para aquele que está impossibilitado de coçar o saco, uma tentativa de puxá-lo pode ser interpretada como um atentado.