O PARTO DA DONA DA CADELA

     Anoitecera. O homem no terreiro da casa, tendo nos braços a filha de um ano, olhava ao longe, tentando ver a luminosidade do farol do jipe do médico. Nenhum sinal.
     Lá dentro, deitada na rede, a mulher sofria. Era o seu segundo parto. O primeiro até que foi rápido, e não precisou de médico. A comadre Severina, parteira com mais de quatrocentos partos feitos na região, foi quem a assistiu. Agora a coisa era diferente: o menino teimava em não querer nascer. A própria parteira, consciente de suas limitações, foi quem sugeriu a presença do medico. Aquele sofrimento já se prolongava há horas. Sob a luz de uma lamparina, a parteira e duas comadres que moravam em outros sítios próximos procuravam amenizar o sofrimento com chás e palavras de conforto. Enxugavam-lhes o suor.
     A cadela Filó, inquieta, assistia aquela cena. Era um movimento incomum. Curiosa, levantava as suas duas patas dianteiras para alcançar a rede onde a sua dona sofria. Em seguida, corria até lá fora e observava o seu dono, que permanecia ansioso, com o olhar perdido na imensidão da mata escura. Depois, a cadela corria, contornava a lateral da casa e entrava pelas portas dos fundos, para contemplar novamente a sua dona.
     A mulher gemia. Segurava um rosário na mão. Quando vinha uma contração, ela apertava tanto o rosário que ficavam as marcas na palma da mão. Desconsolada, rogava:
     - Minha Nossa Senhora, cadê o dotô que num chega?
     - Tá perto dele chegar, Mulé! – Consolava uma das comadres.
     Promessas foram feitas a Nossa Senhora, naquele momento de aflição.
     O homem observou ao longe um raio de luz, que discretamente surgia e em seguida desaparecia no meio do mato. Quando se aproximou um pouco mais, ele correu até a porta da casa e gritou sorrindo:
     - O dotô tá chegando!
     - Graças a Nossa Senhora – exclamaram em coro as mulheres.
     A alegria tomou conta da casa. Contagiou até a cadela Filó, que alegremente balançava o seu rabinho. Parecia entender toda a situação.
O médico chegou no seu jipe. Mandou que colocassem uma esteira no chão. A mulher, com a ajuda de todos, foi colocada sobre a esteira. Ao examiná-la, o medico percebeu que o parto seria muito difícil. A precariedade da iluminação dificultava ainda mais a situação. O jipe foi então colocado com os faróis acesos perto da porta da casa. Com a esteira colocada mais próxima da porta, o médico agachou-se e examinou melhor a paciente. Filó, muito curiosa, aproximou-se do médico, chegando a tocá-lo.
     - Tirem essa cadela daqui! - gritou o médico.
     Retiraram-na. No entanto, em poucos minutos ela estava de volta. Foi severamente afastada pelo seu dono mais uma vez.
     O parto era complicado. Não havia como a criança nascer através dos procedimentos normais. O médico abriu a sua bolsa e retirou o fórceps. A introdução era dificultada pelos constantes movimentos das pernas da mulher, que chorava e gritava alto. Quando o médico se preparava para introduzir mais uma vez o fórceps, Filó, que entrara pelas portas dos fundos, surgiu inesperadamente e, para melhor observar o que estava acontecendo, colocou as patas sobre a cintura dele. Irritado, o médico, num brusco movimento, bateu violentamente com o fórceps na cabeça de Filó, afastando-a. Em seguida, complementando o movimento, introduziu o instrumental na vagina da mulher e, numa rápida e eficaz manobra, retirou a criança: um menino.
     Enquanto a mulher respirava aliviada, a criança chorava e as pessoas sorriam, Filó, encolhida debaixo do jipe, contorcia-se de dor e latia baixinho:
     - Caim...Caim...Caim...