PRATOS LIMPOS

Todos os dias ele ia almoçar naquele restaurante. Impecavelmente, sem falta. Largava o trabalho na editora, muito feliz, ajeitando a gola da blusa pólo, respirando, ajeitando rapidamente os cabelos grisalhos no espelho retrovisor do fordzinho que comprara com muito sacrifício.

Fazia muita questão, o respeitável senhor Mario, daquele restaurante tão próximo a uma rodoviária, por mais que amigos diziam que havia na cidade tantos restaurantes melhores, mas não, ele gostava daquele com mesas de madeiras simples, forrada com oleados, em que um rapaz que o servia, sempre acontecia, assim moreno, de bermuda, chinelos mesmo, uma franja que teimava cair aos olhos; um sorriso sereno.

_ O de sempre – dizia Mario mexendo muito na gola de sua camisa, olhando fixamente o rapaz, que sorria, mas não parecia enrubescer.

E mesmo quando servido, demorava-se, ficava esquecido da comida no prato, o garfo e a faca hesitando nas mãos enquanto olhava o movimento do rapaz do balcão até as mesas. O rapaz movimentava-se com grácil aos seus olhos apaixonados. Sim, sim havia outro rapaz, e uma moça que o ajudava no serviço, mas era apenas naquele que ele reparava. Aquele cujo nome ele ouviu a moça chamar avisando:

_ Alef pode atender a mesa sete por favor, vou atender a mesa onze.

A mesa onze era a que ele ocupava, e mesmo com voz tartamuda ele pediu (afinal era cliente):

_ Não Alef pode vir me atender.

Ai pareceu se notar um leve enrubescimento mesmo no rosto moreno do rapaz, que veio a direção da mesa dele, e parecendo constrangido, embora tentando disfarçar isto, anotou o pedido do cliente já tão conhecido, sem olhá-lo, com atenção voltada para a caderneta, soltando um pigarro de instante em instante.

Quando voltou com a bandeja, Mario notou cabisbaixo que o jovem perdera aquele movimento natural e hábil que passava entre as mesas, e ganhara certo molejo desengonçado, mesmo pareceu topar no espaldar de uma cadeira (coisa que nunca vira acontecer). Chegou junto dele dispondo os pratos à mesa, e recolhendo a bandeja com certo gracejo, recomendando “bom apetite”.

Mario acabou esquecendo-se da comida no prato, ficou olhando o rapaz, e mesmo a moça que chegou junto ao outro e pareceu cochichar algo no ouvido desse, que lançou um olhar fugidio em sua direção, um olhar assim um tanto sorridente.

O Alef não parecia mais aquele desenvolto de antes de ele saber se chamar Alef, antes de ele ter pedido exclusividade pelo Alef. Mesmo notou, olvidando de vez a comida no prato, que a atmosfera ali ao seu redor parecia hostil em forma de risinhos irônicos. Ou seria apenas impressão sua vendo aquele casal tão risonho, abaixarem a cabeça bem próximo ao prato, rirem, quase cuspindo comida; em outra mesa um velho esquecido do jornal que abrira, parecia rir com aquele olhar distraído fora das paginas daquele jornal, mais acolá uma mulher parecia mastigar esquecida, no rosto flácido, e aquele mastigar assemelhava-se a um debochado riso que revelava o que sabia dele. Porem, Mario ergue-se, embora atônito, fez um gesto com as mãos chamando para pedir a conta. Os colegas mesmo apontaram na direção de Alef para que ele fosse. Ele veio sem graça, num andar um tanto curvado como que carregando o grande peso de uma humilhação.

Mario sentou-se novamente, e evitando encara-lo muito, pois enrubescia também, pediu humildemente a conta, mas não apenas isto, disse ao rapaz:

_ Perdoe-me por ter pedido exclusividade dos seus serviços.

O rapaz deu um sorriso seco, sem olhá-lo, e Mario sentia olhares irônicos para ele ali a mesa: exposto!

_ A comida não estava boa, senhor – indagou ainda sem encará-lo o garoto, que prendia a face aquele sorriso seco, envergonhado, ocultando sua beleza do que lhe admirara.

_ Não, absolutamente, pois perdi o apetite – disse, puxando a carteira do bolso detrás da calça, tentando sair dali o mais rápido possível.

Chegando ao estacionamento, pareceu sentir-se tonto, encostou-se um pouco a porta do carro, como que refletindo, aguardando a serenidade daquele coração descompassado afinal que era o seu tão ritmado e desvairado. Entrou no carro e arrancou para fora dali, antes dando uma olhada para dentro do restaurante, onde viu o Alef servindo uma cerveja a uma mesa com senhoras, mas ainda não parecia ter recuperado seus movimentos hábeis e desenvoltos do começo, e partiu de volta para o trabalho com um peso no estomago, certa magoazinha doendo como uma azia, então quando chegou à repartição comunicou aos colegas que afinal se convencera que aquele restaurante não tinha mesmo condição e almoçaria em outro melhor.

Rodney Aragão.