DEPOIMENTO DE UM VICIADO

DEPOIMENTO DE UM VICIADO

A sensação que possuo é que tudo começou no momento da minha concepção. Meus pais não me queriam, sentia-me rejeitado no ventre materno, tentaram me abortar...

-Eu não queria ter esse bebê!

-A culpa é sua! Por que não se cuidou?!

-Eu te falei para usar a camisinha... Lá de dentro eu ouvia todo aquele conflito...

O tempo passou e fui crescendo dentro daquela barriga, mesmo rejeitado!

Ali eu me sentia com um simples hóspede, uma mera obra indesejada do acaso, um acidente...

Ao nascer tentaram gostar de mim. Diziam:

-Como ele é bonitinho... Ele tem é cara de sapeca isso sim, vocês vão ver o trabalho que esse moleque vai dar!!! Dizia a avó

Quando comecei a andar, como toda criança saudável: mexia em tudo, quebrava louças e enfeites na estante da vovó, esta ficava uma fera parecia me odiar... As brigas começaram...

-Não te falei? Esse moleque não dá sossego. Agora você vai ver o que é bom para “tosse”! O pai, não tá nem aí, te “enxertou” e se mandou... Bem que eu te avisei que ele não prestava! Agora você fica sem trabalhar, sem estudar, eu quem sou responsável pela sua falta de juízo?

-Larga isso aí, moleque! Agora mesmo você quebrou um copo!

-Criança não dá sossego!

Como gostaria de receber um carinho, um afago nos cabelos, um sorriso, só ganhava xingos e tapas... Era um rejeitado no anonimato, filho de mãe solteira, me sentia pior do que uma sombra, motivo das brigas da família toda e dos meus pais, que estavam morando com a vovó.

Ao completar cinco anos, as tias deram a sugestão: bota ele na escola, lá ele melhora...

Chegando lá comecei a tratar os colegas da mesma forma que eu era tratado em casa:

Beliscava mordia, batia em todo mundo... Chutei até a canela da professora chata, que também só me rotulava:

-Este menino é muito levado! Parece um capetinha, vou levá-lo para a diretoria...

-A diretora disse:

- Vou mandar um bilhete para os pais dele para ver o que faremos, ou melhora , ou vai para o Conselho Tutelar!!!No outro dia, meus pais compareceram. Após a conversa com a diretora, ouvi meu pai tomar uma firme decisão: Vou- me embora desta casa, já na aguento tanta amolação por causa deste moleque! A separação é o melhor que temos a fazer!Ao ouvir a conversa fiquei muito triste, pois afinal, já havia me acostumado com ele. Até parecia que ele gostava um pouco de mim. Mas, quem sabe, melhor que ele fosse embora... Menos um para me bater...

As notícias dos meus fracassos escolares martirizavam minha mãe, que só tinha tempo para beleza e novelas. Sendo ela ainda jovem, começou a arranjar namorados, cada dia aparecia com um namorado diferente... Até que um dia assumiu um definitivamente: ”meu padrasto”, levando-o para o nosso convívio. Dele só ouvia críticas das pesadas. Tentou ajeitar um serviço para mim em sua oficina, porém só me empurrava o serviço mais pesado dizendo:

- Você tem força, é ou não é homem?

-Quem não estuda moleque, só pega “rabada”... Ao saber da situação, meu pai logo deu o grito:

-Meu filho não é escravo, mulher! Deixa que com ele eu resolvo.Foi um bate boca danado... Ouvi minha mãe chamá-lo de “traficante”!

-Olha, meu filho, não precisa pegar no pesado eu te darei uma “ mesada “... Esta mesada eu sei que foi por ciúmes e para compensar a sua ausência. A tal “mesada”, começou a ser, o que julgo o” fundo do posso”. Com o dinheiro fácil comecei a fumar e a beber, na minha nova vida só angariei falsos amigos. Sempre estavam a par dos meus problemas e desajustes familiares. Um dia, aos 12 anos reuni com a turma da pesada e fumei o primeiro cigarro de maconha... Viajei... voei... naveguei... Mas, quando regressei lá estavam meus conflitos e pensamentos negativos que eram cada vez mais dominadores. Com o passar do tempo minha mãe percebeu o que estava acontecendo comigo...

Ao voltar para casa era escorraçado, humilhado, tinha vontade de morrer, buscava refúgio nos “amigos”, estes, sempre me oferecendo mais um “baseado”, estava a cada dia mais viciado, a princípio o que de graça, “oferta dos amigos”, agora tinha preço... Comecei gastando a “mesada”, mas era pouco. Os “caras” sempre queriam mais e, eu também...

A cada volta para casa, a cada briga, sempre buscava refúgio nas drogas, a maconha já não me saciava,parti então para drogas mais fortes. Injetava... Cheirava o pó, entre outras, já me sentia totalmente entregue ao vício à mercê da droga, alucinado, sem dinheiro...Sem saída comecei a roubar, roubava dinheiro na bolsa da minha mãe, do meu padrasto, alimentos, roupas, etc. Comecei a furtar nos supermercados e vendia bem abaixo do custo. Por ironia do destino minha mãe que entrou em depressão por minha causa, teve câncer de mama e veio a falecer,

Certo dia, fui pego vendendo drogas e autuado em flagrante. Estou aguardando o julgamento o qual tenho feito aqui, atrás das grades. Minha família vem me visitar, acredito que com este sofrimento, tentarão solucionar o meu problema, pagarão advogados, serei internado numa clínica de recuperação.

Talvez, entre uma visita e outra, percebam que o que me falta é o que nunca tive: “Amor”.