MULHER MÃE... MÃE/MULHER

Recostada na poltrona, observando a cortina que bailava com a entrada da brisa leve no fim de tarde, Helena, vagava por vivas lembranças de seus últimos vinte e cinco anos.

Estava sozinha em casa, aliás como era sempre assim, a cada dia, a cada manhã, a cada fim de tarde. A família era hóspede noturno, ou raramente alguém à mesa para almoçar.

Helena, sentia-se uma deusa esquecida no canto da vida, naquela sala, onde, apenas observava pela janela uma turbulência de sentimentos que não tinha coragem de permitir aflorar em seu cotidiano. Apenas sentia que havia uma vida além daquelas cortinas e, principalmente, além daquela janela, mas que de modo algum se permitia confessar em seus mais íntimos sonhos, a sua inquietude diante de uma insatisfação tão invasiva em seus momentos de descanso, ou de reflexão sobre si mesma.

O sol se punha cálido, como cálida pétala caída ao chão na espera de um eterno sumir do universo. Essa era Helena neste momento. As mãos pálidas, macias e quentes, percorrriam o rosto na busca de uma resposta confiável, ou pelo menos satisfatória à tantas indagações.

Acompanhava o bailar das cortinas como se visse a própria existência em altos e baixos. Ora leves, ora pesados dias em inúmeros acontecimentos.

Ainda menina, criada na fazenda, brincava com as coisas que lhe eram acessíveis, em um lugar quase abandonado pelo saber de um outro mundo. A lagoa nos fundos da casa era sua alegria. Nadava, corria com os pequenos patos que alí vinham se banhar. Ria, sentindo que a vida fosse tudo isso, num instante único de cada fato, de cada salto numa brincadeira. Era feliz, por certo, era feliz.

Já aos sete anos, apresentando problemas de convulsão cerebral, Helena, não fôra enviada para um colégio interno, tal qual seus irmãos mais velhos. Ela precisava de todo cuidado da mãe, do pai e de um tratamento cabível. Deixaram a fazenda. Abandonaram a lagoa, os patinhos, as brincadeiras de correr pelo campo. Helena, agora Heleninha, precisava ir morar na cidade pra estudar e se tratar.

Um universo de coisas novas se apresentaram à ela. Mas, também uma tristeza tomou conta de seu espaço.

Uma admiração pelas luzes a fazia feliz, lembrava dos vaga-lumes que tentava apanhar.

Por recomendação médica, teria que fazer hidroterapia. Sua lagoa era uma enorme piscina em um clube cheio de gente diferente e sem nenhum patinho pra ela brincar.

Depois de cinco anos, já estava habituada, aclimatada na cidade. E também mais calada.

Os pais separam-se.

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Em um dia de verão, Helena casou-se com um homem dez anos mais velho que ela.

Em menos de um ano de casamento, a primeira filha chegou. O semblante de Helena transfigurou-se em uma mulher cheia de realizações. Sua pele estava renovada. Seu corpo amadurecido com peitos vistosos a faziam sentir a mulher mais bela e feliz do mundo.

Admirava a pequenina em seu colo e cantava para ela. Conversava com a menina por horas a fio, sem se cansar. Tão logo a menina começou andar, saiam pelas ruas próximas, de mãos dadas, contentes. Helena agora sentia-se alcançando um prêmio. A menina era sua razão maior de existência.

Quando a menina completou três aninhos, outra filha veio dar-lhe novo sabor à vida. Outra menina! Que maravilha maior, Deus poderia fazer em minha vida? - era a pergunta constante de Helena ao dedicar-se inteiramente às meninas.

Helena estava radiante. Outra gravidez estava acontecendo. Seria mais uma menina? Assim falava consigo e olhava para o marido, indiferente à sua alegria e expectativa.

Enquanto Helena se preparava para ir ao médico, o marido ainda colocava dúvidas sobre a gravidez, talvez imaginando que a esposa estivesse equivocada. Um alarme falso? Helena sabia que não. Ela conhecia muito bem seu corpo, e os sinais eram de uma terceira gravidez.

Em um dia de inverno, chuvoso nasceu um menino. Lindo. Helena ao ver aquele rostinho delicado, chorou de emoção. O marido veio mais tarde, quase à noite ver o filho. Helena ao olhar nos olhos do marido viu uma enorme alegria e ao mesmo tempo uma dor tocou-lhe a alma. O marido que agora se encantava com o menino, havia duvidado que ele viria. Helena entendeu que naquele momento, ela havia completado seu papel de esposa procriadora. Agora, um filho homem daria "continuidade ao nome do pai".

Em casa, Helena e os pequenos, eram a própria felicidade que alí residia. Para ela a vida estava perfeita. Três filhos! Meu Deus, dizia ela, que benesse em minha existência.

Helena com vinte e oito anos, estava em ótimas condições de saúde. O marido com trinta e oito, também. Estavam realizados com sua missão para com a procriação da humanidade. " Crescei e multiplicai!"

Numa tarde de domingo, em casa, todos descansavam. Helena preparou-se para servir um lanche, mas sentiu-se levemente tonta. Sentou-se no sofá e esperou. Ninguém notou sua vertigem, ela porém, num sorriso tímido, revelou-se grávida mais uma vez.

Quatro filhos, uma benção pensava ela. Quando tantas mulheres querem ter pelo menos um filhinho, Deus em sua Bondade me presenteou quatro vezes. Era muita emoção para ela.

Na véspera do Natal outro menino veio alegrar a vida de Helena. Mais um anjo descido do céu em minha casa, pensava ela, e repetia sempre que isso era ser feliz demais. Tinha medo que tanta felicidade não coubesse dentro dela. O marido era indiferente, não por outra causa, mas por puro jeito de ser. Era um homem reservado, calado, tímido, fechado em seus assuntos de negócios, ou então compenetrado em seu noticiário ou jogo de futebol na TV.

(continua)

NENINHA ROCHA
Enviado por NENINHA ROCHA em 11/08/2006
Reeditado em 30/08/2006
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