Frente a frente - Parte 2

Eu o esperei a noite toda, mas lá estava novamente a nossa cama de casal incompleta. É óbvio que não consegui dormir. Cada ruído da noite poderia ser o som da porta se abrindo e ele entrando, mas isso não aconteceu tão cedo. Quando já estava perto de amanhecer, me levantei. Andei pela casa toda sendo perseguida por diversos pensamentos ruins e explicações para isso estar acontecendo novamente. Enquanto, na cozinha, a água para o café esquentava, fui até o quarto de Clara, que dormia como uma princesa enrolada em seu edredom cor-de-rosa. Busquei naquela imagem a paz que não tenho há um bom tempo. Cheguei mais perto e lhe beijei o rosto carinhosamente, e uma lágrima de mãe, então, me escorregou pelo rosto. Saí devagar para não acordá-la, e deixei-a na companhia de seus sonhos e seus ursinhos de pelúcia, que completavam a sua cama. – Fui até a cozinha, preparei meu café mais forte do que o normal, enchi uma xícara até a borda e saí em passos silenciosos. No caminho para a sala me deparei com o espelho, mas não me reconheci no reflexo. Quem era aquela mulher de expressão amarga, coberta de olheiras e o olhar vazio? – Vestia uma camisola branca, macia, e nem me dei conta do friozinho que fazia. Parei de encarar a desconhecida do espelho e fui me sentar na sala; continuar a esperá-lo.

Ao redor, a sala bem arrumada, móveis bonitos, quadros nas paredes, cheiro agradável. Mas o que mais me encantava naquele momentoeram os sorrisos nos porta-retratos. Eles estavam por todos os cantos, contando uma história feliz de um casamento feliz. À esquerda nossa primeira fotojuntos, quando ainda éramos jovens namorados; seus olhos grandes e um sorriso largo, que dizia para qualquer um que visse que aquilo seria para semrpe. E nisso eu continuo a acreditar. Ao lado dessa foto havia outra: João segurando a recém nascida Clara no colo e eu deitada na cama da maternidade; deus, que felicidade. Uma terceira foto mostrava eu e ele beijando cada um uma boxexa de Clara, no seu aniversário de seis anos. Por alguns momentos sorri verdadeiramente, pois nos retratos reconhecia a mim muito mais do que nos espelhos. O problema, é que se eu quisesse um retrato agora, para continuar registrando a nossa história, ele não estaria aqui ao meu lado, e eu nem sei se algum de nós estaria sorrindo.

Sua ausênciame assustava e a insegurança crescia. Estaria me traindo? Estaria num bar podre de bêbado? Estaria numa cama de hospital? – Não atendeu o celular em nenhuma das vezes que liguei. A claridade do dia entrando pela janela só me fez aumentar a aflição. Não parecia um convite para um bom dia. Do café só me restou oaroma no ar e o amargo na boca. Da minha vida não era muito diferente.

A porta abriu.

Por ela entrou um João calmo, porém cansado. Bonito, forte, e, até certo ponto, elegante. Fixei nele o olhar por alguns segundos. A insegurança se misturava com a raiva, com o desprezo, e com o amor. Só eu sei o quandot desejei o seu abraço carinhoso e sua voz galante me dizendo...

- Bom dia, meu amor.

Desviei o olhar.

- Maria, me desculpe. Não pude nem mesmo te avisar, mas o delegado me fez participar de uma busca durante a madrugada toda.

Continuei calada. O olhar parado num ponto qualquer do chão.

- Querida, por favor. – E nisso chegou em mim e me abraçou. – Você sabe que essa vida de policial é assim, que coisas assim podem acontecer.

Agora ele falava olhando nos meus olhos e segurando minha face com as duas mãos. Não havia bafo de bebida, sua roupa não tinha perfume de mulher, mas a mentira parecia estar em seus olhos. Parecia. Não conseguia ter certeza de nada. E se estivesse falando a verdade?

- Escute, já falei com o chefe, e a partir da semana que vem, férias! Vamos viajar, eu, você e Clara. E eu quero compensar um pouco da minha ausência, quero te dar sorrisos e ótimos momentos.

Ele é sincero. Ele me ama. Eu o amo, pensei.

Me acariciou os cabelos e me beijou os lábios, me fez sentir segura e amada com muita intensidade, mesmo que por um momento.

- Papai, papai!

Vi Clara correndo em nossa direção e se atirando nos braços do pai. Sorri timidamente. Ele poderia não ser, a tualmente, o melhor marido do mundo, mas era, com certeza, o melhor pai. Clara ficava radiante diante de sua presença.

- Adivinha quem vai tirar férias e viajar? – Perguntou João è ela em tom de brincadeira.

Os olhos de Clara brilharam e o sorriso ficou maior ainda.

- Ooobaa! Vou começar a fazer a minha mala! – Disse minha princesa.

E saiu correndo para o quarto aos pulos de felicidade.

João também sorria. Colocu sua mão direita no meu rosto.

- Eu te amo, meu bem.

Sorri de um riso sincero, mas que sumiu quando vi por baixo da manga de sua jaqueta, uma grande mancha vermelha na manga da camisa branca. Pude sentir o cheiro forte. Com certeza aquilo era sangue.

William Telles
Enviado por William Telles em 22/03/2010
Código do texto: T2153662
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