Destino

Marta chegou ao ponto do ônibus. Vinha de um expediente de quase dez horas num pequeno escritório de contabilidade em que trabalhava havia cinco anos, localizado numa parte central e degradada da cidade.

Antigos prédios, de quatro ou cinco andares, com lojas de peças e acessórios no térreo, e hotéis de alta rotatividade compunham o cenário da área. E o ponto do ônibus ficava bem em frente a um desses hotéis.

Marta sabia que tinha um bom tempo de espera até que o coletivo chegasse. A linha tinha poucos ônibus, e nos horários de pico, com o trânsito lento, a demora ainda era maior. Mas a cabeça estava tão ocupada que ela nem se ligou muito nesse detalhe; muito pior do que a demora do ônibus era a preocupação de ter que arranjar, a curtíssimo prazo, um quarto para a mãe e para o irmão, que até então moravam com outra filha cujo marido, transferido de cidade , sairia do Rio em poucos dias.

O irmão ainda não tinha idade para trabalhar e a mãe tinha como renda apenas a pensão mínima deixada pelo falecido marido. Portanto, Marta, a filha que ficava, teria que passar a participar ativamente da manutenção de um local onde pudessem passar a morar.

Ela por sua vez, para ficar mais próxima do trabalho, morava com uma tia e dois sobrinhos num minúsculo quitinete perto do Centro. Mal cabiam os atuais ocupantes, por isso nem pensar em agregar mais alguém. Por outro lado, o sofrido salário era consumido nas necessidades mais básicas, sem nenhuma sobra para diversão, roupa ou outros luxos. Era aluguel, passagem, comida e pronto.

Enquanto divagava, e o ônibus não chegava, Marta olhava o entra e sai no hotel em frente. E chamou-lhe a atenção uma das frequentadoras, que, à saída,e sob um dos postes de iluminação, tirou um maço de notas de dentro da bolsa e, metendo a mão no decote do vestido, retirou dali mais algumas notas que juntou ao maço. A proximidade da cena permitiu ver que o bolo de notas era bem volumoso, e voltou ainda maior para dentro da bolsa.

Marta, no seu raciocínio simplista, estabelecia uma comparação entre dois mundos tão distintos:

“- Puxa, eu acho que trabalhando como eu trabalho, nove a dez horas por dia, trinta dias num mês, nunca ia ter um maço daqueles de dinheiro...”

Mas era só uma comparaçaõ quase ingênua, pois Marta, criada por uma mãe fervorosamente católica e integrada desde cedo nos princípios de fé e respeito, nunca ousaria praticar nenhum ato que pudesse ser capitulado como pecado.Tanto que, aos 28 anos, ainda era virgem.

“Ela hoje faturou, hein ?”

Marta levou um baita susto. O comentário havia sido feito ao seu lado, por um senhor que também esperava a condução, e que havia percebido sua atenção à cena da garota e seu dinheiro.

Sem saber o que falar e o que fazer, Marta limitou-se a dar um leve sorriso sem graça, desejando que a intervenção acabasse ali.

Mas o homem emendou uma segunda consideração sobre o caso, e Marta foi obrigada a voltar-se para ele.

Sessenta a sessenta e cinco anos, terno e gravata, rosto redondo e pasta executiva na mão, parecia aquele clichê de avô. Não dava para imaginar que a tentativa de estabelecer conversa tivesse segundas intenções. Marta, inconscientemente, baixou um pouco a guarda.

O ônibus chegou. E, coincidentemente, também era o esperado pelo homem. Embarcaram, e Marta e Aldenor, sim, esse era o nome, continuaram trocando idéias já sobre outros assuntos.

Pouco antes do ponto de Marta, Aldenor preparou-se para tocar o sinal. E antes, metendo a mão no bolso superior do paletó, retirou um cartão de visita que estendeu à moça, com a frase: “qualquer coisa que precisar, pode me ligar”. Levantou-se, e sorrindo para ela, encaminhou-se para a porta. Depois de saltar, quando o ônibus arrancou, ainda estava na calçada para um último aceno.

Não tinha sido uma apresentação desagradável, pensou Marta. E, antes de guardar o cartão na bolsa, olhou o texto:

Aldenor Oliveira

Corretor de Imóveis

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Amaury Nicolini
Enviado por Amaury Nicolini em 24/03/2010
Reeditado em 24/03/2010
Código do texto: T2155956