O MENINO QUE QUERIA SER DOUTOR - Capítulo I

Minha vida é um tanto quanto complicada. Aconteceram tantos fatos, que agora depois que tudo se passou eu nem acredito que tudo aconteceu comigo.

Tudo começou na minha cidade, Santa Fé de Minas, uma cidadezinha do interior de Minas Gerais. No dia 20 de outubro de 1955, minha mãe, dona Florinda, sentiu fortes dores e deu à luz um forte menino, que era eu.

Meu pai, coitado, trabalhava na lavoura para dar-nos o que comer, pois eu era o terceiro filho e depois de mim nasceram mais cinco.

Pai recebeu uma proposta para trabalhar numa fazenda de um capitão, no município de Belo Horizonte e achou que fosse bom para nossa família.

- Será, Florinda, que eu aceito ir trabalhar nessa fazenda, tão longe daqui de Santa Fé?

- Eu não sei, Cassiano, se você for tenho que ir com os meninos também, mas eu fico pensando deixar pai e mãe, que já estão velhinhos.

- Mas isto não é problema. Eu só aceito se puder levar eles conosco.

Aquela conversa era quase todos os dias, sempre um querendo saber do outro o que fazer.

Resolveram então ir embora para Belo Horizonte, pois o capitão dava casa para morar e terra para plantar.

A família era bem grande: Pai, mãe, Pedro, Orlando, eu, Maria do Rosário, Lázaro, Terezinha, Geraldo, vó Maria e vô Sebastião.

Encheu o caminhão só de meninos, porque a nossa mudança era pouca coisa: uma prateleira, uma cama de casal, três camas de solteiro, a cama de vô e vó que não definia o tamanho, pois era pequena para ser de casal e grande para ser de solteiro, uma mesa com uma perna quebrada e uns doze tamboretes.

Era um tristeza a pobreza em que vivíamos... Muito filhos, meu pai plantava só para comer, minha mãe tecia pano de algodão e vó fazia nossas roupas, calçávamos sandálias feitas de couro de vaca.

Muitas vezes à noite acordava e ouvia pai falar para mãe:

- Eu não sei o que fazer, Florinda, eu queria tanto dar uma vida melhor para estes meninos, coitadinhos, vivem esta vida de pobreza, não têm nem um brinquedinho, uma roupa melhorzinha...

- Eles são felizes, Cassiano, brincam com brinquedos que eles mesmos fazem, não passam fome, eu acho que de pobres, eles até que têm a vida boa...

Minha mãe tinha razão, nós trabalhávamos ajudando meu pai na lavoura, mas éramos felizes, pelo menos achávamos que éramos, pois éramos inocentes e não sabíamos que tinha vida melhor do que a nossa.

Mudamos para a fazenda do capitão deixando o resto da nossa família. Na hora de deixarmos a cidade foi aquele choro! Minha mãe, minha vó, minhas tias, minhas primas, nós. Só pai e vô que não choraram, naquele tempo "homem" não chorava, mas ficaram engasgados.

Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles
Enviado por Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles em 15/08/2006
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