FESTA DA PADROEIRA

     A procissão seguia firme, percorrendo as principais ruas do centro da cidade. Os homens mais devotos disputavam um lugar para carregar o andor; as mulheres rezavam enquanto seguravam o terço; os jovens trocavam olhares e sorrisos. Carminha, uma das moças mais cobiçadas pelos rapazes, estava mais bela do que as suas concorrentes. Vestira a sua “roupa da festa” feita pela tia Etelvina. Sorria descontraída, enquanto cochichava com a amiga Leda, sem deixar de olhar para os rapazes.
     A metade do percurso havia sido percorrida, quando um discreto incômodo nos pés, que parecia ser passageiro, exacerbou-se. No início ela pensou que desapareceria logo, pois, seguindo orientação da mãe, passara vela no interior do sapato novo. No entanto, nada adiantara, os pés ardiam-lhes. Cochichou com Leda:
     - Mulher, os meus pés estão doendo.
     - Besteira, Carminha. Dá para você agüentar – consolou Leda.
     As pessoas cantavam:
     "Oh, Santa Luzia
     Pedi a Jesus
     Que sempre nos dê
     Nos olhos a luz".
     Carminha perdera o seu sorriso e caminhava com dificuldade. Ignorava os ansiosos olhares dos rapazes que tentavam conquistá-la. Seu olhar agora era para a padroeira no andor, que aos poucos ia ficando mais distante. Em sua mente, ela cantava: “ Oh Santa Luzia, pedi a Jesus que a procissão termine logo”. Qualquer observador, mesmo o mais desatento, facilmente percebia o sofrimento pelo seu semblante.
     Enfim, chegaram à Praça da Catedral. Ela caminhava lentamente, no final da procissão. Esforçava-se para dissimular a sua angústia. Flexionava os dedos no interior do calçado, tentando aliviar a tensão sobre as calosidades dos calcanhares; batia com o bico do calçado no chão, com o mesmo objetivo. Contudo, o pequeno alívio era insignificante, diante da gravidade da situação. O padre, ao microfone, exaltava: “ Viva Santa Luzia! Viva!”. Carminha sentia vontade de gritar: “Viva o final da procissão! Viva!”.
     Encerrou-se a festa da padroeira de Mossoró. As pessoas retornavam aos seus lares, alguns sorrindo felizes; outros tristes, já saudosos. Carminha caminhava vagarosamente, claudicando, sob pressão da amiga Leda:
     - Vamos mais depressa, Carminha.
     - Espere, mulher. Não está vendo como estou? – respondia aborrecida.
     Quando faltava quinhentos metros para chegar em casa, ela não suportou e tirou os sapatos. A pele macerada dos calcanhares deixava exposta áreas em carne viva, contornadas por extensas zonas de intenso rubor. Com os sapatos nas mãos, ela voltou a sorrir aliviada ao chegar em casa, enquanto sua mãe afirmava:
     - Em festa de padroeira isso sempre acontece!