Olha o trenzinho!

Joana, os bilhetes de trem já estão comprados. Vocês viajam amanhã às 4 da tarde. Comprei duas passagens: um assento para você, um para Joseph e Archie que ocupam um lugar só. A Rose vai no seu colo, se você não se importar.

Joana achou que sua patroa estivesse brincando. Afinal, Catherine era filha de um dos homens mais ricos do Reino Unido, aristocrata com pose e dinheiro. Além do marido banqueiro que nunca parava em casa. Além do mais, Archie era uma pessoa e Joseph, outra. Ocupam um lugar cada um.

Não acredito no preço das passagens de trem. São caríssimas. Daqui a pouco não poderemos mais ir visitar a mamãe.

A “mamãe” diga-se de passagem era dona de uma castelo onde empregava cerca de 40 pessoas para cuidar da casa. Ela tinha um mordomo, um chauffeur, um chef, além de damas de companhia, um bibliotecário e várias faxineiras.

Mesmo assim, Joana de mala, cuia e três crianças, foi para a estação de trem mais movimentada de Londres com destino ao norte da Inglaterra, para pasar a Pásqua trabalhando, pois precisa de um extra para pagar o curso de inglês.

A patroa não viria com ela, pois tinha que ir à uma reunião de escola do filho mais velho que também não iria com Joana, pois pegaria o trem com a sua mãe no dia seguinte. Só os dois, confortáveis na primeira classe, lendo jornais e livros, com um café quente nas mãos, apreciando o belo tom de verde que tem a grama da Inglaterra.

Ainda no táxi, a caminho da estação, (sim, a patroa de Joana era humana o suficiente para pagar um táxi, deixando de lado a idéia original de irem de ônibus), Joana fez um pacto com Joseph e Archie: Somos amigos para sempre e o que eu falar que devem fazer, vocês farão. Assim continuamos amigos e eu compro para vocês uma revista e um chocolate. As crianças apesar de ricas, tinham um jeito muito simples de satisfazer seus desejos. Revistas e chocolate eram as palavras mágicas. Combinado?

Pacto aceito, Joana desembarca na estação de Paddigton. Para quem não conhece Londres, é uma estação meio que Central do Brasil, só que limpa, sem mendigos e com muitas lojas. Com Rose no carrinho, Joseph segurando o carrinho e Archie segurando Joseph, Rose entra na loja para se abastecer de munição: chocolate e revistinhas. Refrigente e batatinhas, como munição extra, pois nunca se sabe quando o inimigo vai atacar.

A loja era grande, com várias estantes com estoques que deixavam aquelas ciranças enlouquecidas. A partir daquele momento, o pacto, aquele... lembra, feito no táxi? Pois é, já tinha ido por água abaixo. Cada criança em um ponto da loja, Joana enlouquecida, atrapalhando a passagem de passageiros apressados com o carrinho de Rosie no meio do corredor e gritando: Archie? Joseph? Vamos perder o trem. De fato, aquilo era a mais pura verdade: eles estavam quase perdendo o trem. Em uma situação normal, Joana não daria nada para aquelas crianças teimosas, desobedientes, horríveis para ela. Mas, sinceramente, ela não tinha opção e educá-los naquele momento, estava fora de cogitação.

No final, Joana identifica os três perto dela, agarra-os e corre. Joanna corre para achar a plataforma certa. Joanna corre para achar o vagão certo. Joanna corre para achar o assento certo.

Ok. Até agora todas as três crianças com ela. Vamos em frente.

Sentados em um assento estão Joseph e Archie, já brigando porque um está encostando demais no outro. Joanna olha, sente pena e dá razão, apesar de não contar a eles que estão certos. No entanto, Joanna também não se encontra em uma situação de vantagem: ela tem Rose, a bebezinha de seis meses no seu colo, faminta, chorando, esguelando por uma mamadeira que está dentro da bolsa embaixo do assento de Archie e Joseph, que por sua vez, não param de dar pontapés dificultando o progresso de tudo.

Devido ao caos desta situação que não tende a melhorar, vamos pular para uma hora depois, quando tudo está , sim, por incrível que pareça, mais calmo.

Joana, no entanto, não se sentia bem. Sentia-se tonta, fraca ao imaginar quatro dias inteiros com aquelas crianças em um ambiente onde eram paparicadas até ficarem insuportáveis. Joana começou a melhorar ao imaginar que o chauffeur iria buscá-los. Portanto, a única coisa que agora ela teria que fazer, era chegar a estação com as três crianças vivas. Isso, ela pensou, não dependia dela. Dependia do trem... Pobre Joana, pensou cedo demais.

Um pouco antes do trem parar na estação em que desceriam, Archie vira-se para Joana e dispara: eu não vou descer. Vou até o final da linha. Vocês podem ir. Eu fico.

Joana sentiu aquela sensação de tontura e fraqueza novamente.

Ela tinha portanto, três alternativas: deixar a bebê e Joseph sozinhos na plataforma enquanto ela tentava tirar Archie do trem na estação seguinte; deixar Archie seguir caminho sozinho; ou deixar a bebê e Joseph na estação sozinhos, deixar Archie seguir caminho e Joana seguir sozinha após Archie resolver descer... A última alternativa sempre mais tentadora.

Sinceramente, se perguntarem para a Joana como o Archie saiu daquele trem na estação certa, ela não saberia dizer. Não lembra-se. Tudo está embaçado na cabeça dela, tamanho o trauma

Tudo bem quando termina bem, já diziam..

Archie, Joseph and Rose! Que alegria vê-los! Quando chegarmos em casa vocês querem brincar com os cavalos ou ajudar Silvestre a colher os ovos das galinhas?

Exato: Joana era invisível e por incrível que pareça, era exatamente o que ela queria. Se sumisse, ninguém notava. Missão cumprida.

ESTE CONTO FAZ PARTE DO LIVRO "DE BABÁ À ´PATROA" E ESTÁ A VENDA PELO clubedeautores.com

Nara Vidal
Enviado por Nara Vidal em 24/04/2010
Código do texto: T2216113
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