A GAROTA DOS DENTES AMARELOS

Toda segunda feira fazíamos a seleção de candidatos a modelo que respondiam ao anúncio semanal que publicávamos nos jornais. Além da agência de publicidade, os meus catálogos de moda exigiam sempre a busca de novos talentos. Com vários clientes no setor de vestuário, precisávamos de grupos distintos para cada cliente. Normalmente eu fazia uma seleção apenas visual, pois alguns candidatos não apresentavam a menor condição. Eu então separava para um lado os candidatos com alguma possibilidade e para o outro lado os que seriam descartados. Antes da seleção, avisava que seria sincero, separando os improváveis para o lado esquerdo, deixando claro que não teriam chance.

Numa destas seleções, uma garota se destacava pela beleza exuberante, o corpo perfeito e o porte ideal que distingue as candidatas com possibilidade de chegar ao topo. Um problema surgiu como uma ducha fria em minhas esperanças, revelando dentes amarelados quando sorriu. Chamei-a de lado discretamente e disse-lhe que aguardasse no camarim. Terminada a seleção, minha produtora iria marcar as tomadas para os testes de fotogenia e eu encaminhei-me ao camarim. Cláudia ou Cau, como gostava de ser chamada, mostrava-se apreensiva talvez imaginando que seria descartada.

– Você tem uma grande chance! Você é bonita e possui todas as qualidades para ser uma modelo de sucesso. Mas, vou ser franco e talvez você ache que estou sendo duro. Mas, é meu jeito. Faça um tratamento dentário e volte. Ela encheu os lindos olhos de lágrimas e falou.

– Sim, eu sei que isso vai me prejudicar, mas, não tenho recursos. Minha família é pobre e meu pai está desempregado. Vou tentar ajuda-la. Falei pedindo a Marley, minha secretária que ligasse para uma clínica de um amigo meu. O Sérgio era companheiro de festas e boemias e me devia alguns favores. Comprometeu-se a fazer o trabalho. Depois acertaríamos em alguma festa. Passaram-se dois meses e já nem lembrava da garota. Estava numa tarde de sufoco com cerca de trinta modelos no estúdio em um vai e vem de idas e vindas ao camarim e o ritmo alucinante entre o espocar de flashes e câmeras. Resolvi fazer um intervalo e como uma visão inesperada e bela, ela surgiu na porta do estúdio, desta vez exibindo um maravilhoso sorriso. Fiquei boquiaberto com o trabalho que o Sérgio fizera. A diferença era espantosa. Tratei de marcar uma seção de fotos assim que a correria no estúdio chegasse ao fim. Eu tinha para o outro dia uma série de painéis para o lançamento de uma coleção de biquínis exclusiva para um de nossos principais clientes. As fotos apenas corroboraram o que meu instinto já antecipara. As tomadas foram marcadas para a noite do dia seguinte no estúdio com a presença do cliente. Haveria uma janta de confraternização entre o anunciante e a agência. Chamei minha produtora e a encarreguei de vestir a garota adequadamente para a ocasião. Na hora marcada ela surgiu elegantemente vestida, estampando um ar de felicidade que me comoveu. Foram produzidos 40 painéis que iriam decorar a loja, um grande magazine de Porto Alegre. A garota parecia ter sido talhada para o produto e seu desempenho foi acima de qualquer expectativa otimista. Parecia que ela adivinhava meus pensamentos e eu nem precisava corrigir posicionamento ou expressão. Terminada a seção de fotos, fomos para o salão de festas da agência onde seria servido o jantar. A esta altura, minha descoberta já estava sendo terrivelmente assediada pelos membros da comitiva do cliente. Sentou-se ao meu lado a mesa e confidenciou.

– Vou grudar em você, estão caindo como urubus em cima de mim.

– Ok, seja apenas simpática e não se preocupe.

Terminado o jantar ofereci uma carona ao que ela aceitou sem reservas. Foi então que surgiu um clima diferente e a relação profissional acabava de dar lugar a um novo e inesperado sentimento. Não era propriamente amor, mas sentíamos que havia uma forte atração e, com efeito, acabamos por passar o resto da noite juntos. Pela manhã, acordamos ainda embriagados pelo intenso clima vivido e permanecemos enamorados por um bom tempo. Eu era acostumado a ser assediado por garotas que sabiam que seu trabalho dependia de mim. Nunca usei a condição de poder que o oficio me concedia para obter vantagens. Mas ninguém é de ferro e foram inúmeras as vezes que garotas ligavam para mim reclamando que eu não as convidara para sair. Mas com esta era diferente, não era uma simples aventura. Falou-me de sua preocupação com o custo do tratamento ao que respondi,

- O cachê que você vai ganhar pelas fotos dá para uns três tratamentos. Mas você não deve nada. Para mim é um investimento com retorno assegurado. Começamos a nos encontrar periodicamente e sua carreira começava a deslanchar. Minha amiga Olga, produtora de uma das principais revistas masculinas ligou-me pedindo uma matéria com mulheres gaúchas. Claro que ela foi fotografada com mais quatro garotas, mas, não concordou em posar nua, embora o cachê fosse compensador. Algum tempo depois a Olga me ligou pedindo que indicasse garotas para uma matéria que desta vez seria feita por um dos maiores fotógrafos da editora. Entre outras indiquei a Cau. Não sei se afinal. Concordou em posar nua, não quis ver as fotos. Havia sobre a minha mesa, um convite de casamento, o fotógrafo estava casando com ela. Não fui ao casamento. Dias depois surgiu em 14 páginas de uma revista de moda da editora e recebi uma carta agradecendo o que fizera por ela. Dizia, “você foi meu amante e meu pai. Bendita hora em que me mandou fazer aquele tratamento. Devo a você o resto da minha vida”.

Confesso que não pude evitar uma lágrima que sorrateiramente rolou-me pela face.

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 24/04/2010
Código do texto: T2216353
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