vovó

À tarde ela sentava em sua cadeira no alpendre. Cadeira velha, precisando de reforma, mas confortável, parecendo ser ajustada ao seu corpo. Ninguém podia sentar nela, seria uma afronta. Vovó era assim. Sistemática. Tinha o seu ritual. Levantar às 4h30min, pontualmente, todos os dias, domingo a domingo. Espreguiçar escandalosamente. Quem dormia em sua casa pela primeira vez, acordava assustado. Depois ao contar para os outros, todos riam e diziam – Você ainda não viu nada. Ainda de pijama, ia para a cozinha, pegava uns paus de lenha finos e secos, acendia-os no fogão a lenha, também bem antigo. Era uma novela até acender mesmo, mas após aceso aquele fogo ia até tarde da noite. Mas a vovó se entretinha com aquilo e pronto. Ai de quem ousasse ir ajudá-la. Melhor não. Aceso o fogo, pegava sua chaleira e ia buscar água lá fora, no reservatório. Enquanto a água esquentava, ela ia escovar os dentes, dentes? A dentadura. Os meninos certa vez ficaram admirados em ver aquela “coisa” em um copo d’água ao lado da cama da avó. Ela estava acamada. E eles, cismados, foram visitá-la. Vendo-os admirados, ela interpelou – Vocês saiam daqui já estou boa! Quase sempre vestia o mesmo vestido e um casaquinho por cima. Dizia sentir frio. Talvez, pelos seus oitenta e nove anos e magrinha, sentisse mais frio que os demais. Voltava, pegava o pó de café, o açúcar e preparava o melhor café que se podia tomar por aquelas bandas. Orgulhava-se disso. E ao receber o merecido elogio, fazia com que o bajulador tomasse quase a garrafa térmica toda. Café pronto, torrava pão, feito também por ela. Massa feita na mão. Que esperava crescer. Era tão gostoso vê-la fazendo ‘desenhos’ na massa, depois de assado, em seu fogão a lenha, parecia uma obra de arte. E o gosto, hummm, delícia. Era generosa. Nos idos tempos, quando o vozinho ainda era vivo, a fartura era bem maior. Mesmo assim longe dos melhores tempos, ainda guardava generosidade. Os netos, apesar das cismas e esquisitices dela, viviam por perto. Ela ralhava com eles, saiam, mas voltavam em seguida. Era assim. Tinha horário para tirar a mesa do café. 8h30min, dizia que precisava começar o almoço. Bem que nesse só fazia o feijão. Se não fizesse emburrava e arrumava confusão era melhor deixar, até porque, o seu tempero era imbatível. Da mesma forma era um ritual. Feijão tinha que ser comprado a granel, quase nenhuma mercearia tinha mais isso, já vinha tudo empacotado. Um dos filhos, papai, fazia-lhe os gostos, ia ao mercado municipal e lá comprava uma quantia para um mês. E na sua frente. Para não haver dúvida. Bem, grãos de feijão em cima da mesa, ela, sem óculos, dizia escolher para tirar as sujeiras, fazia isso reclamando, dizendo que o cereal de hoje era muito ruim, bom era no seu tempo, enquanto resmungava, fazia a limpeza, depois lavava, com sua água do seu reservatório, que achava ser mais limpa. Descascava o alho, muito alho, seu tempero era muito bom. O cheiro do feijão sendo temperado depois de cozido era de dar fome até em estátua. Na hora do almoço, todos deviam estar à mesa pontualmente 12h30min, não importava desculpas. Dizia – Ensinei meus filhos assim e agora meus netos tem que fazer assim. Lúcida. Imponente. Escolhia sempre um de nós para lavar a louça. E era melhor lavar direito. De tarde tentava fazer crochê, mas já não tinha tanta destreza e logo ficava enfadada. Dormia cedo, no máximo 20h já estava deitada. Pena que não conheceu a sua nonagésima primavera, que pena! Querida vovó que saudade.