O armário de Geórgia



Geórgia é uma pessoa intrigante e interessante, embora não tenha sido sempre assim. Houve uma época em que ela era o sinônimo da desorganização. Tínhamos medo de abrir o seu armário porque de lá poderia sair qualquer coisa, tamanha desordem! Era uma mistura de tudo lá naquele espaço que ficava longe do alcance das vistas de todos. Por fora, sempre fora uma menina elegante, exibindo o guarda-roupa de grife e desfilando toda glamourosa suas sandálias de salto alto com as mais variadas cores de vestidos.

Geórgia só tinha um defeito: não se importava com mais ninguém a não ser ela mesma. Empinava o nariz e ia pra escola como se fosse para uma festa. Amava os brilhos nas roupas, nos sapatos, nos brincos e em todos os acessórios que poderiam compor sua performance. Com isto afastava as meninas e cada vez mais conquistava as amizades dos meninos. Popular entre os meninos, tornou-se namoradeira. Mas também escorregadia. Logo cansava dos namorados e os trocava como se fosse peça do seu vestuário.

O tempo passava e ela não firmava nenhum namoro. Impossível conseguir alguém com a mesma energia e disposição para acompanhá-la a todos os lugares que costumava ir. Shows, boates, micaretas. Não queria nem saber, fazia o que pudesse para estar em todo lugar...

Quando passou no vestibular sua família acreditava que ia mudar, ter mais responsabilidade e ser um pouquinho mais ordenada. Não daquelas organizações espartanas, mas que funcionasse com clareza. Porém ela continuava a não se importar com a bagunça que reinava em seu quarto. Seus livros viviam revirados e misturados com outros pertences que não tinham nada a ver. Ficavam numa miscelânea que dava dó de vê-los tão espremidos que em um simples olhar conseguíamos distinguir o seu pedido de socorro. Sua mãe sempre lhe dizia que enquanto ela não soubesse organizar suas coisas sua vida também não se comporia.

Geórgia seguia pela vida despreocupadamente, não tinha trato com nada que não fosse sua roda-viva. Mas o mundo dá e ao mesmo tempo toma, e com ela não seria diferente...

Certo dia Geórgia encontrou alguém que se identificava com ela. Claro, não com aquela vida desorganizada que levava, porque o ‘cara’ era superorganizado, estudioso e de todas as superqualificações, era lindo! Então as coisas começaram a fluir em sua vida. Começou a ser uma pessoa comedida, discreta, longe daquelas peças que a tornavam uma verdadeira ‘perua’. Aprendeu a ser sofisticada, combinando elegância e estilo. Sua aparência agora provocava suspiros pelos cantos, mas Geórgia só tinha olhos para o seu amado. Suas coisas aos poucos mudaram de lugares: sapatos na sapateira, vestidos em seus cabides, blusas sempre limpinhas e os livros até pareciam mais satisfeitos, agora numa estante, distante daquele ‘mafuá’ do armário que cheirava a desmazelo e imundície.

Depois de muitos dias de organização em suas tralhas e badulaques foi percebendo que tinha coisa que nunca usara, que muitas vezes comprara por impulso. Havia acessórios e roupas com etiquetas. Como pudera esquecer daquelas coisas!?

Separou tudo o que era necessário ao seu dia-a-dia e foi empilhando em sua cama. Deparando com tanta coisa que sobrara, pensava no que poderia ser feito... De repente, uma idéia despontou... Colocou-se a trabalhá-la com vontade ferrenha. Agora sua vida estava com uma agitação diferente. Não tinha mais tempo para as ‘baladas’ noturnas. E nem mesmo para aporrinhar a família com suas pequenas revoltas de adolescente tardia. Seu período de auto-afirmação tinha sido prescrito.

Seus amigos estavam curiosos por não a terem mais. Talvez nem tanto pela sua companhia, mas pelas contas e as corridas de táxi que ela sempre empenhava no pagamento. E começavam a perguntar uns para os outros: _ Sabem de Geórgia? Ela viajou ou está doente?

Bem, estes eram os amigos que só se encontravam na ‘night’, porque os amigos dela, de verdade, sabiam do grande segredo de Geórgia.

Ao se aventurar pela vida não teve dúvidas, tinha um faro para negócios que desconhecia. E ao iniciar seus estágios remunerados da faculdade começou a economizar. E, ao formar um bom capital resolveu investi-lo naquilo de que sabia e gostava: comprou acessórios, tecidos, contratou algumas costureiras e montou seu próprio atelier. Para surpresa geral, tornou-se uma empreendedora de calibre!

Seu atelier tinha uma clientela seleta e vez por outra uma colega aparecia e descobria seu segredo. E como a propaganda boca-a-boca, mesmo nos dias de hoje, ainda é infalível e útil, sua grife ficou conhecida e famosa.

Hoje é uma das prioridades da alta roda dizer que suas roupas, sapatos, bolsas, ou mesmo qualquer acessório foi comprado no atelier mais famoso da cidade: O Armário de Geórgia!