"Bom Demais Pra Ser Verdade."

- Cansei, minha querida. Cansei mesmo. Ele é muito bom, é bonitinho, bom de pegada, ótimo na cama, mas pra mim não dá. Não agüento homem bom demais, mole demais de coração. Nesses meses de namoro, que, aliás, terminei definitivamente ontem, já coloquei alguns apelidos nele: senhor Solidariedade, mister Prestativo, doutor Compreensão, e outros parecidos. Nunca vi coisa igual, Marlene! Ele se interessa pelos outros, por todos os outros, ajuda a quem pede e até a quem não pede, é generoso feito um santo. Deus que me livre e guarde de homem bom demais de coração. Meu pai era mais ou menos como ele, mas nem tanto quanto ele, e morreu na maior merda. Tô fora. Tô fora de vez.

- Não brinca, Luisa...Olha que ele é meu colega de trabalho e sempre o achei com a maior cara de estar sempre na dele, pouco ligando para a humanidade em geral. A única vez que o vi com os olhos brilhando foi quando você foi me buscar na repartição e ele a viu na porta. Ficou doido por você e me pediu que os apresentasse.

- Antes não tivesse feito, querida. Joguei alguns meses fora até me convencer que tenho que partir pra outra. Ou melhor, para outro. O Osmar já andou me dando umas cantadas e ele é do jeito que gosto: vive para ganhar, ganhar sempre e servindo o mínimo possível. É como eu quero e gosto: um homem esperto e que sabe das coisas. E você e o Gerson, como estão?

- Não estamos. Terminamos ontem. Chegamos à conclusão que não fomos mesmo feitos um para o outro. Cá pra nós, minha amiga, ele é muito parecido com o seu paquera, o Osmar.

- Cate o santinho pra você. Farão um belo casal. Você com esse seu jeito de madre Tereza de Calcutá e ele com aquele jeitão de “nasci pra servir”. Acho que serão felizes juntos. Ah, estou me lembrando...Você disse que antes o interesse dele era em você, mas como você parecia cada vez mais firme com o Gerson ele acabou desistindo. Agora vá lá e diga a ele que está livre. Tão livre quanto ele.

Alguns anos depois...

- Luisa, quanto tempo, minha amiga!! Nove, dez anos?

- Por aí, Marlene. Minha nossa! Como você está bonita, mulher!! Bonita e chique demais! Esse carrão maravilhoso é seu?

- Ganhei no mês passado. Presente de aniversário do meu “santinho”. Ainda se lembra de como você chamava meu marido quando ele era seu namorado?

- O "santinho" ficou rico? Duvido. Do jeito que esparramava dinheiro e favores para os outros...Você se casou mesmo com ele?

- Com a graça de Deus. Adoro o jeito que ele tem de ser, de viver e de agir. Amo aquele modo desinteressado que ele tem de ajudar o próximo. E foi ajudando o próximo que ele ficou mais do que milionário de repente.

- Não brinca!! Me conte como foi isso, menina!

-Estávamos indo para a casa da mãe dele na véspera de Natal, de três anos atrás, e de repente aconteceu um acidente feio com o carro que ia à frente do nosso. A coitada da motorista, uma senhora de idade, perdeu a direção e bateu com o carro em uma mureta. A batida foi tão forte que o tanque de combustível explodiu, mas em fração de segundos, antes que fosse tarde demais, meu marido retirou a mulher de dentro do carro. Ela escapou de morrer queimada por um triz, por um triz mesmo, e ele se arriscou demais, mas salvou a pobre mulher de morrer torrada dentro do carro. Uma morte que seria horrível.

- E daí? Ela era muito rica e deu aquele puta cheque milionário pra ele. Adivinhei?

- Não. Ela fez muito mais do que isso. Muito mais mesmo. Ela estava condenada por um câncer que havia se espalhado por todo seu corpo, tinha a expectativa de vida de apenas alguns meses de vida pela frente, era herdeira de uma empresa de grande porte e não tinha herdeiros diretos. Resultado: impressionada com o despreendimento dele, arriscando-se para salvá-al, deixou tudo que possuía para meu marido, para nós, e esse tudo representa muitíssimo mais do que você poderia imaginar. O valor desse carrão que você está vendo é o que se pode chamar de troco miúdo em relação ao que temos agora. Agora me conte como é que você e o Osmar estão indo.

- Não estamos indo. O Osmar já foi. Nós nos casamos, ficamos alguns anos juntos, brigamos muito e nos separamos há dois anos.

- Numa boa?

- Numa péssima. O espertalhão conseguiu provar que ganha uma mixaria por mês e me paga uma merda de pensão que mal dá pra sobreviver. O pior é que não consigo provar, de jeito nenhum, que o filho da puta daquele mau caráter egoísta ganha um dinheirão por fora. Egoísta, esperto e safado demais o desgraçado. Me deixou sozinha pra criar dois filhos com uma pensão que me obriga quase que a vender o almoço pra comprar o jantar.

- Quer que eu conte a meu marido sobre sua situação?

- Seria o maior favor do mundo, minha querida amiga. Seu marido é tão bom e prestativo...

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 09/05/2010
Código do texto: T2247418
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