Pequenos Contos - Tentou mas não conseguiu...

Pequenos contos.

Insignificantes...

Tentou e não conseguiu...

Seu nome era Sergio Myosan. Um nissei. Seus pais chegaram ao Brasil em 1948, depois da 2ª Guerra Mundial, como emigrantes. Instalaram-se nos arredores de Londrina. Trouxeram consigo uma muda de cerejeira, para lembrar a terra dos seus ancestrais – plantaram na frente da casa e uma bela arvore cresceu e todo ano lidamente florescia. Dedicaram-se ao cultivo de hortaliças, frutas e flores. Prosperaram. Tiveram oito filhos, bem programados nasciam de dois em dois anos, duas mulheres e quatro homens. Sergio foi o ultimo – nasceu em 1963.

O pai, que lutara no Exército Imperial Japonês, chegara a suboficial, incutia disciplina à pequena comunidade: horários, responsabilidades, limpeza meticulosa pessoal, da casa, do terreno, estudo, honra, família.

Sergio foi bom aluno – ótimo em ciências. Deslumbrava-se com o funcionamento de rádios e televisões, das máquinas, estava sempre mexendo nas que existiam em casa. Falava com desenvoltura o japonês e o inglês. Cursou uma escola técnica, economizou e com a ajuda dos pais e irmãos cursou informática na Universidade de Londrina. Fez concurso para técnico do Ministério da Ciência e Tecnologia, em Brasília. Foi aprovado, mudou-se para a Capital.

Sentia saudades de casa, da família, das rotinas de vida com que se acostumara como se fossem os padrões normais de comportamento. Destacou-se entre os colegas, que admiravam o japonês pontual, sério, simpático e competente – um bom colega. Pouco falava, nenhuma conversa, não tinha amigos, nunca tivera – a família, pais e irmãos bastavam. Morava num minúsculo conjugado no centro de Taguatinga, uma das cidades satélites, e o mantinha limpo, arrumado, com poucos móveis: uma cama, um rádio, uma televisão, minúscula geladeira, fogão de duas bocas e na única janela três jarros pequenos com orquídeas: uma roxa, outra amarela e outra rajada. Escrevia com freqüência para casa, cartas concisas com uma ponta de nostalgia. Ia muito ao cinema e ficava durante um bom tempo parado na janela, do seu apartamento, assistindo os esplendorosos nascer e por do sol, que só o Planalto Central pode oferecer. Nas folgas não sai de casa, só para compras e para correr – corria kilometros e então, suado, sorria. Cumprimentava os vizinhos com cerimônia, com leve curvatura do tronco. Não namorava, masturbava-se. Lia poesias, Confúcio, budismo.Praticava yoga, pois seu pai assim recomendara.

Não se sentia feliz. Vivia com dignidade e só.

Leu sobre os niseis, como ele, que tentavam a sorte no Japão – economizavam e voltavam com o suficiente para constituírem o seu próprio negócio ou por lá ficavam. Entusiasmou-se com a possibilidade, economizou, demitiu-se, comprou a passagem, despediu-se dos poucos colegas, deu as orquídeas para o casal de velhos seus vizinhos de porta, vendeu o escasso mobiliário, foi ver os pais e irmãos e os quatro sobrinhos que tanto amava. Embarcou tenso.

Ficou no Japão por cinco anos. Raras cartas deixavam transparecer a já antiga nostalgia, um estado de espírito permanente, desconforto e alguma desilusão com a experiência. Não estava no Brasil, não encontrara o Japão, continuava a procura da sua amada tão sonhada que não morava mais lá.

Voltou, fez concurso para o Banco do Brasil e foi designado para Corumbá, lá no Mato Grosso, fronteira com a Bolívia. Foi, apresentou-se, começou a trabalhar. Morava num hotel pequeno, com ventilador no teto do quarto que rodava a noite inteira refrescando um pouco o ambiente quente e úmido. Sergio, deitado, olhava o ventilador e deixava-se hipnotizar com o rodopio que ele imaginava ser sua vida girando, girando, girando. Então, exausto, dormia agitado.

Um dia não pareceu no trabalho. No dia seguinte também não.

Bateram na porta do quarto do hotel e ninguém respondeu.

Usaram a chave mestra e encontraram Sergio morto, com um tiro na cabeça.

No chão uma carta dirigida aos pais e irmãos. Uma única frase, escrita com letra segura: Queridos, desculpem, estou muito cansado... cremem meu corpo e espalhem as cinzas em volta da nossa cerejeira...

Eurico de A. N. Borba

Ana Rech, maio de 2010

Eurico de Andrade Neves Borba
Enviado por Eurico de Andrade Neves Borba em 11/05/2010
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