american dream

Americanismo

Qualquer estrangeiro recém-chegado ao Brasil,por exemplo,perceberia claramente nossa condição de colônia cultural dos Estados unidos.Observaria isso nas marcas de nossas roupas,veículos,eletrodomésticos e cigarros,nos dizeres das camisetas,nos nomes de alimentos,produtos de limpeza,lojas e bares,nas palavras que constam do nosso vocabulário habitual,nas musicas de FMs,no filmes e programas de TV em revistas etc.

No entanto la no Estados Unidos,nem sabe que exista Brasil,enquanto os brasileiros morrem de amores pela América ,e los outros cucarachos (barata em inglês),ficam aqui fazendo propaganda de graça ,para los gringos yanque,nos Brasileiros estamos impregnados da cabeça aos pés ,por dentro e por fora,de cultura norte americana,nos mesmos,mal nos percebemos como reflexos do processo de invasão cultural que estamos sofrendo há cerca de meio século.

Como tudo e todos que nos cercam refletem também essa invasão, não tem modelos diversos que nos sirvam de referencia para avaliar esse estado brasileiro de´´´americanização´´´

Alem disso não conhecemos devidamente nosso passado de modo a ter acesso a outra realidade histórica que possa testemunhar algum``modo brasileiro de viver´´que não seja o de nossa cultura invadida.

Vazios de lembranças ,carentes de passado,culturalmente marginalizados ate mesmos em

relação ao nosso próprio tempo,não sabemos o que fomos,não temos consciência daquilo em que nos tornamos nem percebemos o quanto e como poderíamos ser diferentes.

O cuidado com que a `` Historia Oficial``tratou de nos ocultar o processo de invasão do

pais pelas empresas multinacionais e da sua responsabilidade pelo atrofiamento de nossa

própria identidade cultural.

Vazios de lembranças ,carentes de passado,culturalmente marginalizados ate mesmos em

relação ao nosso próprio tempo,não sabemos o que fomos,não temos consciência daquilo em que nos tornamos nem percebemos o quanto e como poderíamos ser diferentes.

Associando-se ao capital estrangeiro,a alta burguesia brasileira tem se beneficiado tanto com a difusão do modo de pensar e agir característico da sociedade de consumo-veiculado

pelos os ´´enlatados`` norte-americanos quanto com as possibilidades de evasão da realidade que eles proporcionam.

O império americano

Bolsa de valores de Nova York USA.

No melhor de todos os seus romances históricos, Gore Vidal localiza a origem do projeto imperial americano no final do século XIX, na guerra hispano-americana e na presidência de Theodore Roosevelt, momento em que os Estados Unidos já eram a maior potência industrial do planeta. Mas na I Guerra Mundial, os Estados Unidos ainda não eram nem de longe uma potência militar, e em 1938, pouco antes de entrar na II Guerra Mundial, seu exército era menor do que o da Romênia. Só depois de Hiroshima e Nagasaki, e do fim da II Guerra Mundial, é que os Estados Unidos aparecem no cenário internacional como um poder incontrastável no campo militar, financeiro, produtivo e do conhecimento. Superioridade que lhes permitiu construir as bases materiais de um império informal

"baseado na projeção do seu poder militar a todos os cantos do mundo, e no uso do capital e dos mercados americanos para forçar uma integração econômica dos demais membros do sistema, a todo e qualquer preço (...) de tal maneira que uma década depois do fim da Guerra Fria, milhares de soldados norte-americanos, abastecidos com o armamento mais avançado do mundo, incluindo muitas vezes armas nucleares, estão estacionados em 61 bases militares 'complexas', instaladas em 19 países distribuídos por todo o mundo. Sendo que, se contabilizarmos qualquer tipo de instalação militar, o numero de bases chegará até o numero de 800."

(Johnson, 2000, p. 6 e 7)

Logo depois da II Guerra Mundial, o Império Americano nasceu, com alguma semelhança com os velhos impérios marítimos europeus na África e na Ásia, cuja estrutura de poder articulava-se através de redes militares, mercantis e financeiras apoiadas por “fortalezas” e “feitorias”. As feitorias foram substituídas pelas Grandes Corporações, e o dólar se transformou na moeda de referência do sistema monetário internacional, criado pelos Acordos de Bretton Woods, de 1944. O novo tipo de “império informal” de que fala Chalmers Johnson recusou qualquer tipo de dominação colonial explícita, mantendo os Estados e a estrutura hierárquica do sistema interestatal inventado pelos europeus, no seu “longo século XVI”. Manteve uma relação de hegemonia com relação a seus aliados europeus e construiu uma rede de Estados-satélites ou vassalos na Ásia e no Oriente Médio. Só na América Latina, este novo poder imperial americano foi exercido sobre um território contínuo, com a exceção de Cuba, depois de 1959.

Na década de 1970, este poder global dos Estados Unidos viveu um desafio e sua principal crise na segunda metade do século XX. Pode-se dizer, de maneira simplificada, que tudo começou com a derrota americana no Vietnã, seguida pelos sucessivos reveses da política externa dos USA durante a década de 1970: a vitória da Revolução Islâmica no Irã; a vitória Sandinista na Nicarágua; a crescente presença soviética na África e no Oriente Médio; e, finalmente, a invasão russa do Afeganistão. Um conjunto de humilhações que ajudou a eleger o conservador Ronald Reagan, e legitimou seu projeto de retomada da Guerra Fria — no início dos anos 1980 — seguido da expansão dos gastos militares do seu governo. Aí começa a “retomada da hegemonia americana” (Tavares, 1977), a partir de uma mudança na correlação interna de forças dentro dos Estados Unidos e da imposição da vontade política de uma nova aliança entre o capital financeiro, as grandes corporações e interesses mais diretamente ligados à guerra, e os setores mais duros ligados à administração da política externa norte-americana. Foi nesta década de 1980 que se deu a “restauração liberal-conservadora” da política econômica internacional, iniciada por Margareth Thatcher e Ronald Reagan, e rapidamente adotada ou imposta a quase todos os demais países capitalistas, produzindo uma rodada global de abertura e desregulação dos mercados. Portas abertas por onde avançou a globalização dos anos 80/90, uma verdadeira “revolução financeira” que teve um papel decisivo na redefinição do formato imperial do poder mundial americano, que ocorrerá na década de 1990. Nasciam ali, como irmãos gêmeos, o novo sistema financeiro mundial, que mudou de maneira radical a balança de poder entre as autoridades públicas e os agentes e mercados financeiros privados, e um novo sistema monetário internacional, o “sistema dólar-flexível’’, onde o dólar continua sendo a moeda internacional, “mas a ausência da conversibilidade em ouro dá aos USA, e ao dólar, a liberdade de variar sua paridade em relação às demais moedas dos outros países conforme sua conveniência, através da simples movida das suas taxas de juros” (Serrano, 1988). Um sistema em que o dólar deixou de ter qualquer padrão de referência que não seja o próprio poder norte-americano. A outra perna da retomada da hegemonia americana, nos anos 80, foi a “revolução militar”, promovida à sombra da Guerra nas Estrelas, e que mudou a concepção política e a base estratégica e logística do poder bélico dos USA. Uma mudança no campo da tecnologia militar cujos efeitos práticos, no campo de batalha e na política internacional, só ficaram visíveis na Guerra do Golfo, em 1991, e na Guerra do Kosovo, em 1999, quando se pode verificar a eficácia mortífera da nova maneira americana de fazer guerra, uma espécie de “guerra tecnocrática”, que dispensa cada vez mais a necessidade de soldados-cidadãos ou patrióticos. A possibilidade de fazer guerras à distância e sem perdas humanas e o controle de uma moeda internacional sem padrão de referência que não seja o próprio poder do emissor, mudaram radicalmente a forma de exercício do poder imperial americano sobre o mundo. Com a eliminação do poder de contestação soviético e com a ampliação do espaço desregulado da economia mundial de mercado, criou-se um novo tipo de território submetido à senhoriagem do dólar e à velocidade das intervenções teledirigidas das suas forças militares.

Estas mudanças ocorreram todas na passagem da década de 1980 para a de 1990 e coincidiram com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética e da Guerra Fria. A I e a II Guerras Mundiais, assim como a Guerra Fria, podem ser lidas como parte de uma mesma "guerra civil" européia, quase contínua, que se estende desde o século XV. Mas a Guerra Fria não teve nenhuma batalha na Europa e terminou no Iraque, na forma clássica das "guerras imperiais", e sem a participação direta da URSS. Como conseqüência, não houve, em 1991, nada parecido com os acordos interestatais assinados na Paz de Westphalia, de 1648; no Congresso de Viena, de 1815; no Congresso de Versailles, de 1918; ou mesmo nas reuniões inconclusivas de Yalta e Potsdam, de 1945. Não foram definidas as novas regras em que se fundamentaria a governance global. Mesmo que todos reconhecessem a superioridade inconteste do poder militar, financeiro e informacional dos Estados Unidos, não se estabeleceu nenhum princípio normativo, nem acordo operacional, sobre o uso das armas e da violência e da guerra; sobre a criação e legitimidade das novas leis internacionais; nem tampouco sobre o funcionamento do novo sistema financeiro global. Estas regras vinham sendo decantadas dentro do establishment da política externa norte-americana, e foram precipitadas pelos atentados terroristas de 2001. Por isto, o 11 de setembro se transformou num desses acontecimentos que clarificam e precipitam decisões responsáveis por uma mudança brusca de rumo, mas que na verdade já vinha sendo implementada, ainda que de forma mais lenta. Para onde estarão apontando estas mudanças, no longo prazo? Qual o seu significado para o futuro do projeto imperial americano, nas primeiras décadas do século XXI?

Henry Kissinger sugere uma resposta, no seu livro "Diplomacia", ao sustentar a tese de que o establishment norte-americano sempre esteve dividido e oscilando, desde o final do século XIX, entre duas grandes concepções sobre o que deveria ser a política externa dos Estados Unidos. A primeira — inaugurada pelo presidente Theodor Roosevel (1901-1908) — partidária de uma presença ativa dentro do jogo político mundial, orientada pelo interesse de Estado americano e pela concepção européia do equilíbrio de poder. E a segunda — fortemente identificada com o presidente Woodrow Wilson (1913-1921) — partidária de uma liderança global dos Estados Unidos, mas baseada na superioridade das virtudes e na defesa dos valores fundamentais da sociedade e do sistema político americano. A primeira, mais conservadora, sempre viu os Estados Unidos colocados na posição de "farol do mundo", e por isto, na prática, tendeu ao isolacionismo. A segunda, entretanto, apesar de liberal, acabou patrocinando várias intervenções salvacionistas pelo mundo. Segundo Kissinger, estas duas posições se alternaram no poder durante o século XX, na forma de um movimento pendular que ora deu a vitória ao "realismo" de Nixon, Reagan e Bush, ora ao "idealismo" de Kennedy, Carter e Clinton.

O que o modelo de Kissinger não consegue explicar, entretanto, é a própria variação no movimento pendular ou a passagem de um para o outro tipo de política externa. Além disto, se a sua descrição cabe como uma luva na política democrata dos anos 90, o mesmo não se pode dizer com relação à nova política republicana, depois do 11 de setembro de 2001. Ninguém duvida que a "era Clinton" foi rigorosamente idealista e messiânica, na sua defesa universal do liberalismo econômico e político; dos mercados e da democracia; dos direitos humanos e das "intervenções humanitárias"; dos regimes e dos sistemas colegiados de governança global. E foi rigorosamente liberal na sua aposta, depois do fim da Guerra Fria, na utopia da globalização e num sistema mundial de segurança coletiva, sob hegemonia americana. E não há dúvida de que logo depois da sua posse, em janeiro de 2001, os primeiros passos externos da Administração Bush pareciam apontar para um novo período de isolacionismo arrogante e exemplar. Depois do 11 de setembro, entretanto, a Doutrina Bush de combate ao terrorismo transformou o "interesse nacional americano" no princípio legitimador de um novo tipo de intervencionismo político-militar, que se propõe ser permanente, preventivo e global. Diferente da escalada anticomunista do período Reagan, porque naquele caso se tratava de um inimigo perfeitamente identificável, e que seguia sendo o mesmo desde 1947: o comunismo em geral, e a União Soviética em particular. Junto com Reagan, Bush também propôs uma divisão do mundo entre o bem e o mal, mas sua guerra é contra um inimigo invisível e que não se identifica com nenhum estado em particular. Apesar disto, ela também se propõe levar aos extremos o enfrentamento supondo que o inimigo invisível e universal possa ser destruído, como no caso das "guerras absolutas". Este paradoxo é que explica o fato de que estejamos frente a uma guerra que não pode ter fim e que será cada vez mais extensa: basta ver que no início se tratava de destruir a rede do Al-Qaeda e o regime Talibã do Afeganistão, mas hoje as tropas americanas já estão presentes — em nome da mesma guerra — na Argélia, Somália, Iêmen, Afeganistão, Filipinas, Indonésia e Colômbia. A própria definição do inimigo já foi modificada três vezes pelo menos, depois do 11 de setembro: primeiro foram as "redes terroristas"; depois, o "eixo do mal", constituído pelo Iraque, Irã e Coréia do Norte; e agora, os "estados produtores de armas de destruição de massa", categoria que inclui — neste momento — quase todos os aliados americanos na guerra do Afeganistão.

Na nova doutrina, o adversário não é uma religião, ideologia, nacionalidade, civilização ou Estado, e pode ser redefinido a cada momento, sendo portanto "infinitamente elástico". Por trás desta elasticidade, entretanto, o que se está assistindo é um deslizamento do objetivo central da Doutrina na direção de uma estratégia de "contenção universal" cujo objetivo último é impedir o aparecimento, em qualquer ponto do mundo, e por um tempo indefinido, de qualquer outra nação ou aliança de nações que possa se transformar numa grande potência, capaz de rivalizar com os Estados Unidos. Uma estratégia de "contenção", como a que foi proposta por George Kennan — com relação à União Soviética — e adotada pelos Estados Unidos, depois de 1947. Agora, contudo, o que está sendo proposto, não é mais a contenção de uma ideologia ou de um Estado nacional em particular, é o bloqueio ou destruição preventiva de qualquer tipo de poder que se proponha competir globalmente com os Estados Unidos. É isto que explica o fato de que a Doutrina Bush tenha deslocado seu foco na direção de um inimigo que, ao fim e ao cabo, pode ser qualquer Estado — mesmo que seja um aliado — que demonstre intenções expansivas. É por isto que os Estados Unidos não assinaram o "Tratado de Não-Proliferação de Armamento Nuclear", abandonaram o "Tratado Anti-Mísseis Balísticos" e decidiram construir um "Escudo Anti-Mísseis". Em todos os casos, foram decisões destinadas a enviar uma mensagem muito clara ao sistema político mundial. A de que estão dispostos e vão manter uma dianteira tecnológica e militar inquestionável com relação a todos os demais Estados do sistema. Uma distância que dará aos Estados Unidos, por um tempo indeterminado, o poder de arbitrar isoladamente a hora e o lugar em que seus adversários reais, potenciais ou imaginários devam ser "contidos", através da mudança de regimes e governos ou através da ação militar direta.

Talvez seja este o único ponto de contato entre a nova doutrina estratégica imperial e algumas áreas periféricas, como América do Sul e Brasil, que estão situados fora da zona potencial de conflito, e que portanto carecem de importância estratégico-militar ou mesmo política, para o império. Não tiveram quase nenhuma durante a Guerra Fria, com exceção da América Central e do Caribe por conta da Revolução Cubana e das intervenções americanas na década de 80, na ofensiva anticomunista da Administração Reagan. A política da nova Administração Bush repercute sobre o continente apenas enquanto recoloca a possibilidade de apoio norte-americano a mudanças inconstitucionais de governos e regimes, feitas à sombra da guerra contra o narcotráfico ou contra “focos terroristas”, definidos e identificados pelo próprio governo americano, sem consulta aos governos locais.

O fim do Sonho Americano hoje.

No calor dos acontecimentos é difícil, temerário e imprudente estabelecer conclusões ou ensaiar possíveis desdobramentos para o que ocorre ainda nos Estados Unidos depois do fiasco eleitoral .Nunca a democracia americana demorou tanto para declarar um resultado oficial para as eleições. E chegou demorar mais uma semana, mesmo que, inicialmente, o resultado da Flórida estava previsto para 3 dias. Os dois principais candidatos, contudo havia prometido recursos à Justiça, seja qual fosse o resultado final a ser proclamado, o que obviamente revelava que havia uma crise institucional a caminho.

Mesmo cedo para se adiantar conclusões sobre os desdobramentos imponderáveis que a questão pode ter, que se reconheçam a gravidade e o ineditismo da crise em crescimento nos Estados Unidos. Em alguns setores da sociedade americana, já se detectam sinais de grande preocupação com o que está acontecendo, pois o episódio pode determinar o início de novo e surpreendente ciclo de desventuras para aquela que é apontada como uma das mais sólidas democracias do planeta.

Análises cuidadosas preenchem grande parte do farto noticiário que o caso vem provocando, e não apenas na mídia americana. As raízes da bicentenária democracia americana são lembradas para afastar, como iminente, uma única possibilidade de o empate técnico atual dos votos determinar possível ruptura no processo. No entanto, como dissemos inicialmente, qualquer veredicto deve criar dificuldades igualmente inéditas ao próximo presidente da maior potência do planeta.

Não há como afastar, contudo, que a democracia americana vive seu maior desafio desde a declaração de independência das 13 colônias que se juntaram para formar os Estados Unidos da América do Norte, em 4 de julho de 1776. O sistema, como se vê, é retrógrado e paradoxal, pois permite que um candidato que não tenha obtido a maioria dos votos diretos acabe escolhido pelo colégio eleitoral de 538 votos, que, segundo a Constituição, é quem realmente elege o presidente.

Nação de poderio sem igual em termos militares, tecnológicos e econômicos, os Estados Unidos estão no chamado "olho do furacão", numa inesperada crise política de desdobramentos imprevisíveis. Como os americanos sempre souberam tirar lições de suas crises, como a que determinou a guerra civil de 1860, o macarthismo, na década de 1950, ou a luta pela integração social dos negros, nas décadas de 1960 e 1970, é de se esperar que também no desafio jurídico-institucional de agora saibam encontrar solução rápida e satisfatória.

Um dos possíveis desdobramentos - este positivo para o resto do mundo - seria os Estados Unidos, em razão da crise política, deixarem o pedestal em que se encontram e olharem e ouvirem o que o resto do mundo tem a dizer e a ensinar. O imperial domínio da Roma moderna pode estar mais do que em jogo..

Pode simplesmente, a partir daqui, conhecer novos tempos, menos gloriosos e talvez mais adequados a um mundo em que o poder deve ser mais bem compartilhado.

A crise americana pode determinar o início de um novo ciclo da história, em que o poder imperial e olímpico da nação mais rica e importante do mundo seja compartilhado por outras nações

O pesadelo americano

Pan-American

Para os pesquisadores norte-americanos Lawrence Harrison, do MIT, e Stephen Haber, da Universidade de Stanford, as causas do atraso socioeconômico da América Latina devem ser buscadas nos próprios países e não fora deles.

Da Reportagem Local .Dois livros lançados nos Estados Unidos por acadêmicos

de alguns dos mais importantes centros de pesquisa norte-americanos pretendem enterrar a explicação clássica para o atraso socioeconômico da América Latina em relação ao norte do continente.

Com argumentações diferentes, Lawrence Harrison, doMassachusetts Institute of Technology (MIT), e Stephen Haber,da Universidade de Stanford, sustentam que a Teoria da Dependência está errada.

Eles rejeitam a tese de que os países latino-americanos ficaram para trás na corrida do desenvolvimento por causa de influências estrangeiras. Para ambos, o problema está na própria América Latina, não fora dela.Mais polêmico e propagandístico, Harrison defende em seu "The Pan-American Dream" (literalmente, "O Sonho Pan-Americano")a hipótese de que a principal causa do subdesenvolvimento dospaíses hispânicos e do Brasil é a sua cultura.Segundo ele, a tradição "ibero-católica" é particularmente inclinada ao autoritarismo, à injustiça e contrária ao livre mercado.

Em contraponto, Harrison destaca os valores culturais que, afirma, levaram os países do Primeiro Mundo ao sucesso: ética do trabalho, educação e senso de comunidade, entre outros.Com uma teoria mais acadêmica, Haber apresenta uma longa série de dados analisados por um método que o livro denomina

"nova história econômica" para dar sua explicação de como a América Latina ficou para trás -este é, por sinal, o título de seu livro: "How Latin America Fell Behind".A premissa da coletânea de ensaios organizada por Haber é a de que os USA abriram uma dianteira em relação aos vizinhos latinos durante o século passado principalmente por causa de leis e meios de transporte mais favoráveis à formação do mercado interno."Em 1800, a renda 'per capita' dos USA era duas vezes a mexicana e quase igual à brasileira. Em 1913, o Produto InternoBruto 'per capita' americano era quatro vezes maior do que o do

México e sete vezes superior ao do Brasil", constata o livro.Apesar de apresentarem pontos de vista muito diferentes em seus textos, tanto Haber quanto Harrison descartam a Teoria da Dependência, que deixou famoso o sociólogo Fernando Henrique

Cardoso.

Em entrevista à Folha por correio eletrônico (leia à pág. 5-6),Harrison escreve que a Teoria da Dependência perdeu suareputação hoje e que os países latino-americanos aprenderam a apreciar o livre mercado e os investimentos externos."O medo da 'dependência', que levou muitos dos países

latino-americanos para longe do mercado mundial e dos USA, e os aproximou do socialismo, foi extremamente custoso para a América Latina", afirma.Haber vai mais longe. Para ele, a adoção de uma tese contrária à elaborada por Fernando Henrique é uma tendência no meio acadêmico. Em entrevista à Folha, também por e-mail (leia à pág.5-6), o vice-diretor de Ciências Sociais de Stanford é categórico:

"Nos anos 70 e 80, a Teoria da Dependência foi o ponto de vista dominante para as causas do subdesenvolvimento

latino-americano. Não há virtualmente nenhum acadêmico sério da América Latina que ainda acredite que a dependência pode explicar o fosso de desenvolvimento entre as maiores economias latino-americanas e os USA".A dura crítica dos norte-americanos ao trabalho do sociólogo se transforma em elogio ao desempenho de Fernando Henrique como presidente. "A abertura da economia ao comércio exterior e à entrada de capital estrangeiro aponta para outro caminho: a rejeição ao principal preceito da dependência", afirma Haber.Harrison apresenta uma explicação para essa guinada de Fernando Henrique. "Acredito que o presidente Cardoso tenha concluído que sua defesa da Teoria da Dependência e do socialismo estava errada e que o capitalismo democrático é o melhor (ou menos ruim) caminho para organizar as sociedades humanas."E acrescenta: "Sua evolução filosófica/ideológica é semelhante à de vários outros intelectuais e políticos latino-americanos".Apesar de estarem em ascensão, as visões apresentadas nos livros de Haber e Harrison estão longe de serem unânimes,mesmo entre intelectuais da América do Norte.O canadense Ted Hewitt, vice-diretor do departamento de sociologia da Universidade de Western Ontário, por exemplo, é um dos críticos à idéia de que diferenças culturais bastam para explicar a defasagem socioeconômica latino-americana."A Teoria Cultural é muito popular, algo que muitos gostariam deouvir nos USA. Mas, na verdade, as coisas não são tão simples assim. A América Latina sofreu desvantagens que atrapalharam seu desenvolvimento", disse Hewitt em entrevista à Folha, por telefone."Não acredito na Teoria da Dependência, mas reconheço que muitas coisas de que ela fala atrapalharam o desenvolvimento da América Latina, assim como questões culturais, econômicas e até

geográficas, como a distância dos mercados europeus".Pesquisador especializado no Brasil, o canadense lembra que a explicação com ênfase na cultura "ibero-católica" não é nova."Nos anos 50, 60, Frank Tannenbaum já dizia isso".Em sua resenha sobre o "Pan-American Dream", o brasilianista

norte-americano Kenneth Maxwell anota logo na abertura: "É curioso como as interpretações culturalistas sobre as diferençasdo desenvolvimento humano estão novamente em voga nos USA no final do século 20, assim como estavam quando o século começou".Com ironia, ele resume o argumento de Harrison em uma frase:quanto mais os latinos se tornarem norte-americanos, melhor funcionará a integração regional, "a menos, é claro, que nós nos tornemos como eles (latinos)". "Quem estudou o Brasil sabe que o brasileiro é trabalhador. Tem vontade de ir para frente. A América Latina tem empreendedores,mas enfrentou problemas financeiros e até dificuldades para entrar no mercado dos USA (por protecionismo), por exemplo",acrescenta o canadense Hewitt.Do ponto de vista econômico-cultural, Hewitt assinala que nos USA e no Canadá sempre houve uma agricultura de pequenos produtores, em contraste com os latifundiários da América Latina."Os pequenos fazendeiros exigem mais liberdade e democracia. Já a América Latina virou uma sociedade de elites que, de certo modo, não queriam desenvolver seus países. Quando a população está subordinada às elites, ela não participa da vida política do país", afirma.Ele cita um exemplo doméstico canadense: "Até os anos 60,Québec era uma sociedade elitista, e a província se tornou atrasada do ponto de vista socioeconômico". Coincidência ou não, Québec foi colonizada por latinos (franceses).As discordâncias prosseguem entre os próprios autores. Harrison reconhece ter visto dados que corroboram as conclusões de Haber -de que a América Latina perdeu o bonde da história no século passado.Mas logo ressalva: "Seria incorreto concluir que a performance econômica da América Latina no século 20 tenha sido satisfatória. É mais fácil para os países pobres atingirem altas taxas de crescimento, particularmente quando têm acesso aos mercados, capital e know-how dos países ricos".Sobre as teses de Harrison, de que a cultura ibero-católica é acausa do subdesenvolvimento, Haber afirma: "Não estou certo de que seja verdade. A França, afinal, é um país católico. Há ainda um bom número de países que, sob o domínio britânico, não se desenvolveram, como a Índia".Certas ou erradas, novas ou requentadas, as teorias norte-americanas sobre as razões do subdesenvolvimentolatino-americanos são cada vez mais relevantes diante da perspectiva de formação de um bloco econômico continental.Se não por outro motivo, porque, sendo os USA cada vez mais hegemônicos no cenário mundial, sua visão sobre o passado e o futuro dos vizinhos latinos tem grande chance de ser a mais propagandeada no processo de globalização.Não por acaso, em seu "Pan-Americam Dream" Lawrence Harrison embute uma crítica à maneira como o Departamento de Estado dos USA está conduzindo as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).Com a experiência de quem chefiou cinco missões da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional entre 1965 e 1981, ele diz que os USA devem resistir à sua tendência histórica de anunciar grandes iniciativas, como a Aliança para o Progresso."(Os USA) devem trabalhar em silêncio e persistentemente por um progresso passo a passo na consolidação de instituições democráticas, abertura dos mercados e a integração das economias do hemisfério", sugere.Em outras palavras, ele recomenda, mais do que a grandiloquência da Alca, uma política de agregação individual de países ao Nafta (mercado comum que inclui USA, Canadá e México).Ao final de sua teoria, Harrison encontra os USA e o Canadá "mais compatíveis, mais confortáveis" um com o outro, com a Europa e até com os países asiáticos do que com a América Latina.

Apesar das guinadas recentes dos países latino-americanos para a economia de mercado e a democratização, Harrison aposta que essa transformação ainda vai precisar de mais uma década para se

consolidar. Até lá, o Brasil e seus vizinhos hispânicos correm o risco de, se prevalecer o ponto de vista de Harrison, permanecerem na periferia mundial. Com globalização e tudo.

Cresce número de brasileiros presos nos USA

Cerca que separa os territórios de EUA e México

Prisão da Califórnia onde a maioria dos preso brasileiro ficam aguardando para serem deportados.

O número de brasileiros presos ao tentar atravessar a fronteira dos Estados Unidos com o México está aumentando, segundo as autoridades que controlam a fronteira entre os dois países.

Só no sul do deserto do Arizona, 460 brasileiros foram presos tentando entrar no país nos sete primeiros meses deste ano. O número é 25% superior ao total de brasileiros presos no ano passado nesta região.

Esse aumento pode estar relacionado à ação mais intensa dos traficantes de imigrantes no Brasil, principalmente em estados como São Paulo, Goiás e Minas Gerais.

Segundo o porta-voz da Patrulha de Fronteira, Rob Daniels, viagens mais longas são mais lucrativas para os traficantes, o que poderia ser uma das razoes pelas quais a chamada máfia dos "coiotes" está se estabelecendo no Brasil.

Dívida

O mineiro Leonardo, 24 anos, saiu da cidade de Alvarenga no início de julho e hoje estáem Boston, nos Estados Unidos, onde trabalha cerca de 80 horas por semana para pagar uma dívida de US$ 5 mil que tem com a máfia dos coiotes.

Ele faz parte de um grupo de milhares de brasileiros que pagaram de US$ 6 mil ate US$ 13 mil para os traficantes para atravessar a fronteira do México com os Estados Unidos ilegalmente.

O esquema envolve mexicanos e brasileiros que organizam toda a viagem do imigrante: de São Paulo até alguma cidade americana, principalmente, Houston, no Texas.

Geralmente, o imigrante paga metade do valor antes e durante a viagem. A outra metade é paga depois que a pessoa já está nos Estados Unidos.

"Eles pedem vários tipos de garantia para não levar calote do imigrante. Sabem onde minha família mora, não me arriscaria a não pagar. A gente, no entanto, não tem garantia nenhuma de que o esquema vai dar certo", disse Leonardo.

Ele caminhou pelo deserto, passou fome e cruzou rios a nado durante os 12 dias da viagem que começou em São Paulo.

"Meu esquema custou US$ 10 mil, mas tem gente que paga mais. Hoje, é muito fácil encontrar representantes do esquema em qualquer esquina do Centro de São Paulo, por exemplo", contou.

"O dinheiro inclui a passagem para o México e, supostamente, hotéis e comida. Mas a verdade é que passei fome e tive que dormir em um trailer por quatro dias no meio do deserto com outras 17 pessoas.”

"Ossos no caminho"

O grupo de 15 imigrantes ilegais, incluindo o "coiote", caminhou durante quatro dias pelo deserto.

Relatos do grupos:

"Nos escondíamos durante o dia e caminhávamos durante a noite", disse Leonardo, que estava acompanhado de outros cinco brasileiros.

Ele, que trabalhava como radialista em Minas Gerais, disse que, em diversos momentos, teve medo de morrer.

"Vi ossos humanos no caminho e percebi que, se você morre ali, ninguém vai te levar, você vai ficar no deserto sem que sua familia saiba o que aconteceu com você. Mas meu maior medo era da imigração", disse Leonardo.

Ele já havia sido preso uma vez ao tentar atravessar a fronteira ilegalmente.

"Já havia tentado entrar nos Estados Unidos por aviao, mas fui deportado. Decidi apelar para os coiotes. Mas no meio da viagem, estava cruzando um dos canais a nado, puxando uma peruana que estava numa bóia. Quando chegamos do outro lado, fomos presos", disse.

"A situação das mulheres é muito perigosa. Muitas vendem o corpo para atravessar a fronteira, mas muitas outras acabam sendo estupradas."

"Conheci na prisão uma guatemalteca que estava com problemas físicos e psicológicos, depois de ter sido estuprada por 15 homens durante a travessia", disse.

"É muito sofrimento, mas estar aqui compensa tudo isso", completou Leonardo que, por temer as autoridades de imigração americanas, pediu que apenas o seu primeiro nome fosse publicado.

Esposa e filho fazendo visita ao pai na cadeia.

Catorze milhões de americanos serão presos em algum momento de suas vidas.

Quase 2 milhões estão trancados em prisões neste instante.

Três mil e seiscentos vivem em celas no "corredor da morte".

“Keep marching Black People. Black Power!

Keep marching Black People.

They are killing me tonight.

They are murdering me tonight.”

(Trecho da declaração final de Shaka Sankofa, executado no Texas, ano passado, sob dúvida de ser inocente.)

Relato de Uma Americana Indignada

Consegui trabalho na escola pública de 3º grau em Tempe, cidade satélite de Phoenix, Arizona. Monto os pacotes com materiais e apostilas usados pelos alunos e os mando pelo correio. São 10.000 estudantes. Logo nos primeiros dias, comecei a notar que alguns endereços não exibiam nomes de ruas, mas seqüências de códigos na horizontal. Eram números de celas e prédios nos quais se encontram milhares de presos-estudantes das penitenciárias nos Estados Unidos. A democracia americana prende hoje mais do que qualquer regime, registrando a maior população carcerária do mundo. Aqui se prende mais do que na China, com 1,4 milhão, e na Rússia, 1 milhão, segundo e terceiro colocados, conforme dados da organização Human Rights Watch, do Worldwatch Institute e Research, Development and Statistics Directorate. São 1.860.520 americanos encarcerados, informa o Departamento de Justiça. Mais do que em toda a União Européia. A cada semana, 1.122 novos prisioneiros. O governo americano prevê que ao fim deste ano serão 2 milhões. E o número de presos nos chamados "corredores da morte" havia chegado, em julho passado, a 3.682. O governador que permitiu mais execuções na história do país se elegeu presidente: 150 pessoas morreram nos seis anos de mandato de George W. Bush no Texas.

Moralismo, racismo e leis extremamente duras ajudam a construir esta nação de jaulas. A doutora Donna Hamm, advogada e juíza aposentada se mostra indignada: "Da maneira como o nosso sistema de Justiça funciona, tenho vergonha de ser americana, em parte pelo vasto e problemático uso da pena de morte, mas os problemas se espalham por quase todos os aspectos da justiça criminal". Ela trabalha no auxílio à massa de gente trancafiada e às famílias órfãs do lado de fora. Seu Estado, o Arizona, é o sexto que mais prende. A doutora chegou a ser algemada e humilhada enquanto brigava pelos clientes. No início dos anos 80, se apaixonou, trocou cartas e se casou com James Hamm, 52 anos, um ex-presidiário condenado por assassinato que teve a pena de prisão perpetua revista, se formou sociólogo ainda na cadeia, quando saiu estudou direito e agora tenta uma autorização da ordem dos advogados do Arizona para exercer a profissão.

São dois jovens avós. A ex-juiza é diretora executiva da associação que ajudou a fundar em 1983, a Middle Ground, que luta pelos direitos dos presos e ex-presos em três campos: na educação, reivindicando oportunidades de estudos; na corte, em litígios; e no poder legislativo. Os dois trabalham juntos, e outro papel importante que desempenham é o aconselhamento emocional às famílias que estão desmoronando. Ela fala da associação: "Middle Ground significa meio da rua, isso quer dizer equilíbrio, ser balanceado. Não suportamos extremos: tanto esses que pensam que não deveria existir prisão, como aqueles que acreditam que quase todo mundo que comete um crime deveria ir automaticamente para a cadeia. Apoiamos a justiça restaurativa, a punição não deveria responder só à sociedade e à vitima, mas recuperar o delinqüente também."

O casal recebe mais de trezentas cartas por mês de presos do Arizona. O escritório funciona na confortável casa em que moram, na rua do Encanto, próximo à universidade do Estado. Sentamos na sala de onde posso ver a piscina. James Hamm com a palavra. "Nós, americanos, nos sentimos culpados porque tem gente mundo afora que não tem nem uma refeição por dia, e daí somos severos com quem não aproveita as chances de nossa sociedade; punimos e perseguimos os membros mais fracos, selecionados friamente, e os tratamos de maneira miserável."

Não foi só a politicagem, como alegam autoridades americanas, que acabou de excluir os Estados Unidos do Comitê de Defesa dos Direitos Humanos da ONU. "Violações são cometidas por autoridades federais, estaduais e locais. Cortes, setores administrativos e legisladores foram incapazes de assegurar as mudanças necessárias nas leis e práticas que as alinhassem com os padrões internacionais", afirma relatório da Human Rights Watch. O abuso começa com maus-tratos nas ruas, segue nas prisões e culmina na política oficial de execução do condenado. O governo americano assina mas não segue a Convenção de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção contra Tortura. Tem dificuldade em justificar, perante as convenções internacionais, a desumanidade e as falhas da Justiça que aplica a pena capital. Mais de 4.500 presos foram executados de 1930 — quando o governo começou a contar — até hoje. Junto ao Irã, Nigéria, Paquistão, Arábia Saudita e Iêmen, os USA integram a lista dos seis países que matam pessoas que cometeram crimes quando menores de idade, violando os tratados internacionais. "Diria que, pelo menos, os outros países não se exibem por aí, batendo no peito como se fossem os líderes mundiais dos direitos humanos. Fazemos isso e não somos... Devíamos ser", lamenta a doutora Donna.

Guardas despreparados, violência sexual, rebeliões, drogas, guerras de etnias, gangues e famílias inteiras separadas por grades formam o cenário de um sistema sobrecarregado. A população das prisões cresce mais rápida do que a população que está do lado de fora. Em 37 Estados, já não há mais onde guardar gente.

Enquanto, em 1990, de cada 218 americanos um estava na prisão, a partir de 1999 a proporção mudou para 147 cidadãos livres para um trancafiado. Só a Califórnia, com seus 160.000 prisioneiros, supera o número de Grã-Bretanha e Alemanha somadas — o sistema prisional brasileiro inteiro conta 200.000 enjaulados. Se a Califórnia tem a maior população carcerária, o Texas, do presidente Bush, tem a que mais cresce: em menos de um quarto de século, cresceu 500 por cento. Catorze milhões de americanos estão condenados a passar algum tempo de suas vidas na prisão a partir da hora em que nascem.

Racismo e discriminação fazem das minorias pobres de origem africana e latina os maiores alvos. Apesar de os negros representarem 12 por cento da população do país e os brancos 71 por cento, os negros são quase a metade da população carcerária. Um em cada três negros em torno de 20 anos de idade vive hoje trancafiado, ou em regime probatório, ou condicional, ou aguardando julgamento. Dados do Departamento de Justiça mostram que as chances de um negro ir para a cadeia são seis vezes maiores do que as de um branco não-latino. Negros jovens sem prisões anteriores dão entrada em penitenciárias com freqüência 48 vezes maior do que jovens brancos. Um levantamento do governo federal, divulgado em setembro do ano passado, mostrou que 74 por cento dos condenados nos últimos cinco anos, cujos promotores recomendavam a pena capital, pertenciam a minorias. O grau de encarceramento ressalta a desproporção: de cada 100.000 negros, 3.253 estão na prisão, enquanto são 491 de cada 100.000 brancos.

Os negros constituem quase a metade das condenações estaduais por posse de droga, apesar de representarem 15 por cento do total de usuários (Human Rights Watch).

A doutora Donna conhece bem essa história. "Um clássico exemplo de discriminação da lei: se você é condenado por usar crack, freqüentemente consumido pelas minorias porque se compra uma pequena quantidade por 20 dólares, e fica-se ‘alto’ a noite inteira, a sentença é cinco vezes mais dura do que a de quem cheira cocaína, droga usada principalmente pela classe média, classe alta, gente branca." E continua: "O povo de Scottsdale (área rica da grande Phoenix) cheira cocaína em festas à beira da piscina muito mais resguardado da ação da polícia do que alguém em pé, na rua, numa vizinhança pobre." Existe uma tendência geral de a polícia e os órgãos de informação concentrar esforços em bairros pobres de latinos e negros, não só na guerra às drogas.

A minoria não é maioria apenas na prisão, é maioria também na pobreza. Enquanto 23 por cento de toda a população negra e 22 por cento da população hispânica são pobres, não mais de 7 por cento da maioria branca vive em estado de miséria (censo americano). "Você pode falar tudo o que quiser sobre comportamento individual, mas encarceramos crianças pobres por coisas pelas quais crianças da classe média recebem aconselhamento", afirmou recentemente Connie Rice, uma advogada de direitos civis de Los Angeles.

Cada um dos grandes Estados do mais rico dos países tem seus bolsões de pobreza, guetos formados em grande parte por minorias. Harlem, Bronx, South Central Los Angeles, Frenchtown... Dali, muitos escorregam direto para a prisão. "Para quem cresce em outras vizinhanças, férias são passar uma ou duas semanas com a família. Aqui, as nossas férias chegam quando a gente é trancado na prisão", disse Gerardo López, 22 anos, ex-membro de gangue em Los Angeles, em depoimento à imprensa americana. O cenário não muda muito: cortiços semidestruídos, janelas quebradas, a falta de uma porta, uma parede, telhado... Bolsões em cidades como Nova York, New Jersey, Orange, Philadelphia, Chicago acumulam construções cinza, umas sobre as outras. Citando o rapper Mano Brown: "Periferia é periferia, em qualquer lugar".

Estive em South Phoenix, área pobre da capital do Arizona, no início de março. Fui em busca de um exemplo de família negra ou latina esfacelada pelo sistema. Tinha marcado encontro no complexo esportivo do Exército de Salvação com um detetive de polícia que prometera me apresentar alguém. Era noite, mas dava para ver as casas mal-acabadas, cercadas por inúmeros desmanches de carros. Começou a chover, raridade no deserto de Sonora. Abri, por engano, uma porta blindada, parecia de cofre — era da igreja do Exército de Salvação, protegida de eventuais pecadores. Assim como Los Angeles, Phoenix tem as suas gangues. Nas quadras esportivas, uma maioria latina e negra. No campo de futebol, ponto de encontro com o policial, ninguém, por causa do tempo ruim, nem ele. No dia seguinte, liguei. Em vez de indicar uma família, me deu o telefone da doutora Donna.

A quantidade de crianças com pai ou mãe na cadeia, ou ambos, é de 1,5 milhão — 2 por cento das crianças americanas, segundo o Departamento de Justiça. Quando pais e mães vão para a cadeia, "no futuro as crianças os seguirão", afirma G.V. Lewis, pastor batista que trabalha com a Comissão Estadual da Flórida para Relações Humanas. "É absurdo o que fazemos com as famílias. Não mostramos respeito para as que não parecem com as nossas", diz a doutora Donna.

Um grupo de sociólogos de John College of Criminal Justice, de Nova York, concluiu que a criminalidade pode aumentar em razão da dissolução de diversas redes de relações sociais e familiares. Realizaram a maior parte do trabalho de campo na pobre Tallahassee, Flórida. Para eles, existe um limite no nível de aprisionamento que, quando atingido, torna novas detenções sem efeito, deixando de reduzir ou até aumentando o crime e a violência. O grupo estabelece em torno de 1 a 1,5 por cento o limite no nível de encarceramento de uma sociedade.

Mês passado, conheci Melvin Lee, ex-companheiro de cela do marido da doutora Donna. Ele dá cor e vida aos números da minoria marginalizada. Era um dos seis filhos homens de um motorista de ônibus. Dos seis garotos negros, incluindo ele, cinco passaram pela cadeia. Pede segredo no sobrenome. "Tem big brothers em toda parte." Esse homem, hoje assistente social com diploma de mestrado na melhor universidade do Arizona, pai de duas meninas, talvez não estivesse aqui se em 1972 a Suprema Corte do Arizona não suspendesse por um ano a pena de morte (reefetivou-a em 1973). "A decisão beneficiou a maioria do povo no corredor da morte. A justificativa era que, da maneira como vinham sendo conduzidas, as sentenças eram discriminatórias, inconstitucionais." Entre 1968 e 1974, o número de negros e brancos sob sentença de morte, no corredor, era praticamente o mesmo, apesar de a população branca ser 84 por cento da população na época, e as minorias juntas somarem 16 por cento.

Vivo em um dos 38 Estados americanos que mantêm corredores de execução. O vizinho Texas aparece em primeiro na lista dos que mais matam, seguido de Virgínia, Flórida, Missouri, Louisiana e Geórgia. Abandono grave de um filho, ajudar um imigrante ilegal que cometa homicídio posteriormente, participar de seqüestro seguido de morte, assassinar, cometer genocídio e praticar espionagem levam à pena capital. Alguns governos matam com dor e crueldade. Onze Estados autorizam a eletrocução, cinco a câmara de gás, três o pelotão de fuzilamento, e outros três enforcam, como se fazia no velho oeste. O Arizona usa a injeção letal, e permite ao detento a troca pela câmara de gás. Um condenado à pena capital vive, em média, nove anos no corredor até a sentença ser confirmada em instância superior. Viver no corredor não significa o fim da linha para todos, muitos ainda podem ser transferidos e outros morrer de velhice. Mas as execuções crescem em ritmo exponencial. De 1977 até agora, mais de seiscentos foram executados, mais de trezentos nos últimos cinco anos.

Relatórios da The American Civil Liberties Union, uma ONG americana fundada em 1920, de defesa dos direitos civis, revelam que, assim como na prisão comum, pobre é sempre o primeiro da fila no corredor. Diz a doutora Donna: "O sistema de justiça dos Estados Unidos poderia ser caracterizado assim: ‘How much justice can you buy?’ " ("Quanta justiça você pode comprar?") Aí, nem etnia conta. "Veja o caso O.J. Simpson."

Noventa por cento dos réus acusados de assassinato são indigentes. Sem dinheiro, seus casos são entregues à defensoria pública, composta de advogados inexperientes que aceitam as compensações pagas pelas cortes. Por exemplo, enquanto alguns Estados limitam em 2.000 dólares as custas de um caso, o advogado contratado por um cliente abonado pode receber milhares ou mesmo milhões de dólares ao final de um processo. "A relação entre raça e pena capital está bem documentada. A raça da vítima é fator decisivo nas sentenças. Quase todas as sentenças de morte (82 por cento) neste país envolvem vítimas brancas", (The American Civil Liberties Union). Na Geórgia, os promotores propõem a pena capital em 70 por cento dos crimes de negros contra brancos. A vontade de executar é menor quando outras etnias estão envolvidas — 35 por cento.

Melvin Lee está trabalhando no currículo para conseguir um emprego melhor e cuidando das filhas das quais tem a guarda. Nunca casou e precisou assumir a vida de pai solteiro porque a ex-namorada desceu fundo a ladeira das drogas. Fica difícil arrumar bons empregos, pela lembrança do passado trazida por toda ficha de seleção das empresas. Melvin é um assistente social proibido por lei de trabalhar com crianças, o que lhe daria mais prazer e compensação financeira. Está com 49 anos, tem 1,85 metro de altura, uma cicatriz de 3 centímetros na bochecha direita, óculos e o cabelo grisalho da maturidade. Chega mais de meia hora atrasado à entrevista, na biblioteca pública de Tempe; precisou apanhar a filha mais velha de 13 anos. Adora a biblioteca. Tem fome da leitura que lhe faltou na infância. "Li meu primeiro livro na prisão, aos 18 anos. Ainda hoje lembro de cada palavra. Era sobre Malcolm X. Quando ia dormir, as páginas continuavam passando pela minha cabeça. Mudou minha vida. Antes de ler sobre Malcolm, eu não sabia sobre a pele do homem negro na história americana e no mundo e de como isso conta no modo de o sistema dar chances para alguns e negar para outros."

Melvin tinha 18 anos em 1970, quando invadiu com os amigos uma casa para roubar. Uma pessoa perdeu a vida. Ele se entregou pouco depois. Foi preso por roubo de propriedade, assalto e assassinato em primeiro grau. Deu entrada quase imediata no corredor da morte de Florence, complexo penitenciário de segurança máxima nas cercanias de Phoenix. "Fiquei vinte meses no corredor. Passava quase o dia inteiro numa cela de 1,52 por 2,13 metros, a comida era sempre fria e os guardas duros. Insuportável." Hoje, 120 pessoas aguardam a vez no Arizona. Quando o preso recebe "garantia de execução" da Justiça, permanece de 24 a 48 horas no corredor antes de ser transferido para a "Casa da Morte" (Death House), a última parada no interior do complexo penitenciário. Na época de Melvin era só a câmara de gás: uma sala de aço hermeticamente vedada, o condenado imobilizado na cadeira sobre uma chapa na qual é despejada uma mistura química que produz o gás hidrociânico, que, inalado, provoca a morte dentro de seis a oito minutos. Hoje há também a injeção letal.

O corredor é a área prisional mais visitada pelo público, segundo o departamento de correção. Os curiosos mais mórbidos podem acessar on-line a ficha de cada marginal na fila, com direito a foto e tudo. Vários sites oferecem a lista dos próximos a sentar ou deitar na "Casa da Morte". Toda vez surge a discussão pública sobre a transmissão ou não da execução (veja quadro sobre o caso McVeigh).

Melvin deixou o corredor para cumprir prisão perpétua, atenuada depois por bom comportamento. Deixou as grades em 1986. Você puxou o gatilho? "Não, não fiz isso, mas eu estava lá. Merecia ir para a prisão." Mas não para o corredor... Suas filhas agradecem.

Hoje, o pai — "Isso é a felicidade" — se preocupa com o presente e o futuro. Assiste gente jovem aos montes levada às grades sem merecer. "Uma porção de coisas passaram a ser crime que não eram antes; olha as leis antidrogas, a grande causa da superlotação. Não acho que é certo usar drogas, mas acredito que existem alternativas a essa de empacotar gente por uso de drogas ou de trancafiar alguém por dois a três anos por simples crimes como o de roubar uma garrafa de vinho do Circle K (loja de conveniência)." Ou ainda por delitos como furto de pilhas, de uma pizza e por aí vai. No Texas, uma mulher foi algemada e presa por dirigir sem cinto de segurança. E Melvin alerta: "Se paises como o Brasil tivessem mais estrutura e dinheiro, o número de presos seria como é aqui". As duras leis intensificam o fluxo de recém-chegados e sufocam o sistema prisional. Em 1997, o da Califórnia já ultrapassava sua capacidade populacional em 192 por cento. Treze prisões excediam o limite de lotação em 200 por cento. Um dos diretores-adjuntos do Departamento de Correção da Califórnia na época, Greg Harding, observava: "Os legisladores continuam a passar leis que aumentam as sentenças para cinqüenta, 75 anos". O general aposentado Barry R. McCaffrey, que dirigiu a política de controle de drogas da Casa Branca, afirmou que as prisões se tornaram "gulag de drogas", que essas leis duras "fazem com que milhares de delinqüentes não-violentos e sem antecedentes sejam encarcerados sob longas sentenças, desproporcionais aos crimes".

Em 1998, 70 por cento dos presos mandados às prisões estaduais eram condenados em razão de crimes não-violentos contra a propriedade, desordem pública ou drogas. Eram detidas 1.559.100 pessoas por crimes relativos a drogas, três quartos delas por posse; 450.000 foram confinadas em cadeias e penitenciárias. O encarceramento por simples crimes contra a ordem pública aumentou oito vezes de 1980 para l998. Os USA vêm se tornando um Estado policial, dizem os críticos.

Recentemente, a Califórnia aprovou um projeto de lei que facilita o envio de crianças e adolescentes para cadeia de adultos. Por isso, nos próximos cinco anos as prisões estaduais devem receber mais 5.600 jovens. De 1992 para 1998, segundo relatório da Human Rights Watch, pelo menos quarenta Estados adotaram legislações que permitem condenar e tratar crianças e adolescentes como adultos. Legisladores discutem agora a aprovação de uma lei federal similar.

A estrutura que serve de suporte para as duras leis anticrimes começa a surgir na década de 70. Em 1974, o sociólogo Robert Martinson escreveu um trabalho sobre prisões, What Works? Questions and Answers about Prison Reform, onde concluía que não importava o que autoridades e políticos fizessem, porque nada poderia funcionar; a idéia de reabilitação era uma falácia. Esse pensamento se espalhou pelo país. As idéias de Martinson influenciaram muitas das leis criadas para dar suporte à guerra de hoje contra as drogas. Em Nova York, contribuiu para consolidar as Rockefeller Laws, editadas um ano antes sob a égide do ex-governador e vice-presidente Nelson Rockefeller, leis que reprimem com rigor traficantes e usuários de drogas. O pequeno montante de drogas necessário para apanhar alguém em uma sentença mandatária, aquela cujo juiz não tem poder de decisão senão prender, faz desse conjunto de leis um dos mais duros. Por exemplo, as leis determinam que um juiz condene alguém que seja apanhado vendendo 60 gramas, ou de posse de 120 gramas de narcótico, a quinze anos de prisão. O chefe de policia Patrick Murphy e o prefeito de Nova York, John D. Lindsay, na época, já previam sobrecarga do sistema prisional com dependentes e usuários.

Não é difícil conhecer alguém que tenha estado ou tenha parente na cadeia. Alguns colegas brasileiros meus já foram detidos. Vejo agora a agonia de uma amiga americana, Shara Moselen, estudante de mestrado e professora de espanhol na Universidade Estadual do Arizona. Em dezembro último, seu irmão Paul foi enjaulado por manuseio e posse de tóxicos. Ela me convidou para o dia da visita. Sábado. Começo de março. Fomos cedinho para pegar lugar na fila. Total da espera: seis horas, do frescor da manhã ao calor do meio-dia. "Dá vontade de não voltar mais", diz ela. Mas a professora não vai fazer o que eles querem. "Tratam a gente que nem criminosos." A tensão é constante. "Domingo passado, uma mulher foi esfaqueada próximo a meu pai porque tentou furar a fila." Os parentes esperam para ver os 1.700 presos da Durango Jail, a maior cadeia do Arizona. Chamam nosso número. Na parede, um aviso. "Proibido beijar, colocar as mãos sob a mesa, sobre o divisor ou através dele, proibido segurar crianças." Decepção, Paul havia sido transferido no dia anterior para Estrella Jail. Esta é menor e não tem fila. O divisor aqui é um vidro entre o detento e os visitantes. A conversa é por interfone. Vinte cabines perfiladas. Ao meu lado direito, uma mulher hispânica levanta chorando, acariciando a barriga. Está grávida. À esquerda, outra, negra, exibe o corpo a pedido do marido. O irmão de Shara, Paul, 34 anos, magro, 1, 76 metro, cabelos loiros, pele clara, veste camiseta e calça zebrada preto-e-branco. Semblante triste, agoniado. "Peguei seis meses, já cumpri três. Depois fico três anos em período probatório." E o xerife Joe Arpaio? Paul esboça um sorriso sarcástico. "Ele tá cheio de apelidos aqui dentro." Os presos e as famílias odeiam Arpaio, que se auto-intitula "the America’s toughest sheriff" (o xerife mais durão dos Estados Unidos). A política de repressão e maus-tratos a presos deu-lhe o terceiro mandato consecutivo, com 85 por cento de aprovação no condado de Maricopa, do qual fazem parte Phoenix e outras nove cidades. Uma de suas últimas proezas foi amontoar presos em tendas, "para economizar o dinheiro do contribuinte". Como é dormir na tenda? "É frio." O deserto é assim, o inverno castiga, mas o verão... Mais de 50 graus sem ar-condicionado.

Além das tendas, Arpaio se gaba de vestir presos com roupas de baixo cor-de-rosa, servir comida esverdeada, cortar uma das refeições diárias, reduzir o poder nutritivo das outras duas e de ser "o primeiro no mundo" a acorrentar mulheres umas às outras para trabalhar nas ruas sob o sol do deserto, limpando grafite dos muros e enterrando indigentes no cemitério do condado. A doutora Donna foi detida enquanto protestava contra as correntes. A imprensa do mundo inteiro assiste às bizarrices de Arpaio. Ele criou um revoltante zoológico on-line. Quatro câmaras mostram ao vivo presas se trocando, conversando, sendo revistadas...

Essa é a nova batalha da ex-juíza contra o xerife durão. A doutora e seus aliados na Middle Ground investigam evidências de que ele esteja fazendo dinheiro com as imagens. Além de um link direto entre a página da chefatura de polícia de Arpaio (www.mcso.org/index.asp) e o site privado www.crime.com, foram encontradas dúzias de sites de pornografia na Web ligados às câmaras, conquistando voyeurs. "No mínimo, ele está sendo pago pelo ‘crime.com’, um site comercial, para permitir as câmaras na prisão", diz a doutora. Sabe onde Arpaio iniciou sua carreira pública e ganhou notoriedade? Combatendo o tráfico de drogas na DEA, a U.S. Drug Enforcement Administration. "Como xerife, eu sirvo o público. O público é meu chefe."

A vontade de punir influencia orçamentos de governo, inchando ainda mais o sistema prisional. Os guardiães dos bons costumes preferem prender. Lembra a doutora: "Meu marido costuma dizer que somos bons pondo ambulâncias no fim do abismo, mas não somos colocando cercas no topo para prevenir que as pessoas caiam. Penso que isso sintetiza o que fazemos neste país". Em 1998, o governo federal gastou mais detendo infratores não-violentos do que com programas de assistência social e assistência a crianças, segundo o instituto americano de pesquisas Justice Policy Institute. Além disso, nos últimos anos, políticos vêm cortando investimentos em escolas públicas destinadas aos mais carentes, para injetar em prisões e policiamento. De 1987 a 1995, os fundos para prisões aumentaram 30 por cento, enquanto os gastos com universidade caíram 19 por cento. Recente estudo da Associação Correcional de Nova York mostra que, enquanto mais 761 milhões de dólares entravam no caixa do Departamento de Serviços de Correção, as universidades e a cidade perdiam 615 milhões em investimentos. "Desde 1989, existem mais negros entrando no sistema prisional por envolvimento com drogas do que se graduando na Universidade de Nova York", afirma Manning Marable, professor de história e diretor do Instituto de Pesquisa em Estudos Afro-Americanos na Universidade de Colúmbia. O governo do Estado reduziu ainda a ajuda financeira para a City University of New York, sistema educacional voltado para a classe trabalhadora e pobre, freqüentado em sua maioria por negros e latinos. "O padrão escola versus prisões se repete por todo o pais", diz Manning Marable.

Mesmo programas escolares oferecidos dentro de prisões, para servir milhares de presos, foram afetados, contribuindo para desumanizar o sistema. Em 1994, o governo proibiu o repasse de fundos federais para condenados, provocando a extinção de muitos programas. "Quem achar que educação na prisão é perda de dinheiro, deveria lembrar da alternativa — a reincidência", diz Cat McDonald, ex-presidiária. "Setenta por cento dos filhos de presos virão a ser encarcerados. Educar os pais ajudaria a diminuir esse número", explica Jo Jorgenson, professora e diretora de Programas de Educação do Rio Salado Community College.

Foi por causa desse programa educacional que comecei minha reportagem. A professora Jorgenson lembra um dia de trabalho na prisão: "Cachorros revistando suas roupas; gente vasculhando sua bolsa; a comida em sacos plásticos transparentes; para quem tem permissão especial, garrafas de água, pagers e xícaras de café; salas de aula a 50 graus, sob o barulho de alto-falantes que chamam presos do pátio, das celas e da classe... É preciso falar alto".

O que faz de alguns desses cursos públicos especiais são os programas para mães, Parenting at a Distance, ensinar a ser mãe, reconstruir uma família destruída pela prisão. Esse é o grupo que cresce mais rápido na detenção: mães presas, muitas por drogas. "Na minha primeira aula, aprendi a escrever cartas toda semana. Donald tinha só 3 anos e meio quando parti e Joe 14 meses. Tentar manter uma relação com eles era um enorme desafio. Depois de um tempo, as cartas não eram suficientes. Então aprendi a gravar fitas com histórias de livros infantis para eles escutarem antes de dormir. Por favor, não me entenda mal, existem momentos em que as crianças testarão seus limites, mesmo você estando aqui. Em novembro último, Joe tinha acabado de fazer 4 anos e começou a ficar irritado comigo: ‘Você é como uma Cinderela em um livro, você não é real’. É verdade, porque tudo de que ele se lembrava era da carta da semana, do telefone e das fotografias que eu mandava. Fiquei muito magoada e chorei durante dias. Às vezes, as crianças precisam que a gente procure uma mensagem escondida no que elas falam. Essa é a nossa profissão como mãe." (Lindal Page, sentenciada em 1991 a sete anos e meio de prisão — carta escrita para Jo Jorgenson em 24 de abril de 1995).

Catorze milhões de americanos serão presos em algum momento de suas vidas.

Quase 2 milhões estão trancados em prisões neste instante.

Três mil e seiscentos vivem em celas no "corredor da morte".

Rebeliões e violência são constantes. Corrupção e abuso de diretores e guardas de prisão se escondem atrás de muros e celas. Lutas, assaltos, estupros de homens e mulheres, mortes e milhares de feridos. No Texas, a corte do distrito federal declarou que o Estado estava impregnado de uma "cultura de violência maldosa e sádica". Algumas prisões são tão desumanas que a Justiça as considerou inconstitucionais. De vez em quando, as histórias cruzam os muros ou saem de bocas seladas e celas trancadas. Guardas corruptos e covardes encobrem a violência. Mas, em 1995, cinco oficiais de correcional quebraram o voto de silêncio para o FBI. O escândalo ocorreu em Cocoran, prisão de segurança máxima do Estado da Califórnia, lar dos criminosos Charles Manson e Sirhan Sirhan.

Entre 1988 e 1996, guardas de Cocoran feriram mais de cinqüenta e mataram sete presos em jogos e brincadeiras sádicas. Um dos depoentes, Steve Rigg, tenente em Cocoran de 1988 a 1994, disse que "os guardas atiravam diariamente, sem qualquer justificativa". A crueldade não parou mesmo durante as investigações do FBI, quando 36 presos negros foram espancados por um grupo de guardas conhecidos como "The Sharks". Naquele dia, 21 de junho de 1995, dúzias desses "tubarões" faziam aquecimento e alongamento, como que se preparando para uma competição esportiva. Calçavam luvas pretas de couro e cobriam os nomes na camisa com fita adesiva. Aguardavam a chegada dos detentos, transferidos de outra prisão. Puxaram os algemados do ônibus um a um sob socos, cacetadas e botinadas. Espetaram os olhos de alguns, jogaram outros contra muros e janelas e os arrastaram pelos testículos, gritando todo o tempo ofensas racistas. Colocaram muitos para andar descalços sobre o asfalto escaldante. Depois de tal recepção, deixaram os prisioneiros agonizando por mais de um mês sem atendimento médico. Mas o "greet the bus" (recepção ao ônibus) não era o único e mais popular "jogo" entre os sádicos de Cocoran. O favorito era o "roosters in a cockfight" (briga de galo). Nesse, prisioneiros inimigos eram colocados no pátio da cadeia para brigar. Atentos, os guardas faziam suas apostas. Se a briga esquentasse muito, atiravam e matavam.

A impunidade é um incentivo. Na Califórnia, durante a última década, nenhum procurador distrital puniu ou mesmo condenou qualquer guarda prisional por participar de tiroteios obscuros, como os de Cocoran (Human Rights Watch). Além disso, os conselhos que investigam esses tiros misteriosos são formados pelos próprios diretores das penitenciárias. Tom Simpson, outro oficial de Cocoran que colaborou com o FBI, enfatizou: "Você não vai para a ‘casa’ de outro homem, a prisão dele, e diz que o chão está sujo". O sindicato de oficiais correcionais tem tanta força que barra qualquer mudança nas leis que tornem as penas e a Justiça mais eficientes.

romeiro neto
Enviado por romeiro neto em 12/05/2010
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