American Deam-Sonho Americano

Sobrevivendo no Inferno, faço mais essa referência à imagem do rapper Mano Brown sobre o mundo cão. Tráfico de drogas, rebeliões, assassinatos, gangues... "Se você olhar as rebeliões em prisões, nos últimos dez anos, verá que muitas eram de brigas de um grupo contra outro, por exemplo, brancos contra pretos ou latinos contra pretos, conclui Jack Levin, professor de sociologia e criminologia e diretor do Brudnick Center sobre Conflito e Violência na Northeastern University Boston. O pátio de uma penitenciaria é dividido por cor, credo e etnia. A prisão reforça e reflete o racismo da sociedade americana. Quando encarcerados, os presos precisam escolher um grupo para integrar, para receber proteção, deixar o isolamento, a solidão. O ex-detento e ex-líder skinhead Frank Meeink, 18 anos, que cumpriu pena de um ano no centro correcional de Illinois, explica: "Uma vez lá, a cor da sua pele é algo decisivo e determinante para definir onde você vai sentar ou com quem e quando você vai puxar ferro". O advogado de direitos humanos e professor-assistente na Universidade da Califórnia, Brian Levin, apelidou as prisões de estufas de racismo. "O problema da intolerância é reforçado, porque a prisão é um sistema fechado no qual não existem forças que contrabalancem, como família, igreja, emprego."

Os presos perderam o direito de falar. Ficou fácil entrar como prisioneiro, mas difícil como visitante ou jornalista, muito mais do que vinte, trinta anos atrás. As prisões estaduais têm um sistema burocrático diferente do usado nos cadeiões de xerife. O sistema prisional começou a se fechar a partir de 1974, quando a Suprema Corte decidiu entregar a cada Estado a decisão de fazer sua própria política em relação à mídia. Hoje, cada um tem suas regras. Um exemplo do endurecimento chega do Mississippi. Em meados de 1980, o Estado permitia que jornalistas fizessem entrevistas cara a cara com os mais perigosos e notórios criminosos. As sessões não eram monitoradas e câmaras eram permitidas. Anos mais tarde, o Mississippi se tornou um dos Estados mais rigorosos do país: nem câmaras, nem entrevistas, mesmo por telefone. O Estado do Wyoming é tão duro que proíbe até a liberação de velhas fotografias de Butch Cassidy. Aqui no Arizona só permitem entrevistas por telefone. Jornalistas precisam encontrar alternativas para driblar a censura.

Esperei meses para entrar em uma prisão estadual do Arizona. Consegui o nome e número de um detento-aluno. Podia ir como visitante, mas desisti quando vi o tamanho do questionário que teria de preencher e o tempo, mais de 45 dias, que levaria só para o detento receber meu pedido oficialmente. Depois disso tudo, minha requisição ainda seria analisada pela administração da prisão. Mais de três meses, no mínino, sem a certeza de sucesso.

Muitos Estados negam o acesso por razões econômicas. Explicam que aumentariam os gastos com pessoal necessário para vigiar o entrevistador e o entrevistado. Além disso, afirmam que a imprensa pode fazer de um criminoso celebridade, ofendendo a vítima e a família dela e dando força para que prisioneiros se rebelem contra o sistema. "Por que eu deixaria um preso obter quinze minutos quando existe um contribuinte que foi vítima dele?", pergunta, com a resposta pronta, Terry L. Stewart, diretor do Departamento Correcional do Arizona.

O ex-presidente da Sociedade de Jornalistas Profissionais na Carolina do Norte, Peter Sussman, explica que jornalistas não criam estrelas de rock; que as histórias apenas trazem o preso de volta à Terra.

Adversários da censura pensam no número de inocentes vivendo atrás de portas de aço, jaulas ou em corredores da morte de um sistema sobrecarregado. Peter Sussman fica indignado: "É um crime que essas histórias não estejam sendo contadas, é uma violação de direitos". Justin Brooks, diretora executiva do Califórnia Innocence Project, alerta: "A coisa mais séria que o governo pode fazer é nos matar". Ano passado, a Justiça falha — que pode tirar a vida de um inocente — pesou na decisão do governador de Illinois, George Ryan, de decretar moratória sobre as execuções no Estado. Um levantamento sobre os processos de pena de morte das últimas duas décadas, segundo a Human Rights Watch, achou falhas e injustiças na maioria dos julgamentos. O risco de erro reduziu consideravelmente o apoio do público à pena capital. Assim mesmo, o dedo do presidente George W. Bush, na época governador, continuou e continua pesado, ignorando suspeitas de falhas em representações legais de muitos dos condenados, o estado mental de outros e a idade dos criminosos.

Em 22 de junho do ano passado, sob protestos de ativistas negros e aplausos da Ku Klux Klan, Gary Graham, mais conhecido como Shaka Sankofa, nome que adotou na prisão, foi executado no Texas após dezoito anos no corredor. Acusado de matar aos 17 anos, durante um assalto, ele passa a ser o oitavo executado, oficialmente, no mundo por crime de morte cometido quando menor de idade. Desde 1997, o Irã matou um e os Estados Unidos os outros sete. Defesa falha e acusação contestável tornam o caso estranho e dariam a Sankofa, no mínimo, o benefício da dúvida. Quatro amigos que passaram no detector de mentira garantem que estavam com ele todo o tempo, a quilômetros da cena do crime. Das oito testemunhas do assassinato, só uma o reconheceu, de maneira não muito convincente. A descrição do rosto do marginal não conferia. Seis testemunhas dizem que o assaltante era de menor estatura. Peritos da polícia não identificaram a arma de Sankofa como a que matou naquela noite. Não existiam digitais e balística ligando Shaka Sankofa ao crime.

Tal como o caso Mumia Abu Jamal, a história de Sankofa é mais uma a levantar dúvidas sobre a Justica no país que trava guerras e invade outros em nome dos direitos humanos.

Este trecho de poema foi escrito por Leslie Shaefer, poetisa e fã americana de hip-hop, após o governo estadual sancionar a execução de Shaka Sankofa:

"Shaka segue atrás de Cleo, Betty, Ricky, Sean

chorando por moratória,

Mumia aguarda nas asas

enquanto egos e salvadores de aparência as mantêm presas,

sufocando o vôo natural,

bons sentimentos que mantêm o homem pobre

o mantêm isolado em prisões rurais.

E não no meu quintal."

"A verdade está aumentando em volume

sussurros e suspiros dos lábios da câmara de gás,

séculos de ecos de algemas e chicotes do senhor de escravos,

ela ergue a voz para a irmã (liberdade) que dorme

e planta a revolução enquanto eu e Deus choramos."

Na biblioteca municipal de Tempe, Arizona, a filha de 13 anos de Melvin está impaciente. Olha para o pai e sorri para mim. Hora de acabar a entrevista. São 9 da noite. De mãos dadas, eles seguem para casa.

McVeigh

O primeiro da fila

Tem iníicio um triste espetáculo americano. A cortina se abriu na "Casa da Morte". McVeigh, amarrado a uma maca, vestia camiseta branca, calças cáqui e chinelos. Estava pálido. Seus cabelos bem curtos. Ergueu a cabeça. Fez contato visual com suas quatro testemunhas, seus advogados e o jornalista que ajudou a escrever seu livro. Seus pais não estavam lá. Virou-se para os repórteres. Em seguida, para o vidro escuro atrás do qual estavam dez parentes de suas vítimas. Encarou o teto onde uma câmara transmitia dali da prisão em Indiana, via circuito fechado de televisão, para Oklahoma City. A Justiça barrou a pretendida transmissão em rede nacional.

"Entre as elites européias, a pena de morte vem a ser forte símbolo de uma nação liderada por um homem que, sozinho, presidiu mais de quarenta execuções no ano 2000 e cujo governo está preparando a primeira execução federal em 38 anos", editorial de The New York Times, publicado pouco antes da execução de Timothy McVeigh. O ex-governador do Texas na presidência e o conservador procurador geral John Ashcroft deixam a sensação de que McVeigh, a primeira execução federal em todos estes anos, é só o começo. Talvez atentando para o próximo da fila — o mexicano-americano do Texas, Juan Raúl Garza, um traficante acusado de triplo assassinato — o procurador Ashcroft tenha declarado: "Não existe evidência de parcialidade, em termos de raça, na administração da pena de morte federal". E foi o que realmente aconteceu. Dezoito dias depois chegou a vez de Garza.

Nos últimos doze anos, três quartos dos casos sentenciados com a pena máxima envolviam minorias. Com a morte de McVeigh, restam dois brancos entre os 21 homens que aguardam a vez no corredor federal. Antes de deixar o cargo, o presidente Clinton postergou a execução de Garza, aguardando o término de uma pesquisa do National Institute of Justice sobre disparidades étnica e geográfica na aplicação da pena de morte.

Além de ter aberto a fila, McVeigh abriu mais uma janela na nuvem cinzenta que paira sobre o sistema judiciário americano. Se o governo não cuidou direito desse caso, imagine os outros aos quais não havia a imprensa e o mundo assistindo. Deixaram de ser repassadas à defesa 4.500 páginas em documentos. Mesmo réu confesso, McVeigh deixa dúvidas sobre possíveis co-autores, ou sobre os motivos.

Durante o cancelamento da execução de McVeigh por um mês, W. Bush declarou que o condenado tinha sorte de viver em um país que protege os direitos de qualquer um, mesmo homens com mentes tão brutais. O professor de direito especialista em execuções e na reação do público diante delas Samuel Gross, da Universidade de Michigan, declarou ao New York Times na véspera da execução: "O que é tão assustador é que ele (McVeigh) é totalmente americano. Tinha uma vida comum, exatamente um simples soldado retornando para casa. Não existia nada que chamasse a atenção sobre ele num piquenique em uma igreja de Oklahoma".

McVeigh era filho de um agente de viagens e de uma trabalhadora autônoma. Nasceu em Pendleton, Nova York, em 1968. Cresceu em meio a uma família católica de classe média. Sem muitas perspectivas depois da escola secundária, alistou-se no Exército. Ganhou medalhas na Guerra do Golfo. A desqualificação para as Forcas Especiais provocou sua fúria contra o governo. Como ocorreu com outros colegas nessa ou em outras guerras (Vietnã, Coréia...) que viveram de heróis por curto espaço de tempo, ele falhou em achar um lugar quando retornou do serviço militar à vida dos comuns, trabalhando por baixos salários, não conseguindo construir qualquer relacionamento duradouro com mulheres e, finalmente, voltando para a casa do pai e dormindo no sofá.

Mc Veigh viveu quase todo o tempo de 1993 até 13 de abril de 1995, seis dias antes do atentado de Oklahoma, na pequena cidade de Kingman, de 30.000 habitantes, aqui no noroeste do Arizona, a algumas horas de onde estou. Algumas pessoas de idéias contra o governo e supremacia branca vivem por lá. Agentes do FBI suspeitam que Jack Oliphant, que foi um dos cabeças da milícia Arizona Patriots Militia, conhecia McVeigh. Oliphant tinha também ligações com a Ku Klux Klan. Era especialista em explosivos. McVeigh andou testando bombas perto do rancho de Oliphant. Ambos negaram qualquer ligação. A verdade? Oliphant e McVeigh levaram consigo. Oliphant morreu de câncer sete meses após o atentado.

Kingman agora luta contra a má fama. "Acabamos parecendo um bando de rednecks com armas amarradas na cintura", diz Laird Hiestand, morador da cidade e ex-agente do FBI. Bill Kaye, proprietário de uma loja de materiais de exército em Kingman. "Existe o problema da dominação estrangeira deste país. Ele (McVeigh) tinha a maneira dele de lidar com assuntos como esse, e outros têm outros caminhos."

Os advogados de McVeigh fizeram pedidos adicionais de adiamento da execução, mas foram negados. McVeigh decidiu parar então com qualquer apelação. A execução do homem que matou 168 pessoas no atentado a bomba de Oklahoma foi espetáculo do começo ao fim, o que ajudou a transformá-lo em mártir diabólico, difundindo pelo país suas teorias contra o governo e satisfazendo a idéia de moral e punição de 75 por cento dos americanos que estavam a favor da pena de morte nesse caso.

A sala com circuito fechado de televisão, autorizada por Ashcroft, mostrou a execução para 232 sobreviventes e parentes das vítimas. O carrasco injeta na perna direita de McVeigh a droga que o deixa inconsciente. A respiração é profunda, depois agitada. Hora de injetar o relaxante muscular que paralisa o diafragma e os pulmões. McVeigh não faz qualquer movimento e o silêncio é total, conforme a combinação letal de drogas se espalha pelo seu organismo. Os olhos vão ficando vítreos. O carrasco injeta o terceiro componente, o que pára o coração.

"Hoje, toda pessoa viva machucada pelo mal feito em Oklahoma City pode ir dormir com o conhecimento de que houve um ajuste de contas" — declaração de W. Bush ao fim.

BRASILEIROS PRESOS

Wedson e Osvaldo escapam de ser os primeiros brasileiros executados nos EUA

O número vem aumentando ano a ano e, pelas últimas contas do Itamarati, 1.202 brasileiros estavam em 1999 presos no exterior. Nos Estados Unidos, 124. Ano passado, um goiano e um pernambucano escaparam de ser os primeiros brasileiros executados nos Estados Unidos. A defesa alegou insanidade mental nos dois casos. O governo brasileiro colocou-se do lado dos dois criminosos não porque eles eram inocentes, mas por uma questão de direito — a pena de morte não é legal no Brasil, por isso não pode ser aplicada sobre um cidadão brasileiro.

O goiano Wedson Rosa de Morais, de 36 anos, escapou da pena de morte em julho de 2000. Por matar a facadas os avós da ex-mulher, em janeiro de 1997 foi condenado à prisão perpétua, sem possibilidade de condicional, na Suprema Corte do Condado de Stanislaus, na cidade de Modesto, Califórnia. Indícios de que a sentença podia ser contra a pena de morte surgiram quando os jurados pediram para rever o depoimento do psicólogo forense Philip Trompetter. Em depoimento, o psicólogo disse que Morais sofrera abuso sexual quando criança. Informou também que ele exibia um comportamento psicótico, com visão distorcida da realidade, e tentara diversas vezes o suicídio.

Globalização, Imigração e Estado

Nos últimos anos, vem se falando muito no processo de globalização, espécie de "deus ex machina" do mundo moderno, inexorável e onipotente, ao qual todos devemos prestar as nossas homenagens.

Também tem-se discutido bastante, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, o grande "problema" dos imigrantes ilegais que, de acordo com a opinião corrente e mal-informada, acentua o desemprego e a marginalidade social nos países industrializados.

Menciona-se pouco, porém, qual a real relação existente entre os dois fenômenos acima mencionados. Com efeito, encontramos, dentro da concepção acrítica da Nova Ordem Mundial, dois fenômenos perfeitamente distintos e separados: de um lado está a globalização, vista quase sempre como algo extremamente positivo e irreversível, e, de outro, a imigração, geralmente encarada como um fato negativo e desagradável que pode e deve ser combatido.

Pois bem, neste pequeno trabalho procuraremos analisar, de maneira sucinta, as relações existentes entre o que se convencionou chamar de globalização e a migração internacional. Do nosso ponto de vista, o fenômeno da imigração não pode ser devidamente apreendido fora do contexto da acumulação capitalista em escala mundial, na atual fase de hegemonia do modelo neoliberal, e das conseqüências econômicas e sociais que tal fato acarreta em todo o planeta. A partir daí, as reflexões relativas à recente "diáspora brasileira" e ao papel do Estado nesse processo poderão ser realizadas com o necessário embasamento teórico e adquirirão um maior grau de consistência e profundidade.

Para tanto, dividiremos esta sintética explanação em três partes.

Na primeira, analisaremos criticamente o fenômeno da globalização, salientando as suas características principais e, acima de tudo, a dimensão ideológica que o conceito assume no discurso neoliberal.

Na segunda, nos debruçaremos sobre a imigração internacional em si, questionando a sua real dimensão, a sua relação com o crescimento do comércio mundial e o seu papel na determinação de fenômenos como o desemprego. Ainda nesta segunda parte, nos deteremos sobre a reação dos Estados dos países industrializados à presença de imigrantes em seus territórios e a crescente xenofobia que contamina as nações mais desenvolvidas.

Por último, na terceira parte, faremos uma explanação bastante sintética concernente à recente emigração brasileira e ao papel que o Estado vem desempenhando na proteção dos cidadãos residentes no exterior.

1-Globalização: características e ideologia.

Se fizermos uma pesquisa de opinião sobre o tema " globalização" no Brasil, muito provavelmente a maioria dos entrevistados não saberia definir precisamente do que se trata, mas todos diriam ser algo extremamente positivo e importante. Com efeito, o nosso secular provincianismo parece ter uma capacidade infindável de absorver os modismos culturais e ideológicos que, de maneira avassaladora, nos são impostos através da mídia. Não se passa um dia sequer sem que ouçamos comentários sobre o "processo inexorável da globalização" e da necessidade de nós, brasileiros, nos inserirmos nesta corrente de progresso internacional que nos levará fatalmente para o paraíso do Primeiro Mundo e da "modernidade".

De acordo com o hegemônico paradigma neoliberal, que a maioria absorve acriticamente, o crescimento do comércio mundial, o aumento da produtividade e da competividade, a abertura das economias etc., tenderiam a gerar uma nova ordem mundial próspera e harmoniosa, sob a égide inconteste do livre mercado, onde todas as barreiras à livre circulação dos bens e serviços deverão ser progressivamente eliminadas. Será?

Sob a nossa ótica, a realidade dista muito de ser assim.

O que se convencionou chamar de globalização nada mais é do que um prolongamento do antigo processo de crescente internacionalização da economia e ampliação dos mercados, fenômenos derivados das necessidades da acumulação do capital. Tal processo foi analisado exaustiva e argutamente por Marx, Lênin e Rosa Luxemburgo, dentre outros.

Entretanto, desde aquela época até o final da década de 70, tal processo se dava simplesmente através do desenvolvimento do comércio, dos empréstimos financeiros, e dos investimentos diretos realizados nos países em desenvolvimento.

Hoje em dia, porém, há fatos novos que conferem uma certa especificidade inédita à acumulação do capital em escala mundial. Conforme assinala Maria de Lourdes Rollemberg Mollo:

"Na fase atual, esse processo se caracteriza por: a) deslocamento espacial das diferentes etapas do processo produtivo; b) desenvolvimento tecnológico acentuado, nas áreas de telemática e informática, que é usado de forma a possibilitar o deslocamento espacial das fases de produção e reduzir tempo e espaço no processo de comercialização; c) simplificação do trabalho, para permitir o deslocamento espacial da mão-de-obra; d) igualdade de padrões de consumo, para permitir o aumento de escala; e) mobilidade extrema de capitais, buscando rentabilidade máxima no curto prazo; f) difusão (embora desigual) dos preços e padrões de gestão e produção; e g) generalização de organizações do tipo "holding", com elevado grau de "financeirização". ( In Revista Brasiliense de Políticas Comparadas, Vol. I, Nº 2, 1998).

Contudo, tais especificidades e a aceleração do processo de acumulação capitalista em escala internacional não significam, como querem alguns, que todas as barreiras relativas à penetração dos bens e mercadorias e ao deslocamento dos capitais estejam desaparecendo. Isto implica em negar a tese corrente de que a globalização vem erodindo irreversível e inexoravelmente o poder dos Estados nacionais.

Na realidade, as estatísticas e as pesquisas nos mostram um quadro bastante diverso. Recentemente, o grande economista Aldo Ferrer, que já foi secretário executivo do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO), publicou um trabalho no qual se demonstra que o bom e velho mercado interno absorve cerca de 85% da produção e gera 90% dos empregos, na maior parte dos países desenvolvidos. As exportações só têm um papel decisivo nas economias de enclave, como Cingapura e Taiwan, por exemplo, ou em países que já foram devidamente "desindustrializados" devido à abertura indiscriminada de sua economia (Chile). Mesmo nos países em desenvolvimento, o setor vinculado às exportações absorve, em média, direta e indiretamente, apenas 17% da mão-de-obra.

Até mesmo o capital financeiro é menos "globalizado" do que se imagina. O FMI, em relatório publicado em 1996 afirma que apenas 6% dos ativos dos fundos de pensão dos EUA estão fora do país. A cifra é ainda menor para as companhias de seguro: somente 4%. Números semelhantes são encontrados para a Alemanha e o Japão.

Paul Krugman é outro autor que contesta a tese de que a participação no comércio internacional seria, hoje em dia, mais importante do que geração de riquezas via mercado interno. Para ele, a obsessão com a competitividade internacional não tem razão de ser e advém de diagnósticos equivocados elaborados sem sustentação empírica.

Uma análise cuidadosa dos dados empíricos referentes ao comércio internacional revela, conforme Krugman , que o valor das exportações em relação ao PIB encontra-se, tanto para a economia mundial, quanto para a americana, em níveis semelhantes aos que predominavam antes da Primeira Guerra Mundial. Observe-se os valores da Tabela I.

TABELA I

Exportações Mundiais e Americanas como Proporção do PIB (%).

Ano EUA Mundo

1880 5,6 9,8

1913 6,1 11,9

1950 3,6 7,1

1970 4,2 11,7

1990 7,0 17,1

Fonte: P. Krugman, in "Internacionalismo Pop",1995.

Até a deflagração daquele conflito, no período denominado de Pax Britanica, o comércio internacional havia se expandido bastante, chegando a patamares aproximados aos existentes hoje em dia. Porém, no interregno compreendido entre a Primeira e o final da Segunda Guerra Mundial, o mundo conheceu um período de " desintegração da economia internacional" ( Polanyi, 1944), durante o qual os níveis do comércio global caíram bastante.

A evolução recente da economia internacional apenas recuperou, segundo Krugman, a dinâmica que havia se verificado anteriormente, de modo que " seria difícil argumentar que o simples volume de comércio esteja hoje em níveis que assinalem alguma diferença qualitativa relativamente à experiência anterior".

Portanto, a "globalização", entendida como um processo irreversível e irresistível que tende a eliminar todas as fronteiras e barreiras econômicas, é, em grande parte, um mito. E a idéia de que o livre mercado é a única solução para todos os problemas encontra sua expressão, no campo das relações internacionais, nesse mito.

Na verdade, a globalização é, no sentido estrito acima mencionado, mais uma ideologia do que um processo real e inevitável. Ela serve para justificar, através da tese de inexorabilidade da abertura da economia e da necessidade da implementação do Estado mínimo, a adoção do modelo neoliberal em escala internacional.

Tal ideologia é definida por Aldo Ferrer como a "visão fundamentalista da globalização", segundo a qual os dilemas referentes ao desenvolvimento no mundo global desapareceram devido a que:

"..... en la actualidad, las decisiones principales no las adoptan(conforme esta visão) las sociedades y sus estados sino los agentes transnacionales. El mensaje es , en consecuencia, contundente: lo único que actualmente puede hacerse es adoptar políticas amistosas para los mercados. Cuáles son estas políticas?Aquellas que son funcionales a los intereses dominantes. Ellas incluyen la apertura de la economía , la desregulación de los mercados reales y financieros, el achicamiento del Estado a las expresiones mínimas consistentes en la preservación de la seguridad y el orden jurídico, el equilibrio fiscal y la estabilidad de los precios." ( In "Hechos y Ficciones de la Globalización", Fondo de Cultura Económica, 1997.)

Não obstante, é necessário considerar que, embora o processo de globalização seja muito mitificado, ele vem produzindo efeitos sociais negativos, especialmente (mas não exclusivamente) nos países em desenvolvimento. Tais efeitos não se devem tanto à abertura indiscriminada das frágeis economias dessas nações, mas sim à implantação de políticas neoliberais que tendem a reduzir os direitos trabalhistas e o poder do Estado enquanto promotor do desenvolvimento e distribuidor da renda nacional. Afinal, as ideologias, principalmente quando se traduzem em políticas, produzem impactos reais significativos.

No ano passado, a UNCTAD publicou um documento intitulado "Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento - 1997", no qual são feitas advertências relativas ao incremento das disparidades econômicas e sociais entre os países e no interior deles. Segundo esse documento, tais disparidades estariam ameaçando a globalização, em virtude de possíveis e fortes "reações políticas", que poderiam se dar tanto no Norte industrializado quanto no Sul em desenvolvimento.

O relatório em questão cita alguns dados "perturbadores":

a) O fosso entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento se amplia cada vez mais. Em 1965, o PNB por habitante nos países mais ricos, que detêm 20% da população mundial , era 30 vezes maior do que o dos 20% mais pobres do planeta. Já em 1990, apenas 25 anos depois, essa diferença dobrou, passando para 60 vezes.

b) Na América Latina, a renda média per capita, que representava um terço da rendimento médio do Norte em finais dos anos 70, caiu, hoje, para menos de um quarto.

c) Observa-se uma erosão da classe média praticamente em todas as nações. A tendência, portanto, é a de serem criadas sociedades divididas entre os muito ricos e os muito pobres, tanto no Norte quanto no Sul. De acordo com o documento em questão, tal fato é "muito preocupante", pois a classe média sempre foi fator de estabilidade política.

d) A liberalização financeira provocou uma rápida ampliação das dívidas públicas e privadas. Em alguns países, os juros das dívidas interna e externa chegam a 15% do PIB.

e) Os rendimentos do capital são cada vez maiores do que os rendimentos do trabalho. Na maioria dos países em desenvolvimento, a parte dos salários no valor agregado da indústria é bem menor do que era no início dos anos 80.

f) Não bastasse isso, deve-se agregar que o desemprego estrutural em níveis elevadíssimos assola a maioria das nações, mesmo as que estão bem-situadas no contexto econômico mundial, como França, Alemanha, Espanha, Itália, etc. Os poucos países que têm taxas de desemprego relativamente baixas ( EUA e Japão, por exemplo), graças, em parte, à desregulamentação do mercado de trabalho, convivem com o fenômeno da deterioração da qualidade do emprego.

Assim sendo, a globalização, apesar de distar muito de ser um fenômeno da dimensão e da profundidade apregoada por seus ideólogos, tende a produzir condições sócioeconômicas propícias ao estímulo de movimentos migratórios em escala internacional, mormente quando associada à adoção de políticas de cunho neoliberal.

Sem dúvida alguma, o crescimento do desemprego e o aumento da concentração da renda em escala planetária acima mencionados poderiam impelir significativas parcelas da população mundial a emigrar para países e/ou regiões onde as condições de vida e de trabalho são comparativamente melhores.

Resta perguntar: é isto o que vem acontecendo?

2- A Imigração e os limites da globalização.

À primeira vista, a ideologia da globalização, com todas as conseqüências sociais e econômicas acima ressaltadas, deveria estar aumentando consideravelmente os fluxos migratórios internacionais, especialmente aqueles que se verificam dos países em desenvolvimento para as nações mais industrializadas.

Não obstante tal expectativa, os dados empíricos, mais uma vez, estão demonstrando o contrário. A este respeito, convém mencionar o Relatório sobre Desenvolvimento Social (1995) do Banco Mundial, uma instituição acima de suspeitas até para o mais feroz neoliberal. Nesse documento, discute-se a dinâmica das migrações internacionais vis à vis o crescimento do comércio internacional.

Pois bem, apesar do grande incremento do comércio internacional no período de 1970 a 1990, a conclusão do relatório é de que a mobilidade de mão-de-obra diminuiu.

Para os países industrializados, a migração desde os países em desenvolvimento representa apenas cerca de 1,5 novo imigrante por mil habitantes ao ano, cifra esta que tem se mantido constante em relação ao tamanho da população desde 1970. Por outro lado, a migração entre os países industrializados diminuiu de cerca de 2,5 imigrantes por mil habitantes, em 1970, para 1,5 por mil, em 1990.

Conclui o documento que:

"O efeito total da migração internacional é muito menor que o do capital ou do comércio internacional: apenas 2% das pessoas nascidas em países de renda baixa ou média não vivem em seu país de origem".

Contudo, é necessário levar em consideração que a proporção de estrangeiros na população de certos países industrializados vem crescendo nos últimos anos. Tal crescimento se deve, no entanto, às notáveis diferenças verificadas nas taxas de fecundidade de ambos os grupos. Como os imigrantes têm, em geral, mais filhos que os nacionais, eles tendem a aumentar a sua participação relativa na população total.

Mas o importante aqui é frisar que a mobilidade da mão-de-obra em escala internacional é muito pequena e não tem sofrido alterações significativas, apesar do crescimento do comércio mundial e da globalização.

No nosso entendimento, a tendência inexorável é que esta mobilidade, já muito restrita, caia ainda mais em função do enrijecimento das legislações imigratórias na maior parte dos países industrializados.

De fato, ante a pressão de grupos de extrema direita, cada vez mais numerosos, os governos das nações mais desenvolvidas, até mesmo os social-democratas, adotam como plataforma eleitoral o combate `a imigração ilegal que "rouba empregos" e "sobrecarrega o Estado".

É claro que a imigração não tem nada a haver com o desemprego estrutural das economias industrializadas e nem tampouco há provas concretas de que os imigrantes representem custos significativos para os sistemas de seguridade social desses países, mas é sempre bom ter um bode expiatório, de modo que os imigrantes acabem se transformando nos "vilões" de todas as questões sociais.

O caso da França nos parece exemplar. Apesar de não ter um número excessivo de imigrantes em seu território, os governos franceses conservadores elaboraram e implementaram, nos últimos anos, as tristemente famosas leis Pasqua e Debré, que praticamente tornaram impossível a vida dos imigrantes na França. Tal legislação, embora não tenha dado a menor contribuição para resolver o problema do desemprego naquele país, acabou por produzir a categoria dos "sans papier" , imigrantes que, mesmo estando há muito tempo em território francês, não conseguem regularizar a sua situação e, com isto, transformam-se em mão-de-obra extremamente barata para o setor informal. O pior, porém, é que o novo governo socialista, descumprindo promessa eleitoral, não tenciona revogar tais dispositivos.

Muitos outros países, no entanto, vêm adotando essa mesma política de perseguição e de exclusão dos imigrantes do setor econômico formal e do convívio social. Nos EUA, alguns estados, como o da Califórnia, por exemplo, chegaram ao cúmulo de propor a cassação de um direito básico dos filhos de imigrantes: o da educação. No combate à imigração irregular, o desrespeito aos direitos humanos parece ser a regra básica.

Ressalte-se que a Organização das Nações Unidas aprovou, em 1990, a Convenção Internacional Para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Seus Familiares", a qual estipula uma série de direitos básicos dos imigrantes, mesmo daqueles que não se encontram em situação regular nos países receptores. Ainda assim, muitas nações continuam a desrespeitar e discriminar os trabalhadores migrantes e a implantar políticas imigratórias cada vez mais restritivas .

Até mesmo no Mercosul, os nossos parceiros já começaram a se precaver contra uma possível invasão de irmãos tupiniquins. Recentemente, a Argentina aprovou uma legislação migratória bem mais restritiva; e o Uruguai caminha no mesmo sentido.

É sintomático constatar que, quando se discute a globalização, fala-se apenas na necessidade de livre circulação de bens e capital. A possibilidade da livre circulação de mão-de-obra nunca é mencionada, a não ser que se trate da circulação de trabalhadores no âmbito restrito de algum bloco econômico (União Européia, por exemplo).

Em suma, a globalização neoliberal parece querer restringir-se à livre circulação de capital, bens e serviços. Já no que tange à mão-de-obra, a história é bem diferente. Os miseráveis devem ficar onde estão: nada de pegar atalhos para a prosperidade do Primeiro Mundo.

Nesse sentido, a questão da imigração denuncia os limites da ideologia da globalização e o caráter crescentemente excludente da acumulação capitalista em sua atual fase.

Porém, os estudos mostram que a migração é benéfica tanto para os países que enviam mão-de-obra quanto para os países que a recebem.

Para aqueles, os benefícios resultam, basicamente, da remessa de divisas dos emigrados para os seus território de origem. Calcula-se que cerca de 75 bilhões de dólares sejam enviados todos os anos para os países em desenvolvimento, através desse mecanismo. Em nações como Jordânia, Lesoto e Iêmen, tais remessas podem oscilar de 10 a 50% do PIB. De certa forma, as migrações internacionais ensejam, portanto, uma redistribuição de renda em escala internacional.

Já para os países que recebem os imigrantes os benefícios resultam do aumento da produtividade que essa mão-de-obra acarreta, mormente em setores e/ou atividades cujos empregos são rejeitados pelos cidadãos autóctones.

A rejeição aos imigrantes não possui, em conseqüência, nenhum motivo econômico e social concreto e consistente, e resulta do racismo e da xenofobia alimentados pelas contradições da acumulação capitalista e pelos efeitos nocivos das políticas neoliberais .

3- A diáspora brasileira e o Estado.

Pois bem, é dentro desse contexto de políticas econômicas crescentemente excludentes, recrudescimento do racismo e da xenofobia, e enrijecimento da legislação imigratória que devemos analisar a denominada "diáspora brasileira".

O Brasil, assim como a maior parte dos países do continente americano, foi, até um período relativamente recente, uma nação de grande tradição no acolhimento de imigrantes. De fato, entre 1820, data da chegada dos primeiros colonos alemães a Nova Friburgo, até 1980, o Brasil recebeu cerca de 5.600.000 imigrantes, especialmente portugueses (31,5%), italianos (28,7%), espanhóis (12,9%), alemães (5,3%) e japoneses (4,4%).

Durante o auge do processo imigratório no Brasil, os migrantes estrangeiros chegaram a representar 7,3% da população residente (Censo de 1900), uma cifra, sem dúvida alguma, bastante significativa. A partir da década de 30, no entanto, esse caudaloso fluxo imigratório começa a diminuir consideravelmente, em parte devido às mudanças ocorridas na Europa, e em parte devido às políticas imigratórias mais restritivas adotadas principalmente no Estado Novo, as quais visavam proteger o trabalhador nacional. Hoje em dia, os estrangeiros residentes no Brasil representam apenas 0,6 % da população.

Entretanto, em meados da década de 80, começa a se verificar no Brasil um fato inédito: a emigração. Antes dessa data, a emigração era um fenômeno residual e se restringia à "exportação" de mão-de-obra muito qualificada, o chamado brain drain.

Contudo, as crescentes facilidades relacionadas aos meios de transporte, associadas à grande recessão que o país vivia na época, fizeram com que um número cada vez maior de brasileiros fosse buscar uma oportunidade de emprego no exterior, inclusive (e principalmente) aqueles que não tinham qualificação profissional.

De lá para cá, as forças expulsoras dos emigrantes brasileiros só fizeram crescer, uma vez que os planos de estabilização, inclusive o Real, não só fracassaram em resolver os problemas da distribuição desigual da renda e do desemprego, como também os agravaram, pois os ajustes que tais planos demandam provocam desequilíbrios substanciais no mercado de trabalho.

Com efeito, desde o início desta década que a economia brasileira não vem gerando postos de trabalho formais em escala suficiente para cobrir o grande aumento de sua população economicamente ativa. Tem-se observado, portanto, uma "precarização" e "informalização" crescente do nosso mercado de trabalho, que se reflete no incremento da participação relativa dos autônomos e dos empregados sem carteira nos total dos ocupados.

Assim sendo, o fluxo emigratório manteve-se constante nos últimos anos, e nada indica que as mencionadas forças expulsoras venham a mitigar-se num futuro próximo.

Esse fluxo dividiu-se em três correntes principais.

A primeira e principal delas refere-se à emigração para os EUA, que sempre foi um grande pólo de atração de imigrantes latino-americanos. De acordo com os dados fornecidos pelos consulados brasileiros, tal corrente representou 43,8% do total, somando, em números absolutos, 580.193 indivíduos ( vide Tabela II, abaixo).

TABELA II

Estimativa do número de imigrantes brasileiros, por país e condição

( 1997 )

Países I. Regulares I. Irregulares Detentos Total

Fonte: MRE.

A segunda corrente que gostaríamos de destacar é a relativa ao Japão, que passou a importar a mão-de-obra de ascendência nipônica ( os dekasseguis), a partir do início desta década, como forma de aumentar a produtividade das pequenas e médias empresas japonesas, ameaçadas pela concorrência dos "tigres asiáticos". Tal corrente representa, conforme as informações da Tabela II, cerca de 12, 7% do total.

A terceira e última corrente que merece destaque diz respeito ao Paraguai e responde por 26,4% do total de imigrantes brasileiros. Segundo os dados da tabela acima, haveria aproximadamente 350.000 " brasilguaios" naquele país. Essa corrente que se dirigiu para o nosso parceiro do Mercosul tem uma especificidade que merece ser comentada , qual seja: ela é a única, dentre as citadas, que resulta diretamente da estrutura fundiária extremamente injusta que existe no Brasil. Com efeito, a maior parte desses "brasilguaios" provêm da Região Sul e são agricultores que foram expulsos da terra quando as relações capitalistas de produção penetraram mais profundamente nos estados meridionais do Brasil.

Em conjunto, essas três correntes principais respondem por 82,7% do fluxo total de emigrantes brasileiros. O restante ( 17,3%) disseminou-se por outros países fronteiriços ( Bolívia, Uruguai, Suriname etc.) e algumas nações da Europa (Portugal- cerca de 22.000 imigrantes registrados- , Reino Unido, Alemanha etc.)

Conforme ainda os dados da Tabela II, constata-se que a distribuição do fluxo entre os imigrantes em situação regular e irregular é, de um modo geral, bastante equilibrada. De fato, no cômputo geral, cerca de 52% dos imigrantes estimados pelos consulados estão em situação regular, ao passo que os outros 48% vivem em situação irregular no exterior. Porém, deve-se destacar que essas estimativas dos consulados brasileiros são realizadas sem um plano metodológico definido e baseiam-se muito nos próprios registros consulares. Como os imigrantes em situação irregular resistem em registrar-se nos consulados e embaixadas, é bastante provável que as estimativas arroladas na Tabela II tenham subestimado o número de imigrantes em situação não-regularizada.

A este respeito, deve-se fazer um contraste entre a corrente migratória para o Japão e a corrente migratória dirigida aos EUA.

Como se pode observar através das informações da Tabela II, a grande maioria dos imigrantes brasileiros no Japão (98%) encontra-se em situação regularizada. Esse fato é decorrente da dinâmica específica de tal corrente migratória. Trata-se de uma imigração estimulada pelo governo japonês e destinada a suprir necessidades de mão-de-obra da indústria nipônica. Portanto, o imigrante brasileiro que para lá se dirige já sai do Brasil, em geral, com o contrato de trabalho assinado.

Em contraste, cerca de 70% dos imigrantes brasileiros que residem nos EUA estão em situação irregular. Trata-se de uma emigração espontânea, que, normalmente, apoia-se apenas em laços familiares, tal como ocorre nas migrações internas no Brasil. Indivíduos que têm parentes vivendo nos EUA, emigram para aquele país confiando somente no suporte social das relações familiares e sujeitam-se aos rigores e às humilhações próprios do trabalho informal. Essa corrente é cada vez mais combatida pelo governo americano. Em conseqüência, o número de imigrantes que conseguem regularizar a sua situação é cada vez menor.

Fizemos tal distinção entre os dois tipos de imigração não por mera curiosidade acadêmica, mas sim porque ela tem efeitos importantes, no que tange à capacidade de organização das duas comunidades.

No Japão, em virtude do fato de que a grande maioria dos imigrantes brasileiros está em situação regular, a comunidade dos emigrados é mais bem-organizada e tem melhores condições de se defender dos abusos praticados.

Naquele país, os imigrantes brasileiros montaram serviços de assistência jurídica e de saúde, que , até certo ponto, conseguem amenizar a condição de muitos cidadãos brasileiros que lá residem. Nos casos de abuso no trabalho, que são frequentes, a rede de assistência estruturada pelos imigrantes, somada ao apoio dos consulados, consegue, algumas vezes, dar uma resposta adequada.

Já nos EUA, assim como na maioria das nações onde há cidadãos brasileiros residindo, os imigrantes, por estarem em situação irregular, não conseguem se organizar. Em geral, o imigrante não-regularizado evita o contato com outros patrícios, pois teme tornar-se visível aos olhos do Serviço de Imigração. Assim sendo, a comunidade brasileira nos EUA é atomizada e dispersa, o que dificulta sobremaneira a defesa contra abusos e perseguições.

No que diz respeito especificamente ao papel do Estado brasileiro na proteção dos brasileiros que vivem no exterior, é preciso ressaltar, antes de tudo, que o fenômeno recente da emigração encontrou uma estrutura de assistência consular desaparelhada e claramente insuficiente para fazer frente ao novo desafio.

Até princípios da presente década, os consulados brasileiros se constituíam, de modo geral, em meros "carimbadores" de transações comerciais O número de turistas e de imigrantes brasileiros era pequeno e não havia qualquer preocupação maior com a defesa dos cidadãos brasileiros no exterior.

Cerca de 65% dos consulados brasileiros estavam na Europa e, em sua maioria, não dispunham de infraestrutura humana e material adequada. Muitos eram absolutamente inúteis e não prestavam nenhum serviço relevante, embora estivessem localizados em cidades turisticamente atraentes.

Ademais, não havia uma "cultura", no âmbito da estrutura consular, da necessidade de prover o cidadão brasileiro no exterior do imprescindível apoio. Os consulados eram instituições fechadas ao cidadão comum.

Sem embargo, de alguns anos para cá, o Itamarati vem implementando uma diretriz que colocou a assistência aos brasileiros no exterior como um dos pontos centrais da nossa política externa.

Os consulados inúteis foram fechados e foram abertos outros onde havia necessidade ( Nagoya, Ciudad del Este etc.). Como resultado, hoje em dia 65% dos consulados estão fora da Europa. Ao mesmo tempo, o MRE diz que vem procurando dotar a rede consular da infraestrutura humana e material adequada e implantar a "cultura" do atendimento ao cidadão.

Tais esforços vêm sendo coordenados pela Diretoria Geral de Assuntos Consulares e de Assistência aos Brasileiros no Exterior, criada especialmente para tal finalidade.

Entretanto, é forçoso reconhecer que tal empenho, embora meritório, dista muito de ter conseguido, até agora pelo menos, dar uma resposta adequada ao imenso desafio que a "diáspora" brasileira apresenta. Com efeito, os casos de abuso e de discriminação contra brasileiros no exterior continuam a multiplicar-se, sem que se consiga dar soluções pertinentes. Até mesmo o mais inocente turista não está livre de ser importunado e discriminado por arrogantes fiscais de imigração. Nos últimos tempos, a crise das economias asiáticas tem resultado na deterioração das condições de vida e de trabalho dos dekasseguis , pois os imigrantes brasileiros no Japão estão inseridos em pequenas e médias empresas de baixa produtividade que sobrevivem nos interstícios da economia japonesa. Logicamente, elas são bastante afetadas e os dekasseguis são os primeiros a serem demitidos.

Esse fracasso tem menos a haver, no nosso entendimento, com as insuficiências da rede de assistência aos brasileiros no exterior (embora elas sejam importantes), do que com as equivocadas políticas neoliberais do governo FHC e com as características excludentes da globalização já mencionadas neste trabalho.

Ao trilhar pelo caminho recomendado pelo Consenso de Washington, o governo FHC acentua o problema da "diáspora" brasileira, pelo menos em dois aspectos. De um lado, ao implementar as políticas neoliberais, ele mantém e intensifica as forças expulsoras da mão-de-obra brasileira, o que tende a aumentar a dimensão da "diáspora". De outro, ao aprofundar a nossa inserção subalterna no cenário internacional, ele diminui a capacidade política de nos opormos à discriminação contra os brasileiros no exterior.

Há um caso que exemplifica bem a última afirmativa. Recentemente (1996), o governo brasileiro assinou com a França um acordo bilateral de cooperação em matéria de segurança pública. Pois bem, por pressão do governo francês, foi incluído no diploma em pauta um dispositivo pelo qual o governo brasileiro se obriga a cooperar na identificação, na interpelação e no repatriamento de imigrantes ilegais provenientes de seu território. Em outras palavras: o Executivo brasileiro comprometeu-se a delatar os seus nacionais em situação não-regularizada naquele país. Evidentemente, tal dispositivo não pode conciliar-se com a propalada política de assistência aos brasileiros no exterior.

Assim sendo, a tendência inexorável é que os emigrantes brasileiros continuem serem perseguidos e discriminados no exterior e que a rede consular continue a não fornecer-lhes o apoio necessário.

Conclusões.

a) Embora a globalização seja um fenômeno mitificado e "ideologizado",

ele produz, de fato, conseqüências sócio-econômicas importantes, principalmente em função da adoção do modelo neoliberal em escala internacional.

b) Dentre tais conseqüências, estão o aumento exponencial das desigualdades entre os países, o incremento das disparidades sociais no interior das nações e o crescimento geral do desemprego e da "precarização" do mercado de trabalho.

c) Evidentemente, esses efeitos nocivos tendem a se constituir em poderosas forças expulsoras de mão-de-obra, especialmente da força de trabalho dos países em desenvolvimento.

d) Contudo, as crescentes barreiras imigratórias que as nações mais desenvolvidas vêm construindo têm mantido os fluxos migratórios internacionais em níveis estáveis, ao mesmo tempo em que se desencadeia um processo de verdadeira perseguição aos imigrantes dos países em desenvolvimento.

e) No caso brasileiro, a experiência recente da emigração, ocasionada basicamente pelos efeitos danosos dos ajustes econômicos de cunho neoliberal, encontra um ambiente francamente hostil no exterior e uma estrutura consular desaparelhada e ineficiente.

f) Apesar dos esforços do Itamarati, tal estrutura ainda dista muito do minimamente adequado para atender o cidadão brasileiro no exterior.

g) Ao mesmo tempo em que se procura implementar uma política eficaz de assistência aos brasileiros no exterior, o modelo neoliberal adotado no Brasil pelo governo FHC e as características marcadamente excludentes de suas políticas conspiram contra a solução dos problemas criados pela "diáspora brasileira".

SOBERANIA, DIREITOS HUMANOS E MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS

No dia 28 de agosto de 2001, um navio cargueiro, denominado Tampa, de bandeira norueguesa resgatou 438 pessoas que estavam num barco indonésio à deriva em alto-mar. A maioria dessas pessoas vinha do Afeganistão, mas também havia passageiros do Sri Lanka e do Paquistão, todos tentando chegar à Austrália. A imprensa dividiu-se entre falar de um navio “cheio de refugiados” ou de um navio “cheio de imigrantes ilegais”. A Austrália recusou-se a recebê-lo, e afirmou que “a carga” do Tampa era responsabilidade da Indonésia ou da Noruega. A Indonésia ameaçou mandar o exército ao porto para impedir os refugiados de desembarcarem, mas depois voltou atrás, aceitando recebê-los. Os passageiros, por sua vez, recusaram-se a voltar e resolveram fazer greve de fome. Durante uma semana, o navio Tampa permaneceu no mar, vigiado pela marinha australiana e impedido de atracar em qualquer lugar do mundo.

A situação desse navio serve como uma metáfora da questão da imigração atualmente, refletindo, na figura de um navio impedido de atracar, a situação de milhões de pessoas ao redor do mundo. Os dilemas e os questionamentos que vieram à tona durante as negociações sobre o destino dos passageiros do Tampa sintetizam, de certa forma, uma série de problemas gerais relacionados aos aspectos políticos das migrações internacionais hoje. Em uma só questão: Afinal, o que impede um indivíduo de viajar para o exterior ou viver em um determinado país?

Levando em consideração de que é cada vez mais fácil, tanto em termos de custo como de tecnologia de transporte, se deslocar de um ponto ao outro do planeta, e tendo em mente que as oportunidades econômicas são tão desigualmente distribuídas em termos geográficos, por que, então, as pessoas não podem simplesmente sair de um lugar e ir para outro em busca de uma vida melhor?

romeiro neto
Enviado por romeiro neto em 13/05/2010
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