American Dream-Sonho Americano

Imigração e Estado

A resposta mais simples para essa questão é a constatação imediata de que o mundo é dividido em Estados, e Estados são associações que, entre outras características, possuem o monopólio de legitimidade da mobilidade, isto é:

[...] os Estados modernos e o sistema internacional de Estados do qual eles são parte expropriaram do indivíduo e das entidades privadas, particularmente, mas de maneira nenhuma exclusivamente, os meios legítimos de movimentos através das fronteiras internacionais (Torpey, 2000, p. 4).

Nenhuma pessoa hoje pode cruzar a fronteira de nenhum país sem estar munida de um passaporte, e muitas vezes também de um visto, a não ser nos casos em que haja acordos entre os países como, por exemplo, entre os países membros da União Européia. Assim, os passageiros do Tampa não poderiam desembarcar na Austrália sem a concordância desse país. O monopólio de legitimidade da mobilidade é considerado um dos fundamentos da soberania do Estado.

Protestos podem ser feitos, e ocorreram nesse caso dentro e fora da Austrália, mas, em última instância, não existe nenhuma organização superior ao Estado neste aspecto específico que possa obrigá-lo a aceitar quem quer que seja em seu território. A autonomia do Estado no campo das migrações é uma das principais características do direito internacional tradicional. Dentro desse paradigma, o indivíduo é um não-sujeito, isto é, não existe. Internacionalmente, são os Estados que se relacionam entre si, ou seja, não há uma relação entre indivíduos de uma determinada nacionalidade e Estados de outra. Quando por ventura ocorre um conflito nesses termos, por exemplo, se um determinado Estado ofende de alguma forma um cidadão de outro Estado, a questão passa a ser tratada na esfera governamental, assume a forma de uma ofensa de um estado ao outro, e só pode ser discutida e resolvida entre eles (Lilich, 1984).

A característica fundamental que distingue as migrações internacionais de outros tipos de migração é, portanto, que elas implicam uma mudança do indivíduo entre duas entidades, entre dois sistemas políticos diferentes. Nesse sentido, pode-se afirmar que as migrações internacionais são não apenas um fenômeno social, mas também inerentemente político, “que advém da organização do mundo num conjunto de Estados soberanos mutuamente exclusivos, comumente chamado de sistema westphaliano” (Zolberg, 1999, p. 81).

Reconhecer a importância do Estado nas migrações internacionais não significa afirmar que ele é necessariamente o fator mais relevante na formação e na manutenção dos fluxos. As migrações internacionais não são causadas exclusiva ou principalmente pela ação do Estado. No entanto, ele, por meio de políticas de imigração e cidadania, é um importante fator explicativo no processo de formação dos fluxos e ajuda a moldar a forma que esses fluxos adquirem.

Se, no caso do navio Tampa, a Austrália decidiu que não aceitaria os passageiros, o navio deveria, então, voltar à Indonésia, de onde eles tinham partido. No entanto, valendo-se do mesmo princípio de soberania, este país também decidiu, num primeiro momento, não recebê-los. Os passageiros, por sua vez, não queriam voltar a seus países de origem, e mesmo quando a Indonésia se dispôs a recebê-los, recusaram a oferta. Eles alegavam estar em busca de asilo político, e, nesse caso, as normas internacionais determinam que, antes de qualquer ação, deve ser julgada a pertinência do requerimento. Ao obrigá-los a voltar, a Austrália estaria, portanto, violando o artigo 33 da Convenção de Genebra, a chamada norma de non-refoulement, presente também no protocolo de Nova York, a qual regulamenta a questão dos refugiados em termos do direito internacional.

A Convenção de Genebra e o protocolo de Nova York representam um constrangimento para a autonomia decisória do Estado no que diz respeito ao controle de suas fronteiras, e por isso não se inserem na lógica do direito internacional tradicional, que garante a soberania nacional no controle dos movimentos migratórios.

A Convenção Relativa ao Status de Refugiado foi assinada em 1951, na cidade de Genebra, e tinha um âmbito bastante limitado e preciso, qual seja, a situação das pessoas deslocadas pelos regimes totalitários da Europa nos anos de 1930 e pela Segunda Guerra Mundial. Em 1954, surgiu a Convenção Relativa aos Apátridas, que também se referia basicamente a situações do pós-guerra. No entanto, com a persistência dos conflitos armados e das ditaduras nos anos subseqüentes, esses mecanismos foram sendo estendidos e aperfeiçoados para dar conta das novas situações. Em 1961, foi assinada a Convenção de Prevenção da Formação de Apátridas, e, em 1967, o Protocolo de Refugiados, em Nova York, o qual estendeu o conceito de refugiados para outros tipos de situação.

A Convenção de Genebra prevê, entre outras coisas, que os Estados signatários têm obrigação de analisar os pedidos de asilo e de conceder aos refugiados o mesmo tratamento de que usufruem os cidadãos do país no que concerne à educação, à saúde e às condições de emprego. Além disso, deve-se garantir que não haja discriminação e que não sejam penalizados mesmo os candidatos a asilo que entrarem em um país sem autorização. A partir do Protocolo de Nova York, a Convenção de Genebra passou a ser aplicada também para casos não diretamente relacionados aos eventos anteriores a 1951.

A Convenção sobre os Apátridas de 1954 afirma basicamente que os indivíduos não considerados cidadãos nacionais por nenhum país devem ter seus direitos garantidos pelo Estado no qual residem, o qual deve também ser responsável pela emissão de documentos de identidade, além de facilitar o processo de naturalização. A Convenção de 1961 trata da prevenção da formação de apátridas, comprometendo os Estados signatários a concederem a nacionalidade a pessoas que nasceram em seu território ou aqueles nascidos em outro território, cujos pais sejam “nacionais” desse Estado, e que, de outra forma, se tornariam apátridas; ; e também a não punirem com a perda da nacionalidade os casos de mudança de status, como casamento, divórcio, adoção ou aquisição de outra nacionalidade.

A legislação referente ao problema dos refugiados e apátridas, mesmo expandida e aperfeiçoada, continua a se basear numa lógica de exceção, sem questionar os fundamentos do paradigma westphaliano. Em respeito à sua soberania, nenhum Estado é obrigado a acolher os refugiados, apenas são proibidos de mandá-los de volta aos países acusados de perseguição (princípio de non-refoulement). Também não existe nenhum organismo supranacional capaz de controlar ou de punir os Estados que infringirem a lei (Bhabha, 1998; Mbaya, 1998).

No âmbito geral dos direitos humanos, apesar de suas limitações, as convenções relativas aos refugiados e apátridas representam um ponto de inflexão no direito internacional, pois pela primeira vez é reconhecida a existência do indivíduo no cenário internacional. Lentamente, direitos individuais universais independentes do Estado vão sendo reconhecidos, numa tendência que vinha se acentuando desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

De fato, antes disso, a criação da Liga das Nações, da Organização Internacional do Trabalho e a existência de um direito internacional de guerra já revelavam uma preocupação internacional com o indivíduo. Mas é somente após a Segunda Guerra Mundial que começa a ser criado um regime internacional de direitos humanos, a partir da instauração do Tribunal de Nuremberg, entre 1945 e 1946, para julgar os criminosos de guerra, e da adoção da Declaração Universal dos Diretos Humanos em 1948 pela ONU.

No âmbito da imigração propriamente dito, cabe destacar que a Declaração garante aos indivíduos, no artigo 15, o direito a ter direitos, isto é, o direito a ter uma nacionalidade, de não perdê-la e de poder trocar de nacionalidade; no artigo 14, o direito de procurar asilo em casos de perseguição; e no artigo 13, parágrafo 2, o direito de sair, isto é, deixar seu país de origem, e de voltar quando tiver vontade. Os avanços nesse sentido não representam, entretanto, uma ruptura com o paradigma anterior. A autonomia decisória do Estado a respeito de quem pode entrar ou residir em seu território permanece assegurada. O mesmo artigo 13, em seu parágrafo 1, deixa claro que a liberdade de movimento e de residência é limitada ao “interior das fronteiras de cada Estado”. Não existe nada como um “direito de entrar” que possa ser equiparado ao direito de sair. O artigo 14 garante à “vítima de perseguição [...] o direito de procurar e de gozar asilo em outros países”, contudo nenhum país é obrigado a aceitá-la.

A Declaração dos Direitos Humanos, em sua interpretação mais tradicional, serviria para regular apenas a relação entre os Estados e seus cidadãos. Entretanto, com o reconhecimento cada vez maior do indivíduo no campo internacional, e com o aumento do número de imigrantes no mundo, tornou-se cada vez mais freqüente sua utilização como um parâmetro para regular as relações entre os Estados receptores e os imigrantes. Por exemplo, o artigo 16, parágrafo 3, afirma que “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito à proteção da sociedade e do Estado”. Uma interpretação mais liberal desse artigo dá margem a uma política de imigração que preveja a concessão de vistos para membros estrangeiros de famílias de “nacionais” ou de imigrantes legais, mesmo quando não for do interesse do Estado receber mais imigrantes. Contudo, a maior parte dos países receptores, mesmo aqueles que mantêm uma política de reunificação familiar, reluta em aceitar esse tipo de interpretação e em reconhecer a existência formal desse direito. Além disso, persiste a questão de determinar quais pessoas pertencem à família, isto é, que tipo de laços familiares justificam a inclusão do indivíduo num programa de reunificação familiar.

Diante de situações como essa, formou-se a consciência de que a Declaração dos Direitos Humanos não era suficiente para lidar com problemas que ocorrem na relação dos Estados com indivíduos estrangeiros. O primeiro organismo internacional a produzir uma legislação específica sobre o assunto foi a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em 1949, a OIT produziu a Convenção de Imigração para o Trabalho (n. 97) e, em 1975, a Convenção dos Trabalhadores Imigrantes (n. 143). Essas duas convenções recomendavam um esforço dos Estados no sentido de divulgar informações que pudessem facilitar o processo de imigração e procuravam garantir que os imigrantes recebessem o mesmo tratamento e tivessem os mesmos direitos que os trabalhadores “nacionais”, independentemente de nacionalidade, raça, religião ou sexo. A segunda incluiu artigos relacionados à questão da imigração ilegal e do tráfico de pessoas, além da inclusão de parágrafos relativos a direitos culturais. No entanto, ambas têm uma baixa taxa de ratificação, sobretudo a segunda (41 países ratificaram a primeira, e somente 18, a segunda). Nos dois casos, países como a Austrália, os Estados Unidos e a França, grandes receptores de imigrantes, estão ausentes,. Ainda assim, a situação dos imigrantes tem atraído cada vez mais a atenção dos organismos internacionais. Desde meados da década de 1970, em diversas ocasiões, e por meio de diferentes órgãos, a ONU tem se manifestado pela necessidade de uma maior regulamentação internacional sobre o assunto.

Em 1990, a ONU aprovou, em Assembléia Geral, a Convenção sobre Direitos dos Imigrantes (18/12/1990), a qual exige não só o mesmo tratamento no âmbito do trabalho para cidadãos “nacionais” e imigrantes legais, mas também que estes sejam informados de seus direitos numa língua compreensível para eles, que tenham direito de recorrer ao judiciário em caso de deportação; ademais, estabelece regras para o recrutamento de estrangeiros. Essa convenção conseguiu o número mínimo de ratificações em 14 de março de 2003, e passou a vigorar em 1º de julho desse ano. Porém, os principais países receptores não a assinaram.

Além das convenções internacionais, existem também convenções regionais e tratados bilaterais que regulamentam situações específicas. A Organização dos Estados Africanos têm convenções próprias para a situação dos refugiados, assim como os países do Oriente Médio, a Organização dos Estados Americanos, o Conselho da Europa e a União Européia. Esta, de fato, possui o único mecanismo internacional de caráter vinculante, a saber, a Declaração Européia de Direitos Humanos. Além disso, os países membros estão trabalhando na adoção de uma política de imigração comum, o que discutiremos com mais atenção adiante.

A importância cada vez maior das migrações internacionais no cenário internacional também pode ser medida tanto pela proliferação de reuniões onde esse assunto se tornou tema principal (Seminário Internacional sobre o Diálogo Cultural entre Países de Origem e Destino de Trabalhadores Imigrantes, 1989), como pelo papel de destaque que o tema adquiriu em conferências mais amplas, como as relacionadas à população, ao trabalho e ao combate ao racismo (Conferência Mundial de Direitos Humanos, parte 2, parágrafos 33-35; Conferência Internacional em População e Desenvolvimento, capítulo 10; Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social, cap. 3 e 4; e IV Conferência Internacional da Mulher, cap. IV. D).

Além da questão dos refugiados e dos problemas que envolvem a reunificação familiar, um dos principais pontos no debate entre a soberania do Estado e os direitos individuais no campo das migrações internacionais concerne ao tratamento dado aos imigrantes indocumentados. Existe muita controvérsia sobre quais são as obrigações dos Estados para com os indivíduos que se encontram em situação irregular dentro de seu território. Em termos mais abstratos, trata-se de saber quais são os direitos individuais que devem ser garantidos mesmo aos indivíduos que estão “fora da lei”. Muitos Estados temem que uma política que conceda muitos direitos aos indocumentados possa servir como um estímulo para que mais pessoas migrem de forma ilegal. As convenções internacionais têm recomendado que os Estados ajam, sobretudo, no sentido de coibir o emprego de ilegais e as redes internacionais de tráfico de pessoas, e não os imigrantes ilegais em si. Apesar disso a imigração ilegal vem sendo cada vez mais criminalizada na legislação doméstica dos países receptores, com conseqüências nefastas para todos os imigrantes.

Especificamente no caso do atual movimento de emigração brasileiro, a questão dos indocumentados é de particular importância e já começa a preocupar setores do governo brasileiro, pois grande parte dos emigrantes brasileiros no exterior está em situação ilegal (1/3 do total de emigrantes segundo estimativas do Itamaraty). A fragilidade da situação legal desses imigrantes torna-os alvos fáceis do desrespeito aos direitos humanos. Nesse sentido, é de fundamental importância o envolvimento do Estado de origem na questão.

Recentemente, o Estado brasileiro tem assumido uma posição mais ativa em relação à situação dos imigrantes ilegais brasileiros. Em 2003, o presidente do Brasil, em viagem a Portugal, incluiu na agenda das conversações uma discussão sobre a situação dos imigrantes ilegais brasileiros no país. Estima-se que a população de brasileiros ilegais em Portugal seja de 15.000 a 25.000 pessoas, e que 1.800 brasileiros já tenham sido deportados desde que a última reforma nas leis de imigração portuguesa entrou em vigor em novembro de 2001 (Folha de S. Paulo, 09/07/2003). Em 11 de julho desse ano, os dois países assinaram um acordo para facilitar a regularização dessa população. No entanto, segundo a Casa do Brasil, entidade formada por emigrantes brasileiros em Portugal, dos 10.793 brasileiros que se apresentaram para o processo de regularização, apenas 562 conseguiram o visto de trabalho (até o final de fevereiro de 2004).

A participação do Estado brasileiro também foi importante na obtenção de um acordo para a deportação de centenas de brasileiros que estavam presos nos Estados Unidos, sob a acusação de imigração ilegal. Uma comissão parlamentar negociou com o governo dos Estados Unidos os termos do acordo, com vistas a garantir, nas palavras do deputado João Magno (PT-MG), que “os repatriados serão tratados como cidadãos e não como bandidos, não virão algemados ou acorrentados, nem com roupas de prisioneiros”. “A ‘Operação Desembarque’, como foi chamada, mobilizou aproximadamente duzentas pessoas, entre policiais civis, militares e federais, agentes da Defesa Civil, Ministério Público Federal, Itamaraty e Ministério da Justiça”, mas as despesas com a viagem foram custeadas pelo governo dos Estados Unidos (Folha de S. Paulo, 29/1/2004).

Além dos dois casos mencionados, há relatos de que brasileiros ilegais enfrentam problemas no Paraguai (segunda maior população de brasileiros no exterior, estimada entre 350 e 400 mil), na Inglaterra, na Guiana Francesa, entre outros países.

O problema dos indocumentados está no centro de várias polêmicas entre países receptores e emissores. No início dos anos de 1980, nos Estados Unidos, um dos mais importantes acontecimentos nessa área envolveu a polêmica aprovação, num plebiscito na Califórnia, de uma medida que pretendia excluir do ensino público os filhos de imigrantes ilegais. A proposição 187, como ficou conhecida, foi revogada na Suprema Corte, que considerou não apenas que a educação é um direito inalienável de todo ser humano, mas também que as crianças não deveriam ser punidas pelos crimes de seus responsáveis.

O estudo da evolução do regime internacional de direitos humanos mostra que é crescente o reconhecimento do indivíduo como portador de direitos independentes de sua nacionalidade, mas, ao mesmo tempo, revela que a implementação desses direitos continua basicamente dependente dos Estados, no caso específico das migrações internacionais, dos Estados receptores. Em relação àquele navio norueguês na costa da Austrália, por exemplo, não havia nem mesmo um consenso sobre qual era o país responsável por fazer valer a lei. A Austrália insistia no fato de que se tratava de um problema da Noruega ou da Indonésia (bandeira dos navios). No entanto, a Convenção de Genebra prevê que, em situação de perigo, os imigrantes devem ser levados para o porto mais próximo. Como os imigrantes foram resgatados próximos do mar da Austrália, as pressões internacionais recaíram sobre este país. O secretário geral da ONU, Kofi Annan, afirmou que “isto não é maneira de lidar com uma situação envolvendo refugiados” (New York Times, 30/8/2001); Mary Robinson, alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, foi mais enfática: “é muito lamentável o fato de um país com uma grande reputação como a Austrália seja incapaz de estender a mão, nos termos apropriados, e segundo as práticas estabelecidas, a essas pessoas” (Le Monde, 31/8/2001). Depois de uma semana que os refugiados estavam no mar, a Austrália resolveu colaborar para a solução do caso. Os candidatos a refugiados foram transferidos para um barco da marinha australiana, o HMAS Manoora, e levados para Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné e Nauru (país localizado em uma pequena ilha do Pacífico), onde funcionários da ONU conduziriam entrevistas para decidir seu status, e depois encaminhá-los para um país receptor, tendo a Austrália se comprometido a receber alguns deles.

A situação do Tampa põe em evidência, de forma muito clara, a tensão entre o respeito aos direitos individuais e a soberania do Estado, um dos aspectos mais importantes das políticas de imigração. No entanto, na mesma situação dos passageiros desse navio existem milhões de pessoas no mundo – candidatos à reunificação familiar, imigrantes ilegais e até mesmo pessoas que nasceram e sempre viveram num mesmo país, mas ainda assim são consideradas imigrantes, como é o caso de muitos países cuja base da cidadania é o jus sanguini.

Imigração, cidadania e nacionalidade

Além de deterem o monopólio sobre a mobilidade, os Estados também detêm o controle sobre a própria identidade do indivíduo, sua nacionalidade. Se os indivíduos nascessem e morressem todos no interior de um mesmo Estado, a definição de sua nacionalidade talvez fosse menos problemática. De fato, a nacionalidade é quase sempre atribuída ao indivíduo, independentemente de sua vontade. Ele pode até decidir deixar o território de seu país, se encontrar algum outro país disposto a recebê-lo, mas dificilmente pode renunciar à sua nacionalidade. A imigração, uma vez que subverte a relação povo/Estado/território obriga o Estado a formalizar, por meio de políticas de imigração e cidadania, as regras de acesso ao território e à nacionalidade.

O acesso à nacionalidade é importante na medida em que a própria legitimidade da ordem mundial pós-Westphalia é dada pelo chamado princípio de autodeterminação nacional, que

[...] estabelece que a um povo deve ser oferecida a possibilidade de conduzir livremente a sua vida política, econômica e cultural segundo princípios democráticos. A condução livre de sua vida política demanda, em primeiro lugar, que o poder político esteja sob o controle daquele povo e que tal controle seja exercido sob bases igualitárias e democráticas (a chamada autodeterminação interna, equivalente à democracia) e, em segundo lugar, que o controle seja exercido livre da independência de terceiros (a autodeterminação externa equivalente à independência) (Ikeda, 2001, p. 75).

O maior problema em relação à utilização do princípio de autodeterminação nacional como uma forma de definir unidades políticas é que, “em última instância, não existe nada dentro dos limites da fórmula de autodeterminação que sirva como uma guia na definição ou concretização do que seja esse auto” (Whelan, 1994, p. 103). Esse problema acaba por ser resolvido caso a caso, ou seja, cada entidade política que visa a se auto-organizar como Estado buscará afirmar sua singularidade, sua própria versão do que seja uma nação, de modo a justificar sua existência como uma entidade política independente (Hobsbawn e Ranger, 1984; Hobsbawn, 1990).

Apesar de as soluções serem individuais, de um modo geral os defensores do princípio de autodeterminação nacional conferem uma conotação étnica ao conceito de nação, pretendendo com isso estabelecer entidades políticas soberanas as mais etnicamente homogêneas possíveis. Ainda que essa homogeneização não seja completa, “o ônus da prova irá sempre ficar com aqueles que propõem um desvio do princípio de autodeterminação nacional, o qual permanece como a pedra fundamental do sistema de Versailles” (Keylor, 1995, p. 3).

A ligação entre Estado e nação, construída na modernidade, assim como o princípio de autodeterminação interna, implica na formação de um laço entre nacionalidade e cidadania, isto é, à medida que o Estado-nação é generalizado como a forma de organizar politicamente o mundo, a cidadania passa a ser atribuída em função da nacionalidade. Entre outras coisas, isso significa que o acesso aos direitos de cidadania está condicionado à posse da nacionalidade.

A definição de nacionalidade é tão complicada quanto a definição de nação. Não existem critérios “lógicos” ou “naturais” para decidir sobre a composição da nacionalidade. De um modo geral, há duas tradições para estabelecer tais critérios – uma baseada no contrato político, outra, na cultura. Essas tradições são também conhecidas como a francesa e a alemã, respectivamente, por serem historicamente identificáveis com esses dois países, embora nenhum deles tenha políticas que correspondam exatamente ao paradigma ao qual emprestam o nome. A nacionalidade seria uma escolha no ponto de vista francês, e, do ponto de vista alemã, um destino. Segundo a tradição republicana francesa, a nacionalidade baseia-se na adesão voluntária do indivíduo à nação. A constituição de 1791 atribui a cidadania francesa a todos que

[...] são nascidos na França de um pai francês, nascidos na França de um pai estrangeiro e que fixaram residência no país, vieram a se estabelecer na França e prestaram o juramento civil, nascidos de um pai estrangeiro, descendentes de um francês ou francesa expatriados por motivos religiosos, desejam se estabelecer na França e prestam o juramento cívico.

Nesse caso, a idéia de cidadania absorve a idéia de nacionalidade. O ideal revolucionário da cidadania como ato voluntário não apenas influenciou todas as legislações francesas que se seguiram, mas também serviu de inspiração para outros códigos de nacionalidade pelo mundo, embora nenhum país, nem mesmo a França, tenha retomado fielmente essa proposição (Bernard, 1993).

A tradição alemã, originada no período romântico, repousa numa concepção étnica e cultural do povo, e considera como “nacionais” apenas as pessoas que pertencem à cultura dominante do país, cultura essa transmitida pelo sangue. A nação, nesse caso, seria uma espécie de comunidade de sangue e de idioma. Alguns dos principais teóricos dessa corrente, como Herder, desenvolveram suas idéias em clara oposição aos ideais iluministas que inspiraram a Revolução Francesa. Sua principal crítica a essas idéias, e, especificamente ao pensamento de Rousseau, era a de que ele se baseava num conceito abstrato de humanidade, o qual não encontrava eco na realidade humana (Herder, 1995). A essa abstração, Herder opunha o conceito de “enraizamento”, a idéia de que as pessoas estão inseridas em culturas, das quais são indissociáveis, e que as culturas têm raízes profundas e marcam diferenças de fato entre os indivíduos. Isso, segundo a concepção alemã, é desconsiderado por filósofos como Rousseau, quando pregam a igualdade entre todos os homens.

Em consonância com esse conceito de cultura, a Alemanha desenvolveu uma política de nacionalidade que, até pouco tempo atrás, reconhecia somente o direito de sangue, pois a cultura seria transmitida pela família. Essa postura causou alguns problemas ao Estado alemão, sobretudo depois da queda do muro de Berlim, pois muitos habitantes da Europa do Leste tinham ascendência alemã e, portanto, direito à nacionalidade alemã, mesmo que não tivessem mais nenhum laço com o país. Por outro lado, os descendentes de turcos estabelecidos na Alemanha há três gerações dificilmente conseguiam ter acesso à nacionalidade alemã, formando um enclave de pessoas que habitavam o país, viviam como alemães, mas não tinham os mesmos direitos que eles. A partir de 2000, uma reforma no código de nacionalidade alemã reconheceu a possibilidade do jus soli, ou seja, a atribuição da nacionalidade baseada no local de nascimento, ainda que de forma bastante restritiva.

A atribuição da nacionalidade como um ato de vontade (adesão política ou escolha de local para viver) ou como um pertencimento étnico e cultural está presente em todos os Estados modernos. Isso nem sempre se apresenta de forma clara; muitas vezes ambas as tradições aparecem combinadas e, freqüentemente, as diversas combinações de jus soli e jus sanguini se sucedem no tempo no interior de um mesmo Estado. Antes da década de 1980, porém, a questão de identificar a parcela da população que teria direito à nacionalidade não foi, de um modo geral, um problema grave para os Estados. Contudo, o aumento da imigração e a fixação dos estrangeiros no território, que vinha ocorrendo desde a década de 1970, geraram a necessidade de repensar as políticas de nacionalidade e de imigração. Desde então, os principais países receptores de imigrantes vêm, sistematicamente, alterando suas políticas nessa área.

As políticas de nacionalidade e imigração estão intimamente ligadas. Antes de qualquer coisa, para se definir quem é o imigrante, é preciso se definir quem é o “nacional”. Além disso, o Estado tem de definir se deseja ou não que o imigrante se torne um cidadão nacional, e qual tipo de imigrante estaria nessa situação, e, ainda, quais seriam os critérios adequados para esse processo.

Diferentes concepções de nação favorecem diferentes políticas de nacionalidade/cidadania, e também de imigração. As políticas de imigração, sejam elas mais abertas ou mais fechadas, podem privilegiar determinado tipo de indivíduo ou determinada nação, em função dessa concepção de nacionalidade. Por exemplo, no caso do Estado de Israel, que se autodefine como um Estado judeu, os judeus de qualquer parte do mundo têm direito à imigração, direito este negado a outras etnias. No caso das ex-metrópoles coloniais européias, durante muito tempo os ex-colonos tiveram liberdade de circulação no território das antigas metrópoles, que os entendiam como já tendo feito parte do Estado-nação. Nos Estados Unidos, no início do século XX, a idéia do país como uma nação de brancos protestantes teve um papel importante na definição da política de quotas para imigração. Enfim, os exemplos são os mais variados.

A forma pela qual essas políticas se modificam ao longo da história revela como o próprio auto-entendimento do Estado nacional se transforma. Isso não equivale a dizer que essas políticas sejam uma simples transposição de idéias abstratas de nacionalidade para a realidade. De fato, as políticas de migração e nacionalidade refletem interesses econômicos, demográficos e conjunturas políticas. Contudo, por suas próprias naturezas, elas obrigam os atores sociais envolvidos nas suas produções a se expressarem em termos de um discurso de nacionalidade, a tentarem responder à questão “quem nós somos”, ou “quem nós queremos ser”, e, nesse sentido, elas acabam sendo um reflexo interessante da forma como a imagem da nação é construída.

Retomando a idéia de que a cidadania, na modernidade, está ligada à nacionalidade, os direitos de cidadania estão, portanto, subordinados à posse da nacionalidade. O Estado tem de definir quais são os direitos exclusivos dos cidadãos, e de que forma uma pessoa pode ter acesso a eles. Na definição de suas fronteiras externas e internas, os Estados têm de lidar com questões como: Que tipo de indivíduo pode entrar ou não em seu território, e por quê? Entre os que entram, quais podem se tornar permanentes e quais não podem? Dos que se tornam permanentes, quais podem se tornar cidadãos, e quais não podem?

Cidadania pós-nacional?

Recentemente, uma série de estudos aponta para uma modificação nas relações entre nacionalidade/cidadania e soberania/imigração. O fortalecimento de um regime internacional de direitos humanos, segundo essas novas pesquisas, tem obrigado os Estados a redefinirem suas fronteiras, tanto a interna como a externa, em função da universalidade dos direitos individuais. Esse processo possuiria duas características: de um lado, os Estados estariam vendo sua soberania enfraquecida frente ao indivíduo, de outro, os laços que ligam os direitos de cidadania à nacionalidade estariam se tornando mais fracos. Isso significa, entre outras coisas, que o Estado não seria mais capaz de definir, em função de seus próprios interesses, quem pode ou não entrar e se estabelecer em seu território, e, ainda, que cada vez mais os direitos são atribuídos em nome da dignidade inerente da pessoa humana, e não da sua nacionalidade, de modo que a própria distinção entre nacional e não nacional estaria perdendo sua importância.

A criação de um regime internacional de direitos humanos estaria, pois, levando a uma perda de autonomia do Estado na tarefa de decidir sobre questões referentes ao direito de entrada, ao tipo de diferenciação entre nacionais e estrangeiros dentro de seu território, ao direito de residência permanente e aos critérios de nacionalização. Diante deste quadro de transferência de direitos do cidadão para o indivíduo, alguns autores consideram que o Estado está perdendo o controle de suas fronteiras e que estaria surgindo uma espécie de cidadania pós-nacional ou transnacional.

Quanto à perda de controle sobre as fronteiras, diz-se que o Estado tem sido cada vez mais constrangido a aceitar uma imigração indesejada, definida por Jopke como aquela que

[...] não é ativamente solicitada pelos Estados, como a imigração legal por quotas, característica das clássicas nações de povoamento. Ao contrário, ela é aceita passivamente pelo Estado, seja por razões humanitárias e em reconhecimento dos direitos individuais, como de buscar asilo e de reunificação familiar de trabalhadores imigrantes, seja pela total incapacidade dos Estados de manter os imigrantes fora, como na imigração ilegal (1997, p. 266).

Segundo essa linha de argumentação, a influência crescente e decisiva dos direitos humanos no campo das políticas de migração levou a uma grande expansão de sobretudo três tipos de imigração: reunificação familiar, refugiados e ilegais.

As políticas de reunificação familiar assentam-se na idéia, presente em diferentes artigos das legislações internacionais, que tratam do direito de todo ser humano de levar uma vida familiar normal; as políticas para refugiados, se assentam na idéia de que todo homem tem o direito de fugir quando sua vida está sendo ameaçada – direito reconhecido por diversos artigos e convenções internacionais já citadas; e a imigração ilegal resultaria em grande medida da incapacidade de o Estado impor sanções contra esse tipo de imigração, também em virtude do reconhecimento dos direitos individuais dos imigrantes ilegais.

A crescente influência dos direitos humanos teria gerado também o que Gary Freeman (1992) chama de “norma antipopulista”, segundo a qual as elites políticas dos Estados liberais não poderiam apresentar, por conta do idioma universalista do liberalismo, o problema da composição étnica e racial dos fluxos migratórios. Assim, os atores sociais e políticos estariam sendo forçados a se enquadrar ao novo paradigma.

Analisando o caso específico dos Estados Unidos, Debra DeLaet desenvolve um argumento próximo ao de Freeman. Segundo a autora,

[...] enquanto na primeira metade do século XX a política de imigração americana era moldada por uma ampla aceitação de distinções raciais, desde 1960 o apoio cada vez maior aos direitos civis, somado à oposição crescente à discriminação racial, estabeleceu o fundamento para a liberalização da política imigratória dos Estados Unidos. Assim, as políticas de interesse de grupos, moldadas cada vez mais pelas normas liberais nas décadas recentes, explicam em grande medida por que o governo americano adotou políticas de imigração liberais apesar do amplo apoio público a novas restrições à imigração na década de 1980. Enfim, a política interna e as idéias liberais contribuíram significativamente para o aumento da imigração no país em décadas recentes por meio da passagem de políticas de imigração liberais (Delaet, 1998, p. 4).

Na mesma linha, James Hollifield argumenta que, embora as condições econômicas e sociológicas sejam importantes para a existência de uma migração continuada,

[...] as condições fundamentais são legais e políticas. Nas últimas três décadas do século XX, o principal fator que tem sustentado a migração internacional (tanto sul-norte como em menor extensão leste-oeste) é o acréscimo de direitos para estrangeiros nas democracias liberais, ou o que eu chamei em outro momento de liberalismo baseado em direitos (Hollifield, 2000, p. 148).

Hollifield, Jopke e Freeman enfatizam os mecanismos domésticos de formação das políticas. Todos eles se baseiam em estudos realizados em países que são Estados de direito democráticos e liberais. Já Yasemin Soysal (1998) e Saskia Sassen (2000) preferem enfatizar o papel dos mecanismos internacionais de proteção dos direitos dos imigrantes.

Os direitos e as demandas dos indivíduos são legitimados por ideologias baseadas na comunidade transnacional, por meio de códigos e convenções internacionais, e em leis de direitos humanos, independentemente de suas cidadanias em um Estado-nação. Logo, o indivíduo transcende o cidadão. Essa é a forma mais elementar segundo a qual o modelo pós-nacional difere do modelo nacional (Soysal, 1998, p. 194).

Como já afirmamos anteriormente, o surgimento de um regime internacional de direitos humanos é apontado não somente como causa da fragilidade do Estado nas decisões sobre quem pode atravessar suas fronteiras e se estabelecer no seu território, mas também como causador de uma dissociação entre direitos e cidadania, isto é, em virtude do reconhecimento cada vez maior de direitos universais da pessoa, os direitos exclusivos de cidadania estariam diminuindo. Cada vez mais os imigrantes têm os mesmos direitos que os cidadãos, sem que, para isso, tenham de tornar-se cidadão, de se naturalizarem.

A membership e o acesso aos direitos, que eram definidos pela nacionalidade, passam a ser codificados em termos de humanidade internacional, uma nova forma de membership que transcende as fronteiras do Estado-nação. Estaria havendo, portanto, uma profunda transformação na concepção de cidadania, na sua lógica institucional e na maneira como ela é legitimada. A idéia de Estados como associações exclusivas vêm sendo questionada, por exemplo, pelo reconhecimento da possibilidade de o indivíduo ser ao mesmo tempo cidadão de mais de um Estado, possuir múltiplas cidadanias (Brubaker, 1992).

Soysal baseia sua teoria no estudo das políticas de integração dos países da Europa Ocidental, por meio das quais os imigrantes estariam sendo incorporados a vários aspectos da sociedade receptora, como o mercado de trabalho, o sistema educacional e outras vantagens do Estado de bem-estar social, sem que, para isso, eles tenham adquirido a nacionalidade e, por conseguinte, a cidadania dos países receptores. Em outras palavras, eles estariam tendo acesso a direitos de cidadania, sem que para isso se tornem cidadãos. Para a autora, essa situação caracteriza uma contradição entre dois aspectos constitutivos da cidadania – identidade e direitos. “Onde direitos e demandas por direitos se tornam universalizadas e abstratas, a identidade ainda é concebida como particular e delimitada por características nacionais, étnicas ou regionais” (Soysal, 1993, p. 8).

Um conjunto de instrumentos legais, tendo por base o discurso dos direitos humanos, estaria, pois, se desenvolvendo e atuando como “diretrizes para a administração dos assuntos migratórios na legislação nacional, padronizando e racionalizando a categoria e o status de migrantes internacionais” (Soysal, 1998, p. 200). Segundo Soysal, essa novas diretrizes obrigam os Estados-nações a concederem aos indivíduos, independentemente da nacionalidade, direitos civis, sociais e políticos. Em suma, o Estado estaria perdendo o controle sobre suas fronteiras, tanto as externas, territoriais, como as internas, de cidadania, e com isso estaria perdendo parte importante de sua soberania.

No entanto, o estudo da evolução do regime internacional de direitos humanos nos mostra que, apesar do crescente reconhecimento do indivíduo como portador de direitos independentes de sua nacionalidade, a implementação desses direitos continua basicamente dependente do Estado, e, no caso específico das migrações internacionais, do Estado receptor. Vale dizer que o direito de ir e vir no âmbito internacional – o direito de imigrar – não é reconhecido como um direito humano. A maior parte da legislação internacional diz respeito somente a situações concretas, em que o imigrante já existe. Não é à toa que normalmente as convenções se referem aos direitos dos trabalhadores imigrantes, e não a um direito de imigração. Na realidade, este só existe em casos de “temor justificado”, previsto nas convenções relativas ao refúgio e ao asilo político, mas, mesmo nesses casos, a última palavra é do Estado, e a ausência de um organismo internacional com capacidade de coerção para verificar se os Estados estão cumprindo a lei é bastante significativa.

Com respeito à relação entre cidadania e direitos, a crítica a essa interpretação considera que a cidadania não se define a partir de seu conteúdo, afinal o conteúdo da cidadania nunca foi fixo: “sociedades diferentes atribuirão direitos e deveres diferentes ao status de cidadão, pois que não existe qualquer princípio universal que determine os direitos e os deveres inalienáveis da cidadania em geral” (Barbalet, 1989, p. 18). Há cinqüenta anos, por exemplo, os direitos culturais nem mesmo eram considerados direitos. Cidadania significa, acima de tudo, igualdade perante a lei e igualdade de acesso aos direitos, e, definitivamente, não há, sob esses aspectos, nenhuma identidade entre imigrantes e cidadãos “nacionais”. O fato de os estrangeiros gozarem de um maior número de direitos hoje não modifica a natureza da cidadania. O estrangeiro continua numa situação precária em relação ao cidadão.

Somente os cidadãos gozam de um direito incondicional de permanência e residência no território, e podem planejar suas vidas de acordo com esses direitos. A entrada e a residência de não-cidadãos nunca é incondicional. Alguns não-cidadãos, os que entraram clandestinamente, por exemplo, ou pessoas no final do seu período de residência legal, não têm esses direitos. Mas mesmo não-cidadãos privilegiados, aqueles aceitos formalmente como imigrantes ou colonos, continuam residentes probatórios, suscetíveis à exclusão ou à deportação em certas circunstâncias (Brubaker, 1992, p. 24).

Tão importante quanto a ausência do direito de residir é o fato de os estrangeiros não participarem nas decisões a respeito de sua própria situação, não terem direitos políticos. De um modo geral, independentemente de quais sejam os direitos acordados aos cidadãos, todas as democracias modernas definem a exclusão sobretudo em relação aos direitos políticos. Estes, definidos por Marshall como “o direito de participar no exercício do poder político, como membro do corpo investido de autoridade política, ou como eleitor dos membros de tal corpo” (Marshall, 1998, p. 94), são componentes fundamentais da idéia de cidadania, de modo que não é possível defini-la excluindo esse aspecto.

A participação política é fundamental na definição da nacionalidade/cidadania e vice-versa, e é por isso que, ao longo da história, sempre houve tanta disputa para decidir quem fazia parte da pólis. Definir quem pode ser um cidadão é uma das questões mais importantes para a vida política de um país. Em se tratando de países que se pretendem democráticos, a decisão é ainda mais importante, porque define quem vai participar do processo político. Sendo também uma questão de distribuição de direitos, a definição de cidadania envolve uma luta política em torno de objetivos bastante concretos. No episódio da proposição 187 da Califórnia, por exemplo, o governo desse estado tinha o maior interesse em que a educação fosse considerada um privilégio da cidadania, ou pelo menos dos imigrantes legais, pois de acordo com ele, os custos da política federal liberal em relação aos imigrantes acabavam recaindo sobre o estado, que é o responsável pelas despesas da área de educação. Já os fazendeiros da Califórnia preferem um política mais relaxada em relação aos ilegais, que são mão-de-obra fundamental para a indústria agronômica, pelo menos da forma como ela é estruturada. Como reconheceu, em documento recente, uma organização anti-imigração norte-americana: “Residência nos Estados Unidos é um dos mais valiosos privilégios mundiais” (Symcox, 1997).

Na disputa por esse privilégio, diferentes grupos de interesse defendem diferentes concepções de nação para justificar suas escolhas políticas, razão pela qual é tão difícil atribuir a uma única concepção de nação o papel determinante na formulação das políticas de nacionalidade e imigração. A legislação de cidadania acaba sendo o resultado de um processo de acomodação de interesses contraditórios, que se articulam em torno de diferentes discursos.

Levando-se em consideração que as sociedades, sobretudo as sociedades receptoras de imigrantes, caracterizam-se cada vez mais pela pluralidade, é evidente que as concepções de nação também se diversificam, isto é, diferentes grupos com concepções de nação diversas tentam impor sua visão de nação ao processo de construção das fronteiras por meio das políticas de migração e nacionalidade. A pluralidade de opiniões e a complexidade do processo de elaboração das políticas de imigração e nacionalidade refletem-se na forma final das legislações sobre essas questões. De fato, tais políticas não são fruto da ação de uma entidade abstrata, o “Estado”, mas da luta e da acomodação de interesses divergentes na sociedade e dentro do próprio Estado, sobretudo em democracias liberais.

Paralelamente ao fortalecimento do discurso dos direitos, difundiu-se também a idéia de que a imigração e os imigrantes põem em risco a segurança e a integridade do Estado, e que são, portanto, um problema de segurança nacional. Grande parte da população dos países receptores, motivada seja pela crise econômica, seja pela ameaça do terrorismo ou do narcotráfico, seja simplesmente pela xenofobia, pressiona esses governos no sentido de fechar as portas para a imigração. A existência de grupos de pressão com interesses tão díspares, aliados a interesses econômicos e políticos de outras naturezas, contribuiu para a formulação de políticas de imigração e nacionalidade complexas e, muitas vezes, incoerentes, que acabam não satisfazendo a nenhum dos lados e sendo taxadas de ineficazes, tanto pelos que defendem um fechamento maior, como pelos que defendem uma maior liberalização das fronteiras.

O que a literatura estudada considera uma limitação do papel do Estado seria, na verdade, apenas um reflexo do fato de que não existe um ator único – o Estado –, cuja vontade seja clara e indivisível. As políticas de migração refletem o dissenso dos diferentes atores políticos, dentro e fora do Estado, sobre a construção de suas fronteiras. A suposta ineficácia das políticas de imigração e nacionalidade não é resultado da perda de soberania do Estado em função do desenvolvimento da economia ou da evolução dos direitos humanos, mas, sim, um espelho das dificuldades de se chegar a um consenso quando se trata de delimitar as fronteiras do Estado. Quando se alinha a opinião pública ao lado dos restricionistas e alega-se que a defesa dos direitos humanos dos imigrantes não possui bases sociais, não se leva em conta que existem também defensores dos direitos dos imigrantes e que, mesmo entre os que preferem reduzir o nível da imigração, é muito difícil para as pesquisas de opinião captarem quais seriam as prioridades dessas pessoas , isto é, se elas aceitariam uma restrição de direitos em nome de uma restrição no número de imigrantes.

Contudo, apesar de tanta divergência, a existência das fronteiras estatais é tratada pela legislação internacional como algo evidente, e a autonomia dos Estados nas decisões sobre suas fronteiras é incontestada. Discute-se muito sobre como e onde construir essas fronteiras, mas não há praticamente ninguém que defenda sua extinção ou que considere que a decisão sobre elas não deveria ser tomada pelo Estado. A questão da imigração continua a ser regulamentada basicamente pelo Estado, além de ser tratada, na maioria das vezes, como um problema de segurança pública e uma questão de polícia. Como vimos, a Austrália tratou o problema do navio Tampa como uma questão de segurança nacional desde o começo, convocando a Força Aérea para interceptar o navio e obrigá-lo a voltar para águas internacionais. A União Européia, por sua vez, discute uma política de imigração comum no mesmo grupo de trabalho que discute terrorismo, narcotráfico e questões relacionadas à segurança interna. Nos Estados Unidos, sobretudo após os atentados de 11 de setembro de 2001, a questão da imigração também é considerada sobretudo um problema de segurança nacional.

Direitos e identidade permanecem, assim, fundamentalmente interligados. A definição de quem faz parte dos “nós”, de quem é nacional e, portanto, cidadão, é fundamental para a atribuição de determinados direitos. Até o momento, é fundamentalmente o próprio “nós” quem define sua natureza.

O que o argumento em torno da cidadania mundial e da perda do controle das fronteiras pelo Estado afirma é que, diante do novo contexto internacional, o “nós” estaria perdendo essa capacidade de decidir sobre as identidades e os direitos relacionados a elas. Ou seja, não só o Estado estaria se tornando impotente diante da circulação de indivíduos entre fronteiras, como também a identidade nacional estaria perdendo a centralidade como fonte do reconhecimento de direitos de cidadania. Afirma-se que a decisão sobre as fronteiras não é mais uma decisão política, mas que as fronteiras são estabelecidas por convenções, tratados e legislações internacionais de acordo com critérios relacionados aos direitos individuais universais.

As fronteiras continuam existindo, tanto as territoriais, como as de membership, e, mais do que isso, elas continuam a ter um significado importante apesar de toda a evolução do regime internacional de direitos humanos e o reconhecimento desses mesmos direitos na legislação doméstica dos países receptores. O não-reconhecimento de um direito de imigração e a autonomia do Estado na decisão de quem faz parte da sua população sustentam a divisão do mundo em Estados como associações de membership. A exclusão do imigrante dos processos decisórios que afetam sua própria situação garante a continuidade dessa situação. Recentemente tivemos uma clara demonstração desse ponto quando da restrição dos direitos civis de estrangeiros nos Estados Unidos depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de2001.

Dominação Norte-Americana

Dominação Norte-Americana

A Amazônia

As tentativas começaram no início do século passado, jamais desapareceram e agora constituem risco iminente. As riquezas da região, mais do que as preocupações ecológicas, levam os países desenvolvidos a contestar a soberania brasileira sobre a Amazônia, sob o pretexto de que eles precisam cuidar das florestas e do ar que respiram, como declarou o presidente Bill Clinton, na semana passada, na véspera da abertura da sessão especial das Nações Unidas que debateu a questão ambiental.

O presidente Fernando Henrique abriu os trabalhos num discurso duro, onde criticou o desinteresse das nações ricas em cumprir os compromissos assumidos na Rio-92 e denunciou que o meio ambiente passou a ser utilizado como pretexto para práticas protecionistas que minam as bases do desenvolvimento sustentado e de um sistema econômico internacional aberto. "Ficou mais fácil cobrar e acusar do que fazer" - disse o presidente, acrescentando a necessidade de diminuição dos gases que provocam o aquecimento do planeta e são causados pelo CFC (clorofluorcarbono), gerados pelos aerossóis, escapamentos de veículos e a produção de parte das indústrias do Primeiro Mundo. Também surpreendeu a própria equipe econômico-financeira do governo ao anunciar a súbita retomada do Plano do Álcool, para diminuir a poluição.

Coincidência ou não, Bill Clinton, em entrevista à imprensa, exigiu a redução significativa de gás carbônico e centralizou suas críticas nos países que queimam parte de suas florestas. O presidente americano desmarcou encontro que tinha com FHC, preferindo viajar para a Califórnia para um encontro com prefeitos do interior daquele estado.

Certas organizações não-governamentais servem de instrumento para a cobiça internacional e sua estratégia, agora, é usar a mídia para convencer a todos, desde as crianças, que não temos capacidade para conservar a Amazônia, "que pertence à Humanidade". Assim, daqui a alguns anos, quando um organismo supranacional qualquer decretar a internacionalização, ninguém reagirá: estarão todos com a cabeça feita e acharão perfeitamente natural a ocupação, para a qual, aliás, já treinam batalhões especiais na Flórida e no Panamá, destinados a "guardar a floresta amazônica".

A fase operativa da conquista já começou, na palavra deles mesmos. Nossas Forças Armadas estão conscientes do perigo. Faz alguns anos que deslocam cada vez mais unidades para a região. Reconhecem, porém, que não resistiríamos a um ataque armado por mais de dez dias, se ele se fizesse sobre as principais cidades amazônicas. A solução, conforme um ministro militar, "seria nossos guerreiros se transformarem em guerrilheiros, porque entrar, eles entram, mas sair, ficará difícil..."

Em abril de 1817, o capitão da Marinha dos Estados Unidos, Mathew Fawry, famoso por seus trabalhos em oceanografia, enviou à Secretaria de Estado um estranho mapa da América do Sul, redesenhada por ele. O mapa ia em adendo a um memorando secreto que ele havia encaminhado em 1816, sob o título "Desmobilization of the Colony of Brazil". O comandante Fawry não era obrigado a conhecer detalhes de nossa política, porque naquele ano não éramos mais colônia de Portugal. Havíamos passado a Reino Unido a Portugal e Algarves, por ato de D. João VI, mas isso era de menor importância para os objetivos do brilhante oficial naval americano.

Porque no mapa, e no memorando anterior, ele sugeria que os Estado Unidos tomassem a iniciativa de estimular a criação do "Estado Soberano da Amazônia", incluindo a região limitada pelas guianas atuais, pela fronteira da Venezuela e da Colômbia, ao Norte, e, ao Sul, por uma linha reta que começaria por São Luís do Maranhão e hoje terminaria no ponto extremo onde Rondônia se limita com Mato Grosso.

As sugestões de Mr. Fawry não paravam aí, em sua intenção de desestabilizar o Brasil, porque sugeria também a criação da república do Equador, que nada tinha a ver com esse país, mas englobaria os atuais Estados brasileiros de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e parte do Maranhão. Queria, ainda, a "Província Autônoma da Bahia" e, lá em baixo, a "República Riograndense". O que sobrasse seria o Brasil...

Coincidência ou não, em 1823 eclode no Nordeste a rebelião contra D. Pedro I, com o Brasil, já transformado em Império. Que nome deram os revoltosos de Manoel Paes de Andrade e do frei Caneca à república que fundaram e logo se viu batida pelas forças imperiais? Confederação do Equador...

A operação conquista já começou. Tropas especiais treinam na Flórida para "guardar a Floresta Amazônica".

Lincoln sugeriu um Estado Livre na região.

Mais tarde, em plena Guerra Civil americana, Lincoln faz a Proclamação de Emancipação, a 22 de setembro de 1862, declarando "desde já e para sempre livres todos os escravos existentes nos Estados rebeldes". Com a vitória da União, o presidente americano encontra-se com uma representação dos negros libertados e lhes sugere, conforme proposta do general James Watson Webb, ministro plenipotenciário de Washington junto à Corte de D. Pedro II, a criação de um Estado Livre dos negros americanos. Onde? Na Amazônia... D. Pedro II perdeu noites de sono mas, ao final, foi salvo pelo próprio grupo de negros que Lincoln havia convocado. A resposta deles foi: "Não aceitamos a proposta, porque este país também é nosso!" E ficaram por lá mesmo, até hoje.

São reminiscências do passado, coisas de antanho, essas investidas sobre a Amazônia? Tomara que fossem, valendo alinhar alguns comentários recentes de líderes da atualidade: "Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós" (Al Gore, 1989, vice-presidente dos Estados Unidos).

"Os países industrializados não poderão viver da maneira como existiram até hoje se não tiverem à sua disposição os recursos naturais não renováveis do planeta. Terão que montar um sistema de pressões e constrangimentos garantidores da consecução de seus intentos" (Henry Kissinger, 1994, ex-secretário de Estado americano).

"O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais competentes" (Mikhail Gorbachev, 1992, ex-ditador da extinta União Soviética).

"O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia" (François Mitterrand, 1989, então presidente da França).

"As nações desenvolvidas devem estender o domínio da lei ao que é comum de todos no mundo. As campanhas ecologistas internacionais que visam à limitação das soberanias nacionais sobre a região amazônica estão deixando a fase propagandística para dar início a uma fase operativa, que pode, definitivamente, ensejar intervenções militares diretas sobre a região" (John Major, 1992, então primeiro ministro da Inglaterra).

"A liderança dos Estados Unidos exige que apoiemos a diplomacia com a ameaça da força" (Warren Christopher, 1995, quando secretário de Defesa dos Estados Unidos).

"Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas" (Margareth Tatcher, 1983, então primeira-ministra da Inglaterra).

Precisa mais? Pois tem, mesmo sem precisar:

"A Amazônia deve ser intocável, pois constitui-se no banco de reservas florestais da Humanidade" (Congresso de Ecologistas Alemães, 1990).

"Só a internacionalização pode salvar a Amazônia" (grupo dos Cem, 1989, Cidade do México).

"A destruição da Amazônia seria a destruição do Mundo" (Parlamento Italiano, 1989).

"A Amazônia é um patrimônio da humanidade. A posse dessa imensa área pelos países mencionados (Brasil, Venezuela, Colômbia, Peru e Equador) é meramente circunstancial" (Conselho Mundial de Igrejas Cristãs reunidas em Genebra, 1992).

"É nosso dever garantir a preservação do território da Amazônia e de seus habitantes aborígines para o desfrute pelas grandes civilizações européias, cujas áreas naturais estejam reduzidas a um limite crítico" (Idem)

Dizem que somos dilapidadores das riquezas naturais

Engana-se apenas quem for bobo ou então malandro, se não concluir já ter começado o sistema de pressões e constrangimentos preconizado por Henry Kissinger, ou a fase operativa referida por John Major começou a se encontrar em pleno desenvolvimento, apesar do silêncio cúmplice de nossa mídia, de nossas entidades representativas, especialmente empresariais.

Não se marcaram datas, é claro, ao menos até agora, para operações militares. Os "marines" ainda não estão saltando sobre a Amazônia, porque essa não é a estratégia lá de cima. eles têm tempo e paciência. Pretendem, primeiro, conscientizar a opinião pública mundial de que nós, brasileiros, somos irresponsáveis, dilapidadores da natureza, vândalos que não merecemos deter a soberania sobre nosso próprio território. Pode levar alguns anos a mais, porque começaram fazendo a cabeça do cidadão comum e, em especial, das crianças. Estas, quando adultas, de tanta propaganda antibrasileira, aceitarão sem pestanejar, até com aplausos, uma decisão qualquer das Nações Unidas ou de outro organismo supranacional, internacionalizando a região.

Evidências disso? Vamos a elas.

O Homem-aranha, numa revista em quadrinhos, organiza a sua turma e luta contra posseiros, fazendeiros e o governo do Brasil, "para salvar a Amazônia". O Super-Homem, também em quadrinhos, em vez de voltar para Kripton, dedicou-se numa aventura inteira a enfrentar os madeireiros que destruíam a região. Venceu, pelo menos na revistinha. Num ingênuo brinde distribuído por uma cadeia internacional de hambúrgueres, numa história em quadrinhos, dois meninos discutem se gostam mais de olho de cebola ou de pepino em conserva. de repente, sem mais nem menos, um fala com o outro: "você sabia que o Brasil queima um campo de futebol por segundo na Amazônia?".

E por falar em fogueiras: diversos restaurantes populares, de fast-food, nos Estados Unidos, utilizam toalhas descartáveis em suas mesas. Nelas se lê com muita freqüência o mesmo que os ingleses colocam em adesivos nos seus carros: "Lute pelas florestas. Queime um brasileiro".

Na CNN, cenas de queimadas e devastação.

Acabou? Não. Há meses a cadeia de televisão CNN dedica à Amazônia um comercial-institucional, apresentado por sua correspondente no Rio de Janeiro, Marina Mirabella. Ela mostra, primeiro, as belezas e maravilhas da região, exaltando-as. De repente, um corte e cenas de queimadas, devastação da flora e da fauna, garimpos, sujeira e imundície. e a conclusão da jornalista, em "off": "São os brasileiros que estão fazendo isso. Até quando? A Amazônia pertence à Humanidade e o Brasil não tem competência para preservá-la".

Tem mais. A revista "Science", editada em Washington, acaba de publicar recente estudo mostrando que em 30 anos os recursos de água doce do planeta não serão suficientes para aplacar a sede universal, e o maior problema é a falta de acesso a essa água, porque dois terços dela estão nas geleiras dos Pólos. Em seguida completam dizendo que o rio Amazonas carrega 15% da água doce da terra, e "só é acessível a 25 milhões de pessoas, constituindo uma opção exótica tentar utilizar os icebergs..."

Conforme depoimento do ex-ministro da Marinha, almirante Maximiano da Fonseca, quando na capital americana, "são freqüentes as professoras das escolas públicas que defendem a invasão da Amazônia como inevitável, e que virá mais cedo ou mais tarde".

Documentos continuam sendo produzidos pelo Conselho Mundial das Igrejas Cristãs, em Genebra, sustentando "a necessidade da infiltração de missionários na floresta para delimitar as nações indígenas, sempre pedindo três ou quatro vezes mais (...) sendo nosso dever esgotar todos os recursos que devida ou indevidamente possam redundar na preservação desse imenso território, patrimônio da Humanidade, não patrimônio dos países que pretensamente dizem lhe pertencer".

Em nome dos índios, ONGS fajutas criticam o Brasil.

Organizações internacionais de reconhecidos méritos em defesa da ecologia e dos direitos humanos muitas vezes se misturam a organizações fajutas, calhordas, daquelas que servem a interesses escusos do empresariado, pregando a demarcação de terras indígenas e a formação de nações indígenas independentes, inclusive em zonas onde o Brasil faz fronteira com a Venezuela e a Colômbia. Só para citar o caso dos Ianomâmi, que merecem todo o nosso respeito e proteção: são cerca de 10 mil e têm assegurada uma área de cerca de 9,5 milhões de hectares entre os Estados de Roraima e Amazonas.

Uma Bélgica e uma Holanda, onde, por coincidência, conforme o coronel Gelio Fregapani, em seu livro "Amazônia – 1996", lê-se que 96% das reservas mundiais de nióbio localizam-se exatamente lá. E, segundo informações da Unicamp, a energia elétrica no futuro será gerada em centrais nucleares limpas, feitas de um grande aro de nióbio na forma de um pneu. Essas centrais só poderão ser construídas de nióbio e, se dominarmos a tecnologia, dominaremos a venda das centrais...

Por ocasião da crise do petróleo o presidente Richard Nixon declarou que "antigamente quando os povos vigorosos necessitavam de água, iam buscá-la onde existisse, independente de quem fosse o dono". Pois um de seus sucessores, George Bush, além de ter deflagrado a Guerra do Golfo, para buscar petróleo, foi quem, em carta ao então presidente Fernando Collor, exigiu que a área dos Ianomâmi fosse demarcada. Também exigiu o entupimento do poço do Cachimbo, onde, no futuro, o Brasil poderia fazer experiências nucleares...

Hoje fica supérfluo dizer, por inócuo, ser a Serra dos Carajás, por coincidência em território amazônico, a maior concentração mundial de minerais, do ferro aos nobres. A Vale já foi privatizada.

O coronel Gelio Fregapani, que serviu muitos anos na Amazônia, e hoje se encontra na reserva, faz um alerta partindo de frase de Bismarck, para quem "recursos naturais nas mãos de nações que não querem ou não podem explorar, deixam de constituir bens e passam a ser ameaças aos povos que os possuem". E acentua: "A ameaça poderia não ser imediata na época da bipolaridade, quando os Estados Unidos não se arriscariam a jogar o Brasil e talvez toda a América Latina para o outro lado, mas a situação não é mais a mesma, e a guerra do Iraque mostrou claramente que os nossos antigos amigos do Norte decidem rápido ainda quando estão em jogo os seus interesses. (...) Então, qualquer pretexto servirá. Em caso de instabilidade social ou econômica no país haverá muito maior possibilidade de pressões serem bem-sucedidas".

Dúvidas inexistem de que todas essas ameaças ficariam enfraquecidas caso dedicássemos a ocupar e desenvolver a Amazônia no mais breve prazo possível. Tentativas, porém, têm fracassado ou sido propositadamente levadas ao fracasso. A experiência da Transamazônica malogrou, talvez pela impossibilidade de levar nordestinos a uma região completamente diversa de sua cultura. Mas o projeto Calha Norte foi deliberadamente torpedeado, como se tenta fazer com o SIVAM, importando menos quem ganhou a concorrência e lucrará com sua implantação.

romeiro neto
Enviado por romeiro neto em 13/05/2010
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