O TECO-TECO

     A Serra da Barriguda e outras pequenas serras, como se fossem pétalas, emolduram a cidade de Alexandria, no Rio Grande do Norte. Foi ali que nasci e passei os primeiros anos da minha vida. Como meios de transportes, conhecia o trem, que passava diariamente, e alguns automóveis que circulavam pela cidade. A cidade parecia inebriada pelo cheiro silvestre, entregando-se a uma rotina que parecia ser infinita.
     Lembro-me de um certo dia em que a quietude foi bruscamente quebrada. Foi num sábado. Eu tinha sete anos de idade e estava jogando futebol com outras crianças num pequeno campo improvisado. Repentinamente, aquele estranho objeto sobrevoou a cidade, com um barulho ensurdecedor, e pousou num campo de futebol na localidade chamada de Cascalho. Os companheiros de pelada ficaram apavorados. Toinho, o dono da bola e menos habilidoso com a mesma, com espanto perguntou:
     - Que coisa é essa?
     - Parece que é um trovão que caiu do céu! – respondeu outro.
     - É um avião, eu vi um retrato dele na revista O Cruzeiro – respondi com convicção.
     Realizamos imediatamente uma maratona em direção ao Cascalho. Em pouco tempo subíamos a ladeira que dava acesso ao local do pouso. Observávamos que toda a cidade tivera a mesma idéia, motivada pelo pânico e pela curiosidade. Eram pessoas de todas as idades, que se atropelavam; mulheres gestantes e doentes; alguns recém-saídos do banho, envolvidos em toalhas; outros descalços, com os calçados nas mãos. Um homem que corria ao meu lado, com o rosto cheio de espuma de creme de barbear, dizia:
     - Só pode ser uma invasão estrangeira!
Correndo em sentido contrário ao da multidão, em direção à igreja matriz, como se fossem pequenos peixes nadando contra a correnteza do rio, algumas pessoas, pávidas, tendo à mão um terço ou uma medalha de São Francisco, diziam:
     - Meu Deus! Isso é coisa do demônio!
Enfim, chegávamos ao alto da ladeira. Avistávamos as asas brancas do avião, mais precisamente, um teco-teco. Um cordão de isolamento fora improvisado. Espremido entre as pessoas, eu procurava, maravilhado, ver maiores detalhes do esquisito objeto.
     A noite caíra e aos poucos a multidão foi dispersando-se.
     No dia seguinte, domingo, a cidade amanhecera em festa. Quando as pessoas se encontravam, era inevitável o diálogo:
     - Você já viu o avião?
     - Já,... é muito bonito!
     Eu acordara cedo para mais um dia de contemplação. Ao retornar à minha casa, eufórico por ter conseguido tocar em um dos pneus do avião, encontrei o meu pai constrangido por eu haver perdido a missa dominical. Disse-me que o padre, um alemão, tinha ficado muito irritado com a ausência dos fiéis à missa e dito que haviam deixado de lado as coisas divinas, a igreja, o verdadeiro caminho do céu. Ora, pensei curioso, o avião deve conhecer bem melhor do que ninguém o tal caminho, já que o percorre com freqüência.
     No dia seguinte o teco-teco partiu. Deixou saudades e muitas histórias que ainda hoje são contadas nas esquinas daquela cidade.