LÁGRIMAS

Seguia em mais uma viagem em missão ao sertão mineiro, em meio a uma rodovia que ligava algum lugar a lugar nenhum. Já havia rodado muitos quilômetros sem ver uma única alma, a não ser a monotonia da rodovia quebrada esporadicamente por algum veículo que cruzava o caminho, fixando os olhos na próxima reta, pensando na distância que ainda faltava, contando as fileiras intermináveis de eucaliptos e driblando o sono com os planos para a chegada.

Quando avisto uma pequena motocicleta estacionada à margem da estrada, e ao seu lado uma moça em prantos.

Pensei: seu veículo deve ter estragado, bem aqui no meio do nada, e ela não sabe o que fazer! Talvez pudéssemos ajudar, afinal, na equipe além de médicos e dentistas, também contávamos com um engenheiro e um mecânico, e na pior das hipóteses, poderíamos levar o veículo no bagageiro do ônibus.

Parei no acostamento e desci, mas descobri que a notícia era bem pior. Ao me aproximar percebi que ela segurava em uma das mãos um pé de sapato, e ao perguntar qual seria o problema, a resposta doeu com tanta força que não consegui me conter, e minhas lágrimas se juntaram com as dela.

Seu irmão havia sofrido um acidente bem naquele local, e viera a falecer. Ela descobriu a localização seguindo o GPS do coração, pois durante horas ela havia percorrido a rodovia em busca de algum sinal que lhe mostrasse onde a tragédia tivesse marcado, não somente a estrada, mas a sua vida, a de seus pais e sobrinhos.

Ao avistar os pedaços de um automóvel (Chesterton chamaria de relíquias de um naufrágio), em meio a vidros quebrados, pedaços de metais e plásticos, ela localizou uma lembrança daquele que fizera parte de sua história durante toda sua vida. Um pé de sapato todo sujo de terra e sangue, que a fez descrever como ela não havia perdido somente um irmão, mas seu melhor amigo, e de como seus pais haviam perdido um querido filho ,suas sobrinhas um amoroso pai,sua cunhada um dedicado marido, seus colegas um grande companheiro e o mundo um bom homem.

Consertar um veículo quebrado é uma coisa! Mas como consertar um coração despedaçado?

Perguntei então se poderia fazer uma oração por ela. Clamei ao Oleiro para consertar aquele pote de barro. Clamei para que aquela dor fosse embora, pois era tão forte que doía em mim, doía em todos, doía o mundo em volta de nós. Clamei para que seu consolo chegasse de algum lugar, olhei até para a estrada, esperando socorro de algum lugar chegar. Meu destino pareceu tão longe, e o futuro por instantes perdeu o significado.

Lembrei-me daquele ditado: a coisa mais importante na vida é descobrir o que é realmente importante. E para ela tudo que era importante era aquele pé de sapato, suvenir da sua dor.

Abracei-a e choramos juntos. Depois me despedi, pois ela queria permanecer por mais algum tempo naquele santuário sem dono.

Ao ir embora me lembrei de Guimarães Rosa, que dizia: O importante não é a partida nem a chegada, porém a travessia.

Quantas vezes fazemos a viagem desta vida sem observar as margens do caminho. Pois às vezes é lá, e não na estrada, que se encontram os significados desta jornada.

Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé daquele que estava caído à beira do caminho, e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão; e, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele (Lucas 10:33).

A Antonia de quem só sei o nome e a dor.

Alexandre Barbado