Oferenda
 
Barco do amanhecer trazendo sonhos estranhos.
Vinde a nós sob as colossais formas que descem dos céus.
Aporta na areia e descansa.
Parte, depois, sozinho,
no próximo crepúsculo da madrugada,
carregando pra longe sua sina de barco que é navegar...
 

   

         Levou ele, a filha, pequena, ao mar.
 
            Veio a fúria, as ondas, os ventos e o dia virou noite. Ergueram-se ondas de pavor. O paredão de água subia e no auge do êxtase a menina saiu do alcance do pai caindo na água. Tentou ele virar o leme, buscou o remo, viu quebrar o mastro e a menina sumiu em uma onda, aparecendo muito mais à frente. Lançou bóia, mas não deu. Chorou e buscou e ficou horas até cair de sono e cansaço à noite.
 
            No sonho veio-lhe Iemanjá trazendo-lhe a filha pela mão:
            - Eu estou bem, papai. Essa moça linda cuidará de mim. Abraçou-o dando-lhe um beijo quente. – Ele tentou retê-la, trazê-la de volta, mas não conseguiu.
 
            Na terra o esperavam aflitos mulher, filhos e amigos.
 
            - Raiana? – Perguntou a mãe. Ele respondeu com um choro e uma queda na areia. Ela, em fúria, bateu-lhe até ser detida por outros.
            - Você a deu a Iemanjá. Maldito! Maldito! Disse que o faria e o fez! Maldito!
 
            Tempos depois, no cárcere, não havia noite que lhe trouxesse sossego. Desenhava a menina e Iemanjá o tempo todo em todo o canto. Deram-lhe telas e aprendeu a pintar no seu modo tosco e rústico, mas que tinha cores fortes que agradaram o povo. Saiu da prisão e virou artista famoso sempre desenhando Iemanjá e algo que representasse a menina, fosse pérola, concha ou peixe.
 
            Um dia, na rede, já velho e cansado, viu aproximar-se uma moça linda que lhe deu um beijo na bochecha e estendeu-lhe a mão direita. Estava envolta em muita luz parecendo que o sol a envolvia por completo:
 
            - Vem, painho, vem conhecer mãeinha. – Dizem que foi encontrado sem vida na rede com uma marca de areia em forma de lábios de mulher cravejada na face direita...