O MENINO QUE QUERIA SER DOUTOR - Capítulo XXII

Deus resolveu mudar toda a nossa vida.

Resolvemos fazer um passeio à fazenda, num domingo, como fazíamos todos os meses.

Patrícia já estava com dois anos, não dava mais trabalho. Era ótima criança.

Estava conversando com mãe tentando a convencer de ir ao médico, pois queixava-se de fortes dores no peito. Enquanto isso Augusta foi passear com Patrícia na beira do rio, que era bem perto da casa de meu pai e era um lugar lindíssimo. Juraci fora com elas para fazer-lhes companhia.

Mãe acabou concordando comigo. Iria fazer uns exames em Belo Horizonte e ficaria em casa por pelo menos um mês.

Estávamos conversando calmamente, quando Juraci chegou correndo, aos prantos e pálida como uma flor de algodão e gritou:

- Augusta e Patrícia cairam no rio, corra, talvez consiga salvá-las.

Saímos em desparada em diração ao rio. Eu nadava muito bem e estava acostumado com o rio. Mergulhei de roupa e tudo. Consegui encontrar Patrícia, joguei-a na margem, mergulhei novamente e nada... nada de encontrar Augusta.

Voltava à superfície para respirar e mergulhava novamente. Mergulhei cerca de quinze vezes e nada...

Estava desesperado, não acreditava, não era verdade, Augusta havia sumido?

- Não! Não! Augusta não morreu! Não morreu! Não morreu! Oh! Deus meu, ajude-me a encontrá-la!...

O ser humano é muito solidário. Em poucos minutos já tinha muitos para me ajudar a procurar.

Descemos rio abaixo, quase cinco quilômetros na esperança de encontrá-la, mas tudo foi inútil.

Voltamos. Minha mãe já havia mandado chamar meu pai e este foi quase voando a Belo Horizonte, chamar o corpo de bombeiro e avisar o capitão. Naquele tempo não tinha nem telefone na fazenda.

- Mãe! Mãe, diga-me que é um pesadelo, diga-me por favor! Oh! Meu Deus! Não deixe minha Augusta morrer, não deixe!

Eu gritava, chorava, arrancava os cabelos, estava desesperado...

Patrícia chorava muito e chamava a mãe a todos os instantes.

Toda a vizinhança se juntou à beira do rio. Os homens mergulhavam se revesando de dois em dois, mas nada encontraram.

Manoelzinho Zilu encontrou um tênis de Augusta. Para mim estava tudo perdido... Teria de aceitar que Augusta tinha morrido, mas não sentia-me com forças para tal coisa.

Foi uma triste surpresa que o destino me pregara, mas eu não havia morrido e teria de criar minha filhinha...

* * *

Os carros do corpo de bombeiros chegaram com equipamentos específicos. Logo que se instalaram começaram as buscas.

Meu sogro e meus cunhados chegaram logo em seguida.

- Como aconteceu isto, Francisco, como foi acontecer com nossa doce Augusta? - falava o capitão me abraçando e chorando.

- E dona Carolina, como está?

- A deixamos no hospital aos cuidados do Dr. Eurípedes, está sob efeito de sedativos.

Aquele dia não pôde mais continuar as buscas porque estava já muito escuro.

Por muita insistência de todos, acabei concordando em ir para casa tentar descançar.

Patrícia já estava dormindo e de vez em quando chorava e chamava pela mãe.

Encostei-me um pouco na cama e comecei a dormir. Sonhei com Augusta falando-me: "Amor! Não adianta procurar ali, está a trinta quilômetros abaixo." Acordei aos gritos.

- Não, eu estou sonhando, estou sonnhando. Augusta!

Mãe pegou-me e abraçou-me com toda a força que tinha.

- Calma, filho, calma!

No outro dia, ao amanhecer, corri ao acampamento do corpo de bombeiros e contei o meu sonho.

Ao começarem as buscas, resolveram ir ao que o meu sonho dissera.

Foi certo, o corpo foi encontrado exatamente a trinta quilômetros, rio abaixo.

Não existe coisa pior do que uma pessoa morrer afogada, ainda mais se tratando da pessoa que a gente ama.

Augusta estava com o rosto todo unhado, o peito, os braços, estava com a expressão rígida e as mãos fechadas, trancadas...

Desmaiei ao vê-la.

Foi enterrada em Belo Horizonte no dia 18 de maio de 1979.

Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles
Enviado por Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles em 06/09/2006
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