Contos de Internet - O PADRE

Ele foi um menino mirradinho, espuleta, danado. Vivia na pobreza com grana pouca e só via sarjeta. Teve vida difícil na infância e sonhos imensos, muito maiores que ele.

Queria ser grande, ser um homem mais forte, ser outro, diferente. Isso modificou seu destino.

Ele escrevia, escrevia... colocava tudo na letra. Tinha sonhos, tinha tanta coisa para dizer, queria fazer umas coisas... mas a vida... E foi assim; viveu os anos 70, se drogou, foi hippie, foi contestador, foi zen. Nada jamais o deixava satisfeito. Tinha um humor ruim, apesar da delicadeza da sua aparência e voz. As pessoas nunca sabiam se deviam respeitá-lo ou odiá-lo, resolviam, por fim, fazer as duas coisas. Viveu entre putas e dragões. Entre os favelados e os sonhadores. Cresceu, tornou-se o que não quis e vivia. Nunca soube o que era amor. Tinha lá suas idéias sobre, mas nunca tinha sentido por dentro, nunca tinha sentido aquilo nas entranhas. Sempre foi alheio. Seguiu escrevendo; batendo no social, clamava, se empolgava... até o advento da Internet.

Nesse tempo tudo o que ele precisava ter decidido na vida, já havia feito. Já tinha seu destino traçado; era um recluso. Não tinha fé, escrevia Deus com letra minúscula e tinha ódio. E sabia enganar, a si e aos outros.

Descobriu na Internet que poderia ter várias faces. Exultou. Tornou-se quem quis. Entregou-se às mulheres. Entendia que tudo o que elas diziam era como em seu confessionário. A penitência? Era ele mesmo. Arredio. Silencioso. Elas o amavam e o castigo delas era não sabê-lo. Enveredou por caminhos sexuais, desconhecidos por ele, mas a letra... ah, a letra! Nela enganava, mentia, mistificava. Era, finalmente, quem sempre quis ser. Tinha quem queria ter. Era inteligente, sabia safar-se de qualquer uma que quisesse aproximar-se demais. Enganava quem e como queria, até que a encontrou. No princípio ela era mais uma. Jogou sua isca e ela foi apanhada. Começaram a trocar letras. Letras. Letras sem fim. E ele foi percebendo nela uma diferença das outras. Ela sempre ia além e ele não conseguia safar-se. Ela instigava e ele se via nela, viciou-se. E ela, nele.

Confiaram um no outro e, finalmente, mostraram sua face. Trocaram fotos, sensações. E as letras. Sempre muitas, intensas. Ali, por elas, eles contavam quem eram, brincavam nas rimas e faziam a verdade de cada um aparecer aqui e ali. Sem perceber estavam amando um ao outro. E isso era a cartase. A dor de saber que precisariam atravessar as fronteiras dos bites e da tela para que a possibilidade se tornasse algo sólido. Eles ainda tinham muitos segredos, muitos, e o amor estava fadado a perder-se. Sabiam que no momento do encontro, tudo teria que mudar. Teriam que renascer. Começaram a se estranhar, a deixar que muitos ficassem entre eles. Começaram a mentir um ao outro. Ela nem tanto; ela só escondia algumas coisas. Ele, não; ele mentia.

Começou a criar novos personagens, a fugir dela. Por que o fazia? Ninguém sabia, talvez nem ele soubesse. Mas ela, por algum motivo sempre acabava descobrindo e sempre se magoava com ele. E seu coração, antes tão exultante do amor descoberto, começou a tornar-se sombrio.

Passaram a guardar mais segredos um do outro. Ela se abriu à dor. Ele se abriu a mais mentiras. Continuavam juntos em suas letras, não conseguiam afastar-se ainda, mas abriram a clareira da separação.

Ele, hoje, continua em sua saga de esconder-se, mentir, criar personagens. Ela o vê, o sente, reconhece e cala.

Muitas vezes ela cruzou com ele na rua. Baixou o rosto, deixou que ele se fosse. Ele jamais a viu, nem a reconheceu. Ela sabe que ele irá ferí-la de morte se ela se mostrar.

Ele está mais perdido agora do que jamais esteve. Está, de novo, a enganar quem se aproxima dele. E ela?

Bem, ela já está virando lenda. Contam que seja uma juíza de direito, outros, que seja alguém importante que não pode mostrar-se, que seja uma sacerdotisa envolta em magia e que não pode envolver-se com homem algum...

Ela apenas sorri... é só a moça que escreve poemas.

Nota: Esse conto foi escrito a quatro mãos, duas, porém, resolveram manter-se em punho fechado ofertando-me os créditos.

RRenee
Enviado por RRenee em 11/09/2006
Reeditado em 26/09/2006
Código do texto: T237897