BRIGAR SÓ POR BRIGAR

- Por que você não comeu a cebola?

- Eu gosto do gosto da cebola, mas não gosto do crec crec que ela faz.

- Eu nunca vi uma pessoa dizer que gosta de bife acebolado sem gostar de cebola.

- Eu gosto do gostinho longe que ela deixa na carne. Também não gosto do bafo de onça que fica em quem come cebola. Principalmente quando come essa quantidade que você bota. É demais.

- Não é não senhor. Essa é a quantidade certa.

- Não é possível que a receita seja essa exorbitância.

- Exorbitância é a tua venta.

- Eu acho.

- Você sabe cozinhar?

- Não sei, mas tenho paladar.

- O que a gente não sabe fazer não deve dar palpites nem querer ensinar como é que se faz.

- Ah! Você pensa assim, é?

- Claro, sempre pensei e sempre agi assim.

- Mas não me diga um absurdo desse não...

- Eu nunca dou palpites naquilo que não sei fazer.

- Ah! Não?

- Não. Claro que não.

- E como é que todo dia você vem ditar as regras de como eu devo mijar? Você sabe mijar em pé?

- Eu não ensino como é que se mija em pé. O que eu digo todo dia e que você não leva em consideração, é o que se deve fazer depois de mijar em pé ou sentado.

- Que nada! Você é muito sabida lá pras suas negras.

- Você é que não teve mãe para lhe ensinar boas maneiras.

- Minha mãe me educou muito bem.

- Você não tem um pingo de educação doméstica.

- Mas olha quem fala!

- Você arrota na mesa.

- Arroto é uma necessidade fisiológica.

- Não é não senhor.

- Ôxe! É sim. O que não é, é esse palito de dentes que você usa depois que come qualquer coisa. Até quando bebe água.

- É porque o unha de fome do meu marido não tem coragem de pagar um ortodontista para mim.

- Esses cacos podres aí não têm mais jeito não.

- Caco podre quem tem é a sua mãe.

- Da minha mãe hoje só restam os ossos.

- Por isso mesmo. Está tudo podre.

- Agora ela está podre, mas quando era viva você só vivia socada na casa dela.

- Eu nunca neguei que gostava muito de dona Santa.

- Gostava merda nenhuma rapaz!

- Gostava e considerava ela uma santa mesmo. O nome cabia certinho nela. Só aguentar você e o cachaceiro do seu pai a vida toda...

- Mas menino! Olha só quem está falando em cachaceiro.

- Meu pai bebia socialmente.

- Ôxente! Então ele era o dono da sociedade porque a quantidade de álcool que aquela criatura bebeu daria para movimentar a frota de carros a álcool do Recife por mais de ano. Do Recife não, do Brasil todo.

- Você tem uma língua que não cabe na boca.

- Minha língua é grande, mas não é venenosa como a sua.

- Vixe nossa senhora! Oh! Coisinha santa!

- Se você morder a língua com esses cacos de dentes e sangrar vai morrer envenenada pela maledicência e pelo sangue ruim.

- Eu é que tenho sangue ruim?

- Quem é a neta de cangaceiro de nós dois?

- Meu bisavô foi do bando de Volta Seca, mas o seu avô era matador de aluguel. Tanto que morreu numa queima de arquivo.

- Ôxe! Isso é mentira que inventaram.

- E por que o cabo do 38 dele tinha aquelas marcas? Era brincadeirinha de menino? Era?

- Deixe de ser faladora! Você nunca viu o revolver de vovô.

- Vi sim.

- Quando foi isso?

- Naquele dia que seu pai estava cavoucando naquelas tralhas velhas que ele guardava.

- Tralhas velhas quem guardava era a bruxa da sua mãe.

- Não chame minha mãe de bruxa!

- Ela era uma bruxa velha mesmo. Quando morreu virou serpente e voou para o mar.

- Eu só queria que a alma dela viesse puxar teus pés, enquisilado...

- Tesconjuro peste! O inferno só abre para as coisas ruins do mundo entrar. De lá não sai ninguém.

- Pois sim que não sai. O que é que tu estás fazendo aqui? Condenado!

- Não lembra mais do inferno de Dante, não?

- Lá vem você...

- Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate.

- Ôxe!, Ôxe!, Ôxe! Analfabeto metido a besta. Não sabe português, querendo falar italiano...

- Eu sou muito culto. Eu gosto de ler.

- Em compensação não morre de preguiça porque deus é grande.

- Eu não me acho preguiçoso.

- Vixe! Não é não? Uma pústula que não é capaz de dobrar direito o lençol com que se cobre...

- Eu dobro sim. Todo dia.

- Dobra feito tuas ventas. Tudo amarfanhado. Parece que o satanás dançou de botina em cima dele...

- Eu nunca fui camareira de hotel.

- Pois eu fui e com muito orgulho. Ninguém queria que eu saísse de lá. Eu sempre fui muito elogiada porque era zelosa com meu serviço.

- Devia era ter sido auxiliar de cozinha.

- Ôxe! Por que isso agora?

- Para aprender a fazer bife acebolado sem esse horror de cebola...

- Mas será o cão! Vocês dois, parem com essa briga inútil. Que bate boca sem fim...

- É o seu pai.

- É a sua mãe que me provoca.

- Eu disse os dois. Vocês são iguaizinhos...

Advertência:

Este texto foi produzido em linguagem coloquial doméstica tal como se fala em Pernambuco.

Portanto, não foram observadas as regras gramaticais, as concordâncias verbo nominais e há emprego da gíria local.

Procurei compensar a falta de erudição com a musicalidade da nossa maneira de falar.