Um Amor de Carnaval

Todos os anos era a mesma história: no feriado do carnaval, descíamos para a praia.

Às vezes, era para ficarmos num camping, curtindo a farra e os desconfortos de uma barraca, do fogareiro elétrico e da janta à base de miojo, mas também ocorria de minha mãe alugar uma casa no litoral, que dividíamos com várias outras pessoas, amigos ou parentes.

O primeiro grande desafio era o congestionamento-monstro na rodovia. O trecho Curitiba-praias, que num dia normal fazíamos em uma hora ou menos, convertia-se num êxodo — três ou quatro horas de carros enfileirados, que sumiam na estrada a contornar a Serra do Mar. A visão do oceano, distante e plácido entre as colinas, só aumentava a nossa ansiedade, então eu e minha irmã começávamos a nos acotovelar no banco traseiro, enquanto minha mãe gritava e nos ameaçava com uma surra assim que chegássemos à praia.

— Vocês dois vão dormir com a bunda quente hoje!

Eu chorava, minha irmã mostrava a língua para mim e os carros simplesmente não se moviam sob o sol escaldante.

Isto quando um acidente no trajeto não piorava o fluxo, como da vez que um caminhão de pepinos capotou, espalhando barris azuis com pepinos em conserva nas duas mãos da estrada, e com a cabine do caminhão dependurada para fora da mureta, pendendo na beira do abismo.

— Dizem que o motorista foi esmagado... — curiosos comentavam, todos aguardando fora de seus automóveis, já que não nos movíamos um milímetro sequer — a polícia recolheu o coração dele do asfalto.

E, para piorar, assim que o tráfego havia sido normalizado, minha mãe não conseguia dar a ignição.

— Maldito carro a álcool! — ela berrava, dando tapas no volante, então tínhamos de sair correndo, pedindo ajuda aos outros motoristas para empurrar o Gol branco que sempre morria, especialmente nos dias frios de Curitiba.

A chegada à praia era sempre cheia de empolgação, pois então não mais avistávamos montanhas, prédios ou rodovias, mas apenas a imensidão azul que vislumbrávamos a cada quadra perpendicular ao mar.

Assim que estacionávamos na frente da casa, uma vez destrancada a porta, eu e minha irmã checávamos todos os cômodos, isto quando havia mais de um, para nos certificarmos se havia camas, beliches ou colchões suficientes para todos, pois não raras vezes tinha mais gente do que lugares para dormir, então recomeçava a briga para decidir quem ficaria onde, e quem acabaria dormindo no chão, num colchonete que era igual a deitar-se diretamente no assoalho.

Logo em seguida, sob apelos desesperados das crianças, começavam todos os preparativos para a praia propriamente dita: filtro solar, guarda-sol, calção de banho, boné, e toda a parafernália que apenas os não-nativos precisam carregar para curtir as férias.

A primeira providência que eu tomava, ao atingir a areia pelando, era jogar meus chinelos para a minha mãe e correr para a água.

— Não vai muito fundo! — ela gritava e eu só respondia com um aceno. Minha irmã vinha logo atrás, justificando que ficaria de olho em mim, mas que, na verdade, queria paquerar os rapazolas que em bandos conversavam um pouco após a arrebentação.

Nós dois ficávamos no rasinho, eu tinha uns seis anos e ela treze, “pegávamos jacaré” e eu aproveitava para fazer um xixi na água.

Foi neste primeiro dia que vi uma menininha, brincando com baldinho e pá na areia. Ela olhava para mim e fiquei com vergonha.

Minha irmã voltou para perto da minha mãe, para tomar banho de sol, e me deixou sozinho, no raso, pulando as ondas baixas. Sentei-me na areia molhada, voltado para aquela menina, e fiquei olhando, ainda muito tímido, para ela.

Mais tarde, minha mãe nos chamou para almoçar, retornamos à casa e foi quando descobri que a menina que me fitava estava hospedada na casa ao lado, do outro lado do muro. Minha mãe conversou com a mãe dela por alguns instantes, talvez estivessem se apresentando, depois voltou e me disse:

— Você viu que bonitinha a menina aqui do lado?

— Não — respondi, com medo de me entregar.

Naquela noite, minha mãe e as amigas saíram para dançar, em algum baile de carnaval, e deixaram-me com a minha irmã.

Antes de saírem, alguém disse para minha mãe:

— Ouvi dizer que tem lança-perfumes neste baile.

— Eu não gosto disso — minha mãe respondeu, e pensei que era besteira dela, já que ela gostava de estar sempre muito bem perfumada.

Eu e minha irmã jogamos baralho, ficamos sentados um pouco na varanda, mas fatalmente acabamos brigando. Ela puxava meus cabelos e eu metia-lhe belos pontapés nas canelas. Mas eu sempre acabava apanhando, era menor e mais fraco; esta equação só se inverteria muitos anos depois. Até lá, eu era sempre a vítima.

Nos dias seguintes, continuei me encontrando com a menininha, e revezávamo-nos entre ela brincar no mar e eu na areia, ou ela na areia e eu no mar. Não tínhamos coragem de nos aproximar, de dizer “oi” um para o outro, então brincávamos apartados por vários metros, numa confidência e camaradagem que apenas duas crianças podem ter, mesmo sem trocar palavra.

Depois, ficamos ainda mais ousados, passamos a brincar simultaneamente no mar, ou na areia, ainda distantes uma porção de metros. Ela mexia nos cabelos cacheados, e eu me acocorava na água, fingindo estar mergulhando, para dar uma mijada.

O feriado do carnaval acabou e retornamos a Curitiba.

Alguns dias depois, começava o ano letivo e eu teria de encarar a grande etapa na vida de um ser humano: a Primeira Série. Como todas as demais crianças, chorei quando minha mãe me deixou na porta da escola, mesmo sabendo que ela apenas daria a volta no quarteirão e entraria pela porta lateral, já que ela era a professora de Educação Artística. Mal sabia eu que, daquele dia em diante, minha mãe seria uma das minhas professoras por oito anos consecutivos.

Conheci meus coleguinhas, minha professora, e saímos para o recreio, cada qual carregando a sua lancheira com suquinho e pão de forma com queijo e presunto.

Para minha surpresa, em meio à criançada que corria pelo pátio, pulava amarelinha, brincava de pega-pega, de corda, avistei a mesma menininha da praia.

Obviamente, não tive coragem de me aproximar, mas percebi que ela também havia me reconhecido e cochichou com suas amigas.

A mesma barreira permaneceu entre nós, até o dia dos namorados, quando, apaixonadíssimo, criei coragem e entreguei-lhe um buquê de flores. Ela sorriu, acanhada, escondeu o buquê atrás das costas, esmagando algumas das flores, e correu para longe de mim, refugiando-se para junto das colegas.

Eu tinha uma namorada!

Ao invés da imagem típica do carnaval, do sexo, da carne, da exposição, dos confetes e serpentinas, da bebedeira e das drogas, da obrigação machista de comer uma garota, na minha mente se gravou esta memória fugidia de um amor de infância, puro e imanente.

Gravou-se a recordação da minha primeira namorada, que havia conhecido no carnaval.

(Publicada na edição de Carnaval da Revista SAMIZDAT)