"A Bolsa"

Não que ele tivesse o hábito de reparar em bolsas femininas, mas a última aquisição da esposa chamou sua atenção a tal ponto que ele a pegou de cima do rack e examinou-a detidamente por um longo tempo.

-Rapaz, que coisa fina!! Isso deve ser couro muito especial e com complementos que parecem verdadeiras jóias. Deve ter custado uma fortuna, mas onde minha mulher conseguiria recursos pra comprar um artigo tão luxuoso? Com a mesada que lhe tenho dado não pode ser...

- Gostou de minha bolsa, amor?

- Bonita mesmo, meu bem. Coisa fina. Está na cara que é coisa caríssima.

- Que nada...Você nem imagina a sorte que tive. Sabe que estava em liquidação em uma loja da Vinte e Cinco?

- Na Vinte e Cinco um artigo desse nível? Haja sorte, meu bem...

- Sorte nunca me faltou na vida, amor. Você sabe disso muito bem. Essa bolsa é apenas uma imitação barata da marca mais famosa do mundo. Mas é uma imitação maravilhosa, você não acha?

Alguns dias depois ele foi a um dos mais luxuosos shoppings da cidade a fim de atender um cliente de sua empresa de seguros e um artigo exposto em uma das mais sofisticadas lojas despertou seu interesse. Era uma bolsa quase igual à que vira em sua própria casa. Voltou alguns passos atrás, deteve-se perante a vitrine e acabou resolvendo entrar na loja.

- Moça, boa tarde. Por favor, me diga quanto custa aquela bolsa ali.

- Qual delas, senhor?

- Essa última da direita na vitrine.

- Que bom gosto, senhor! Essa bolsa é uma das mais especiais que temos na loja. E veja que temos aqui apenas artigos finíssimos, coisas mesmo de primeiríssima qualidade. Em relação à concorrência, posso lhe garantir que está mesmo uma pechincha maravilhosa.

- Quanto custa, moça?

- Até amanhã estará custando apenas mil, oitocentos e cinqüenta reais. Promoção especial mesmo.

- Mil oitocentos e cinqüenta!?

- Só isso, senhor. Maravilhoso o preço, o senhor não acha? Uma bolsa como essa é para toda a vida. Um presente que qualquer mulher no mundo adoraria ganhar.

Ele encarou a moça, alisou o queixo longamente, respirou profundamente e acabou resolvendo ser direto e objetivo. A vendedora parecia ser gente boa e compreensiva apesar de seus modos muito profissionais.

- Moça, me diga uma coisa: se eu lhe trouxer uma bolsa parecida com essa você saberia me dizer se é legítima ou não?

- Claro que sim, senhor. Há anos que trabalho com esse tipo de artigo e posso dizer que sou uma profunda conhecedora de todos os acessórios finos confeccionados em couro de crocodilo e outros materiais.

- Logo que me for possível lhe trarei uma bolsa e lhe pedirei que me diga se é ou não uma boa imitação.

Quatro dias depois sua esposa trocou de bolsa, ele pôde pegar a “pechincha” da Vinte e Cinco e levá-a até a loja onde a especialista se comprometera a avaliá-la.

- Essa bolsa!! Puxa vida, que prazer revê-la! Adorei essa bolsa e cheguei a acalentar o sonho de poder comprá-la um dia, mas é caríssima. Tão cara que o dono da loja compra sabendo que demorará a ser vendida. Foi sua esposa que a comprou? Se foi, teve sorte, muita sorte. O dono da loja resolveu dar um desconto de dez por cento nessa bolsa e no mesmo dia ela foi vendida.

- Ela custou mil, oitocentos e cinqüenta reais à minha esposa?

- Quem dera...Essa é mais especial que aquela da vitrine. Essa aqui tem mais divisões internas e mais couro de crocodilo em sua confecção. Foi vendida por dois mil e cem reais na promoção. Muito sortuda quem a comprou naquele dia.

- Muito, muito, muito mesmo. Foi minha esposa quem a comprou e fico feliz por saber que ela fez um bom negócio. Muito obrigado, moça. Muito obrigado e meus votos de boas vendas.

- Obrigada, senhor. Felicidades para o senhor também.

- Ah, só mais uma informação, moça, sem querer abusar de sua boa vontade: você se lembra de que maneira ela pagou a bolsa?

- Claro que me lembro. Não é todo dia que vendo esse tipo de bolsa. Ela pagou com cartão de crédito internacional.

- Obrigado, minha querida. Direi à minha esposa que sempre compre com você as bolsas e acessórios que precisar.

“Cartão de crédito internacional...bolsa de dois mil e cem reais...couro de crocodilo com mais divisões...pechincha da Vinte e Cinco...Mulher sortuda...Imitação maravilhosa...Desgraçada dos infernos!! Sustentada por ele, dependente dele para tudo, vivendo às suas custas até para limpar a bunda com o papel higiênico comprado por ele, comprara uma bolsa que custava quatro salários mínimos e pagava com cartão de crédito internacional!! Internacional!! Putaria da grossa no mínimo! Safadeza, descaramento, coisa de vagabunda do tipo mais ordinário e prostituído possível!! E com aquela carinha de santa, aqueles modos de esposinha submissa e boazinha, aquele jeitinho de mártir disposta a sofrer tudo na vida desde que os dois estivessem sempre unidos e de braços dados...Filha da puta à décima potência!! Dois mil e cem reais em uma bolsa!! E quantia, absurda, paga com cartão de crédito internacional!! Quem seria, na verdade, aquela vaca com quem se casara três anos antes?”

Tremendo de ódio, cheio de idéias assassinas na cabeça, entrou na garagem da casa como um louco, freou a poucos centímetros da parede, desceu do carro quase entortando a porta do carro, a passos largos entrou na sala onde a esposa o aguardava risonha e ansiosa e sem uma palavra de aviso agrediu-a com um murro bem dado na boca. Apenas o primeiro de uma série de socos e pontapés.

- Você vai aprender, vaca ordinária, a não trair quem sempre te amou e te tratou como gente. Quem sempre te deu carinho, amor, atenção, fidelidade e tudo mais que uma esposa pode querer.

Bateu muito nela. Não soube quando parar. Não deu a ela a menor chance de se explicar, de lhe dizer o que acontecera, o porquê daquela malfadada bolsa. Quando parou de agredir percebeu que ela estava morta.

Quando percebeu que ela estava morta, que não mais respirava ou mostrava qualquer sinal de vida, subiu para o quarto onde haviam passado tantas noites fazendo amor com todo o carinho do mundo e a primeira coisa que viu foi um envelope em cima do criado mudo.

Sentindo que havia controlado a respiração, que debelara a tremedeira das mãos, que havia recuperado o controle emocional pelo menos um pouco, abriu o envelope e leu: “Amor de minha vida, aquela bolsa que tanto chamou sua atenção foi o único luxo a que me dei depois de ganhar na loteria. Sortuda demais, ganhei sozinha na mega-sena, na qual joguei, por brincadeira, pela primeira vez na vida. Comprei minha bolsinha de alto luxo, mas o resto do dinheiro era pra você realizar aqueles nossos velhos sonhos de um lindo carro, uma bela casa com piscina e as viagens ao redor do mundo. Assim que você chegar eu lhe contarei onde escondi nossa bela fortuna e seremos o casal mais feliz do mundo. Tenho certeza. Um milhão de beijos da mulher que mais ama o marido nesse mundo, Míriam. Ps: Estava esperando pelo seu aniversário para lhe dar a maravilhosa notícia que mudará nossas vidas.”

Nem por um segundo passou pela cabeça dele procurar o comprovante da mega-sena. Procurou sua pistola automática e deu um tiro em seu ouvido direito.

O prêmio prescreveu após noventa dias e o dinheiro, muito dinheiro, ficou para a Caixa Econômica Federal. Como sói acontecer quando não procurado a tempo.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 04/08/2010
Código do texto: T2417232
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